segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

TRECHOS SELECIONADOS DE ALGUNS CAPÍTULOS: Jesus e a Logoterapia. O ministério de Jesus interpretado à luz da psicoterapia de Viktor Frankl (última parte)

Jesus e a Logoterapia. O ministério de Jesus interpretado à luz da psicoterapia de Viktor Frankl; livros; Evangelhos; Logoterapia; Jesus
Realizando valores atitudinais
 
O enfermo de Betesda (cf. Jo 5,2-15)

Em Jerusalém, perto da porta das Ovelhas, existe uma piscina rodeada por cinco corredores cobertos. Em hebraico a piscina chamava-se Betesda. Muitos doentes ficavam aí deitados: eram cegos, coxos e paralíticos, esperando que a água se movesse (porque um anjo descia de vez em quando e movimentava a água da piscina. O primeiro doente que entrasse na piscina, depois que a água fosse movida, ficava curado de qualquer doença que tivesse).
Aí ficava um homem que estava doente havia trinta e oito anos. Jesus viu o homem deitado e ficou sabendo que estava doente havia muito tempo. Então lhe perguntou: "Você quer ficar curado?"
O doente respondeu: "Senhor, não tenho ninguém que me leve à piscina quando a água está se movendo. Quando vou chegando, outro já entrou na minha frente."
Jesus disse: "Levante-se, pegue sua cama e ande". No mesmo instante, o homem ficou curado, pegou sua cama e começou a andar. Era um dia de sábado. Por isso, as autoridades dos judeus disseram ao homem que tinha sido curado: "Hoje é dia de sábado. A lei não permite que você carregue a cama."
Ele respondeu: "Aquele homem que me curou disse: 'Pegue sua cama e ande'."
Então os dirigentes dos judeus lhe perguntaram: "Quem foi que disse a você para pegar a cama e andar?" O homem que tinha sido curado não sabia quem era, porque Jesus tinha desaparecido no meio das pessoas que estavam reunidas nesse lugar.
Mais tarde, Jesus encontrou aquele homem no Templo e lhe disse: "Você ficou curado. Não peque de novo, para que não lhe aconteça alguma coisa pior."
Então o homem saiu e disse às autoridades dos judeus que tinha sido Jesus quem o havia curado.


A cura do enfermo de Betesda é uma história com inúmeras facetas, mas sua mensagem fundamental remeta a uma nova visão da doença. Enquanto em nossa cultura a tendência é ater-nos aos sintomas, Jesus destacou principalmente a atitude a assumir ante a doença. Na sua visão, a essência da saúde está menos na ausência de sintomas (como nossa cultura tende a defini-la) do que num estado interior de plenitude do qual a saúde física é simples consequência. Esse estado de espírito é independente das condições orgânicas e também independe da ausência de sofrimento. Na verdade, o próprio sofrimento pode contribuir para uma sensação interior de completude e paz. A nossa cultura procura evitar o sofrimento a todo custo, mas a fé do Novo Testamento, desenvolvendo-se a partir da crucificação e da ressurreição, afirma sistematicamente que o sofrimento pode dar origem a um processo incessante de redenção.

Tanto o sofrimento quanto o prazer fazem parte da vida. Corretamente compreendido, o sofrimento contribui muito mais com a vida do que o prazer. Em um dos poemas, Walt Whitman reflete a contribuição das forças de resistência presentes na vida:

Aprendeste lições apenas dos que te admiram, dos que te tratam bem e te abriram caminho? Não aprendeste grandes lições dos que te enfrentaram e disputavam a passagem contigo?

Deste modo semelhante, Robert Browning escreve:

Então, aceita toda rejeição
Que torna áspera a suavidade da terra,
Todo aguilhão que obriga não a deter-se e sentar,
Mas a prosseguir!

Também Frankl reserva um bom espaço ao sofrimento. Também para ele, como para Jung, a tentativa de evitar o sofrimento é uma espécie de padrão neurótico. Frankl escreve:

O sofrimento e as dificuldades fazem parte da vida do mesmo modo que o destino e a morte. Nenhum deles pode ser subtraído à vida sem suprimir-lhe o sentido. Remover as dificuldades, a morte, o destino e o sofrimento significaria despojar a vida de sua forma e estrutura. A vida só adquire forma e estrutura sob os golpes do destino, no paroxismo do sofrimento.

[...]. O cristianismo sempre se empenhou em afastar o sofrimento humano, como comprovam os milhares de hospitais construídos sob auspícios cristãos em todo mundo, mas a saúde física é apenas parte desse esforço. A preocupação maior é com as atitudes, não com os sintomas. De modo semelhante, a abordagem de Frankl dá mais atenção à atitude do que às condições, princípio que se aplica de modo especial aos sintomas físicos. [...]. p. 117. Enquanto a ênfase mais comum no mundo terapêutico hoje parece estar na investigação da relação entre fatores causais e expressão sintomática, a logoterapia questiona a necessidade de sempre encontrar a causa no passado e destaca a importância de trabalhar com as atitudes no presente; a logoterapia acredita que muitos sintomas desaparecem quando há mudança de atitude. [...]. p. 118.

[...].

É importante observar que quando a atenção se volta para as atitudes, não existe situação que não possa ser resolvida de uma forma ou de outra. Frankl gosta de citar as palavras de Goethe: “Não existe situação difícil que não possamos superar, seja agindo ou suportando”. Frankl está convencido de que sempre pode dar alguma ajuda a quem o procura. “Todos podem ser ajudados, se não diretamente, por técnicas psicanalíticas, indiretamente, recebendo orientação para mudar de atitude”. Certamente, deve ter sido com esse espírito que Jesus abordou o enfermo de Betesda. Embora o homem estivesse doente trinta e oito longos anos, não havia motivo para acreditar que sua situação, ou sua atitude, não pudesse mudar.

É evidente que, sozinho, esse homem teria sido incapaz de efetuar qualquer mudança em sua vida. Como a maioria das pessoas, ele se fixava nas condições limitadoras que o envolviam, não nas possibilidades criativas. Para ele, saúde significava apenas reversão dos sintomas físicos da doença. No entanto, ele devia ter alguma coisa que o distinguia dos demais que lá estavam. A história sugere que ele ainda estava tentando. É perfeitamente concebível que Jesus o tenha escolhido porque ele não havia desistido; aparentemente, ele não se resignara completamente como os benefícios secundários da doença. Jesus levantou a questão toda do sentido da sua doença para ele.

A doença não deixa de ter suas compensações. Na verdade, alguns não querem curar-se. É muito possível que o enfermo de Betesda tivesse assumido uma profissão bastante interessante e talvez até mesmo vantajosa, a profissão da doença cujo exercício lhe atraía considerável simpatia e atenção. Lembro-me de um homem que estava totalmente empolgado fazendo pesquisas numa biblioteca pública. Ele mesmo se atribuíra essa tarefa porque o medo de cruzar as ruas praticamente o impossibilitava de assumir um emprego rentável. Ele se ressentia de qualquer esforço para resolver o problema (e, naturalmente, que o obrigasse a trabalhar). Sua resposta à pergunta de Jesus, pelo menos inconscientemente, era: “Não, eu não quero ser curado”. O fato é que ele perdera a coragem de governar sua vida e por isso se recolhera na doença. Fora derrotado pela vida. O que ele realmente necessitava era de ajuda para mobilizar o poder desafiador do espírito humano; ele precisava de ajuda para ousar acreditar que podia encontrar sentido enfrentando a vida, em vez de afastar-se do envolvimento ativo e recolher-se na passividade da vida. p. 120.

[...].

Às vezes, se faz necessária a intervenção direta de uma personalidade forte para mobilizar valores atitudinais. Com o enfermo de Betesda, o estímulo de Jesus consistiu num desafio direto: “Levanta-te, toma o teu leito e anda”, pouco depois seguido pela recomendação “Não peques mais, para que não te suceda algo ainda pior!” (isto é, não foge mais da vida). Quem quer que tenha conhecido em vida o impacto de uma pessoa forte e amorosa que fala com autoridade pode avaliar a resposta imediata do enfermo a Jesus. E se a experiência pessoal do leitor não supre essa demonstração, testemunho suficiente é a história da transformação de uma mulher como Elizabeth Barrett: por intervenção do jovem Robert Browning, ela não só se recuperou de uma doença totalmente incapacitante, mas também passou a desfrutar de vigorosa saúde.


Recuperando a dignidade humana
O endemoninhado geraseno (cf. Mc 5,1-20)

Chegaram à outra margem do mar, à região dos gerasenos. Logo que Jesus desceu do barco, veio ao seu encontro, saído dos túmulos, um homem possesso de um espírito maligno. Tinha nos túmulos a sua morada, e ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo com uma corrente, pois já fora preso muitas vezes com grilhões e correntes, e despedaçara os grilhões e quebrara as correntes; ninguém era capaz de o dominar. Andava sempre, dia e noite, entre os túmulos e pelos montes, a gritar e a ferir-se com pedras. Avistando Jesus ao longe, correu, prostrou-se diante dele e disse em alta voz: “Que tens a ver comigo, ó Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te, por Deus, que não me atormentes!” Efetivamente, Jesus dizia: “Sai desse homem, espírito maligno”.
Em seguida, perguntou-lhe: “Qual é o teu nome?” Respondeu: “O meu nome é Legião, porque somos muitos”. E suplicava-lhe insistentemente que não o expulsasse daquela região.
Ora, ali próximo do monte, andava a pastar uma grande vara de porcos. E os espíritos malignos suplicaram a Jesus: “Manda-nos para os porcos, para entrarmos neles”. Jesus consentiu. Então, os espíritos malignos saíram do homem e entraram nos porcos, e a vara, cerca de uns dois mil, precipitou-se do alto no mar e ali se afogou.
Os guardas dos porcos fugiram e levaram a notícia à cidade e aos campos. As pessoas foram ver o que se passara. Ao chegarem junto de Jesus, viram o possesso sentado, vestido e em perfeito juízo, ele que estivera possuído de uma legião; e ficaram cheias de temor. As testemunhas do acontecimento narraram-lhes o que tinha sucedido ao possesso e o que se passara com os porcos. Então, pediram a Jesus que se retirasse do seu território.
Jesus voltou para o barco e o homem que fora possesso suplicou-lhe que o deixasse andar com Ele. Não lho permitiu. Disse-lhe antes: “Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti”. Ele retirou-se, começou a apregoar na Decápole o que Jesus fizera por ele, e todos se maravilhavam.


O propósito que Jesus tinha em sua mente no caso do endemoninhado era recuperar o senso de dignidade humana. A redescoberta da dignidade do homem é uma das principais conquistas dos nossos tempos. A pensadores existencialistas como Frankl deve-se o mérito de sustentar que, sem desmerecer as contribuições da corrente psicológica segundo o qual o homem é um animal regido pelo instinto, a verdadeira essência do homem está exatamente nas características que o distinguem do animal. Como diz Frankl, concordando com Max Scheler, um animal tem um ambiente, mas o homem tem um mundo. O homem abordado na forma mais adequada de psicoterapia é o homem que possui uma consciência, o homem que toma decisões livres, o homem que aceita responsabilidade pessoal. em suma, é o homem da imagem bíblica, feito “pouco menos do que os anjos, coroado de glória e beleza” (Sl 8,5).

No momento em que é despojado de sua dignidade, o homem adoece. É entre os aposentados que encontramos uma das evidências mais clara dessa verdade. Vivendo numa cultura que tende a identificar importância pessoal com capacidade produtiva, as pessoas aposentadas se sentem inúteis e, consequentemente, esbulhadas de sua dignidade. Com um mínimo de reconhecimento que restitua a dignidade, é surpreendente ver como o organismo físico reage com nova vitalidade que faz o acamado levantar ou que libera o ocupante prematuro da cadeira de rodas. Ou pense no delinquente que teve seu sentido de dignidade espezinhado por uma sociedade indiferente que procura reconhecimento em atitudes antissociais, dirigindo sua raiva contra seus semelhantes. Ou considere a doença que não é orgânica nem social, mas psíquica, a doença da psicose. Aqui, de novo, a dignidade de um ser humano foi ofendida, seu senso de adequação pessoal foi solapado, sua liberdade de ser único foi reprimida. Agora sua raiva não se volta para fora, para o mundo externo, mas contra ele mesmo. Indignado consigo mesmo, em guerra consigo mesmo, ele sente apenas o embate das forças não resolvidas digladiando-se em seu ser, e perde de vista a unidade essencial inerente à dignidade. O único nome que lhe parece fazer sentido é “Legião, porque somos muitos” (Mc 5,9).

[...]. Observei muitas vezes em pacientes mentais a transformação do que parecia agressão raivosa em receptividade ansiosa quando se compreendeu a raiva como medo e se a tratou como tal. Ao se demonstrar claramente que não havia necessidade de ter medo, pedidos de ajuda substituíam o acesso de raiva. [...]. É isso que deve ter acontecido com o endemoninhado geraseno, que teve seus desvarios enfurecidos totalmente abrandados pela abordagem paciente e compreensiva (e por isso corajosa) de Jesus. p. 130.

A mudança que pode ocorrer numa pessoa psicótica na presença de um terapeuta verdadeiro é muito bem ilustrada por Carroll Wise ao observar o psiquiatra Harry Stack Sullivan atuando. Sullivan visitava o Worcester State Hospital, no momento em que um paciente esquizofrênico era apresentado ao corpo clínico. O médico que fazia a apresentação não conseguia estimular o paciente a comunicar-se. Com um dar de ombros resignado, ele se virou para Sullivan, sugerindo que ele fizesse alguma coisa. Wise descreve o que aconteceu:

O primeiro gesto de Sullivan foi aproximar sua cadeira da cadeira do paciente e inclinar-se para a frente, de modo a olhar diretamente para o paciente de forma amigável e calorosa. Para surpresa de todos, o paciente respondia a cada pregunta e comentário feitos pelo Dr. Sullivan. Durante meia hora ou mais eles ficaram conversando, aparentemente alheios à presença de outras pessoas.

É possível que o segredo do sucesso de Sullivan esteja registrado no início do comentário de Wise, o ato de aproximar a cadeira e inclinar-se para a frente. Assim agindo, Sullivan estava dizendo: “Você está diante de uma pessoa com quem vale a pena conversar”. Lembro-me claramente de uma jovem de dezoito anos que, paciente num hospital psiquiátrico, era a personificação da infelicidade. Abordando-a certo dia, como capelão do hospital, procurei iniciar a conversa, mas ela me repeliu irritada.: “Vai embora! Não quero falar contigo!” E para não haver dúvidas, virou a cadeira de frente para a parede. Meu primeiro impulso foi sair, mais então, lembrando que ela estava doente, também virei minha cadeira, fiquei ao lado dela olhando para a parede vazia e comecei a falar. Meia hora depois, quando me levantei para sair, ela pegou o meu braço, me segurou pela manga do casaco e disse: “Não vá embora. Não me deixe sozinha”. A explosão de raiva inicial foi deflagrada pelo medo de não ser aceita, pelo medo de que ninguém quisesse falar com ela.

A história do endemoninhado geraseno parece ser autêntica. Ao perguntar “Qual é o teu nome?”, Jesus estava realmente fazendo o tipo de pergunta que um terapeuta moderno faria. Leslie Weatherhead traduz a pergunta assim: “ ‘Qual é o teu nome?’ equivale à pergunta que um terapeuta moderno faria: ‘Como tudo isso começou? Que poder é esse que te domina?’”. Pode ser muito bem ser que Jesus, procurando isolar-se nas regiões inóspitas dos gerasenos, tenha passado a maior parte da noite analisando com esse homem digno de piedade a história de sua vida segundo os padrões da psicoterapia contemporânea. Weatherhead, por exemplo, acredita que o endemoninhado pode ter sido ajudado a trazer à tona emoções reprimidas havia muito tempo, talvez relacionadas com atrocidades cometidas pelos legionários romanos. Como muitos militares que, em nossa época, sofrem de traumas de guerra, uma catarse emocional violenta às vezes resulta em cura total. p. 132.

Quer os fatores causais da doença tenham sido realmente expostos ou não, a cena final que mostra o “endemoninhado” recuperado para um estado de normalidade, sentado falando com Jesus, sugere a retomada para os relacionamentos interpessoais. Aqui, em Jesus, estava um homem com quem ele podia falar livremente sobre seus sentimentos mais íntimos; aqui estava uma aceitação dele mesmo nas profundezas do seu ser, profundezas que ele não conseguia contemplar sozinho.

Para o endemoninhado, foi importante Jesus mostrar que não o temia. As pessoas tinham medo dele, tanto quando ele estava doente como mais tarde, quando havia recuperado a sanidade. Em seu medo, elas o haviam banido da cidade; e quando ele melhorou, elas ainda tinham dúvida e hesitavam em aceitá-lo. Temeroso dos impulsos que se agitavam descontrolados em seu interior, ele não podia ser ajudado por aqueles que também o temiam, mas somente por alguém imune ao medo, alguém que podia compreendê-lo sem deixar-se levar por ele. E isso Jesus podia fazer, pois ele conhecia as profundezas do homem, o potencial para o bem e para o mal, a intensidade de amores e ódios, a mistura de brandura e hostilidade, a luta entre o egoísmo e altruísmo. [...].

Foi como se Jesus lhe dissesse: “Você não é responsável por seus sentimentos, eles fazem parte da doença que não consegue controlar. Mas você é responsável por sua atitude com relação a eles”. Essa é a abordagem adotada por Frankl. Ele acredita que mesmo o esquizofrênico conserva um resíduo de liberdade para enfrentar a doença.

As próprias manifestações da psicose escondem uma pessoa espiritual real, imune à doença mental. A doença só inibe a possibilidade de comunicar-se com o mundo externo e de auto expressar-se; o núcleo do homem se mantém indestrutível. O esquizofrênico, do mesmo modo que o maníaco-depressivo, conserva um remanescente de liberdade com que pode enfrentar a doença e realizar-se, não só apesar dela, mas por causa dela.

É por isso que Frankl pôde dizer a um jovem artista esquizofrênico:

Não se fixe em perguntas em torno de que eventos patológicos podem estar presentes e de que espécie. Você é uma mente que luta espiritualmente, que cria artisticamente. Além desse ponto está a doença. Deixa-a conosco para que o curemos dela. Não se preocupe com sentimentos estranhos e com a questão do que possam significar. Ignore-os até que o livremos deles. Dedique-se às coisas grandes e maravilhosas que você deve criar.

Com efeito, ao dizer que a atitude diante da vida é a área a se trabalhar, mesmo como o psicótico, Frankl salienta um ponto de vista que Anton Boisen esteve sustentando por décadas. Boise vê os transtornos mentais agudos, inclusive o seu próprio, como sinais de uma luta interior para entender o sentido da vida de modo pessoal. assim, episódios psicóticos agudos, mais do que ser meramente indicadores de transtornos doentios da personalidade, podem ser evidências de uma luta orientada para um renascimento, um esforço para assimilar aspectos da personalidade até então não assimilados num todo unificado e significativo. É como se o reconhecimento de tendências irreconciliáveis exigisse uma interrupção total nos padrões de vida normais até que alguma solução satisfatória seja encontrada.

Se a vida não faz sentido, se parece não haver sentido numa existência pessoal, então a doença emocional preenche o vazio. Frankl tratou um jovem judeu de dezessete anos, estudante do Talmude, que fora vítima das perseguições nazistas, seguidas de dois anos e meio de internação num hospital psiquiátrico. Depois de receber alta, o jovem não conseguia reintegrar-se em nenhum padrão norma de vida, culpando a Deus por fazê-lo diferente. Frankl ajudou-o a ver sua situação sob nova luz.

Quem sabe se não foi bom para você, pois você precisava aproximar-se de si mesmo e finalmente encontrar-se. Você não era antes mais desleixado no seu modo de viver? Agora você se tornou uma personalidade mais séria e ponderada. É inconcebível que, ao longo de dois anos e meio de confinamento, Deus quisesse impor-lhe uma tarefa; talvez o confinamento fosse sua atribuição para aquele período da sua vida.... O estudo do Talmude será mais fácil de agora em diante, mas, apesar dessa facilidade, você penetrará mais profundamente em seu sentido... Pois agora você foi purificado como o ouro e a prata... Através das lágrimas derramadas, a escória foi removida do seu velho eu.

A explicação de Frankl para o tratamento desse jovem estudante foi motivada por um comentário de um psiquiatra visitante. Esse observou que, ao sair do consultório, o garoto estava diferente; ele definitivamente mudara durante a entrevista. O médico observou ainda que Frankl havia tocado o ponto nevrálgico e ajudara o jovem a encontrar um propósito e a ver sua situação em termos de propósito. Em resposta, Dr. Frankl disse:

Eu elevei sua autoestima, não abordando sua triste situação, mas oferecendo um vislumbre do possível sentido que esse jovem precisava realizar a despeito de sua doença mental e dos seus resíduos. Eu não analisei tanto os muros que o separavam da vida e do mundo externo. Também não me preocupei com a origem desses muros, isto é, a psicose, a psicogênese e a psicodinâmica; antes, tentei provocar o paciente a romper esses muros, ajudando-o a transcende-los, e finalmente a satisfazer as exigências de uma vida própria significativa. p. 135.

[...]. Citando outro paciente, um homem cujo ciúme alcançava dimensões paranoicas tamanhas que os amigos temiam que ele pudesse matar a esposa, Frankl observa que quando mulher adoeceu o ciumento marido de repente passou a dedicar-se a ela, cuidando dela com todo carinho. Frankl então comenta:

O que uma pessoa faz com uma psicose, quer ela se submeta e ceda ao que as ilusões psicóticas e as alucinações sussurram ao seu ouvido, por assim dizer, ou que passos ela dá e em que direção sob a influência de uma psicose – tudo isso depende básica e unicamente do núcleo espiritual da personalidade envolvida.

Não é segredo que situações conflitantes são resolvidas quando se faz referência à dimensão espiritual (noética). Mesmo na psicose, uma orientação ao mundo de valores pode exercer uma influência controladora sobre o comportamento. Frankl fala de um homem esquizofrênico de sessenta anos que ouvira vozes durante décadas e que era considerado idiota por todos os que o cercavam. Foi observado, porém, que embora estivesse em geral muito agitado, ele reassumia o controle quando cantava com a irmã num coral. Quando o Dr. Frankl lhe perguntou por que ele se controlava, esperando ouvir que era por causa da irmã a que ele muito amava, o paciente respondeu: “Por amor a Deus!”. Mesmo na doença, ele preservava a consciência da influência de Deus sobre sua vida.

Não foi por acaso que Jesus advertiu o jovem que fora considerado endemoninhado a ver sua vida sob a luz da misericórdia de Deus para com ele. Vemos continuamente no relato do Evangelho como os problemas do homem são considerados resolvidos quando vistos de uma perspectiva sobrenatural. A abordagem logoterapêutica tem por objetivo mais do que uma mudança dos padrões de comportamento: ela é uma reorientação total a uma vida de um espectro mais amplo. Ela consiste em introduzir o conceito de relacionamento num mundo mais amplo do que o mundo em que o homem científico normalmente vive. É ver o homem da perspectiva mais ampla possível. p. 137.

[...].


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