quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje

Mantendo a morte diariamente diante dos olhos
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São Bento em sua regra, aconselha os monges a manterem diariamente a morte diante dos olhos. [...]. Os monges viviam na consciência de sua morte. E isso os tornava mais vivos e presentes. O pensar na morte liberta-os de todo medo. Um jovem monge perguntou a um patriarca nestes termos: ‘“Por que o medo toma conta de mim quando saio sozinho durante a noite?’ Disse-lhe o ancião: Porque a vida deste mundo ainda possui valor para ti’” (EVÁGRIO. OitPens 190). [...]. (pág.109).
Em muitas palavras dos monges sentimos uma profunda ânsia e desejo da morte. Mas esta ânsia e desejo da morte, para estar ao lado do Senhor, confere aos monges ‘uma surpreendente jovialidade, de modo que um deles ouviu esta pergunta: ‘Por que acontece que tu nunca estás triste? E ele respondeu: ‘Porque desejo e espero morrer todo dia’. Um outro disse: ‘A pessoa que mantém a morte diante dos olhos por todo o tempo supera facilmente a tristeza e a estreiteza da alma’” (RANKE-HEINEMANN, Mönchtum... 30). Assim, o exercício de manter a morte diariamente diante dos olhos é expressão da ansiedade e do desejo de “estar com nosso Senhor no paraíso” (RANKE-HEINEMANN, Mönchtum... 41).
Para os monges, à ansiedade e desejo da morte associa-se também uma expressiva espera da parusia. A expectativa pela escatologia iminente dos primeiros cristãos se acende novamente entre os monges. Escreve Rufino “que os monges esperam por seu pai ou uma tropa por seu rei, ou ainda como um servo fiel por seu senhor e libertador. Num outro lugar diz: ‘Eles não queriam mais preocupar-se com a vestimenta e com a alimentação, mas, entre hinos, esperavam unicamente pela parusia de Cristo’” (Assim, o exercício de manter a morte diariamente diante dos olhos é expressão da ansiedade e do desejo de “estar com nosso Senhor no paraíso” (RANKE-HEINEMANN, Mönchtum... 41)., Mönchtum... 32). A leveza que podemos perceber em muitos padres do deserto está ligada certamente a esta espera da parusia. E é a partir dela que Evágrio pode comparar o monge a uma “águia altaneira” (EVÁGRIO. OitPens 51). Por esperar pelo Senhor, o monge torna-se livre das preocupações mundanas, do julgamento e das expectativas dos homens. A serenidade jovial, a liberdade, a confiança e a sinceridade para com o momento presente forjam o monge que anseia pelo Senhor. (pág. 110).

[...]

A psicossíntese, elaborada por Roberto Assagioli, desenvolveu o método da des-identificação1. Observo meus pensamentos e meus sentimentos; meu medo, por exemplo. Sinto o medo, mas nesta hora coloco-me por detrás dele como uma testemunha imóvel e como um si-mesmo intocável e inatingível. Esse núcleo interior, o si-mesmo espiritual – como o chama Assagioli -, não é atingido pelo medo e pelos sentimentos que se imprimam no meu domínio emocional. A des-identificação me liberta da obrigação de ter de realizar a tarefa com perfeição. A des-identificação é, segundo a psicologia transpessoal, a verdadeira terapia. [...]. (pág. 111).
O método da des-identificação evidencia-se também numa outra sentença dos patriarcas: “Um irmão aproximou-se do patriarca Macário o Egípcio e lhe disse: ‘Pai, dize-me uma palavra! Como posso alcançar a salvação?’ E o ancião lhe ensinou: ‘Olha para a sepultura e zomba dos mortos. Então, o irmão dirigiu-se até lá, zombou e atirou pedras. Em seguida, ele retornou e contou ao ancião o que havia feito. Este, porém, lhe perguntou: ‘E eles não te disseram nada?’ Respondeu então ele: ‘Não!’ Então o ancião lhe disse: ‘Volta lá amanha e louva-os!’ Retornando para junto do ancião, lhe contou: ‘Eu os louvei!’ Então o ancião lhe perguntou: ‘Eles não responderam nada?’ O irmão lhe respondeu: ‘Não!’ Aí o ancião lhe ensinou: ‘Sabes o quanto tu os insultastes e eles não te responderam nada; sabes também o quanto tu os louvaste e eles não te disseram nada. É assim que tu também deves ser se quiseres alcançar a salvação. Sê como um cadáver, não observes nem a injustiça dos homens nem seu elogio, mas sê como os mortos; então, haverás de ser salvo!’” (Apot 476). (págs. 111-112).
A primeira vista, este método parece ser algo macabro, como se nós devêssemos ser insensíveis como os mortos. Na realidade, porém, o objetivo é que superemos o plano da identificação com o elogio e a repreensão, isto é, que exercitemos a des-identificação. Nossa vida somente será bem-sucedida – diz-nos esta sentença dos patriarcas -, quando deixarmos de depender do elogio e da repreensão. E é desse modo que nunca estamos próximos de nós mesmos. [...]. (GRÜN. Alselm, pág. 112).
Tornar-se como os mortos não significa ser destituído de sentimentos. Mas significa o que acontece no batismo, isto é, que nós morremos para o mundo. O mundo, quer dizer, as pessoas com suas expectativas e pretensões, com suas normas e julgamentos não têm poder algum sobre nós. Vivemos num outro limiar. Vivemos numa realidade espiritual a qual o mundo não possui poder algum. E isso nos torna livres. Se constantemente dependermos do elogio, sempre continuaremos insatisfeitos. Pois somos insaciáveis em nossa ânsia por elogio. (GRÜN. Alselm, pág. 112-113).

[...].

Devemos estar mortos sobretudo para o nosso próximo. “Certa vez, o patriarca Poimen contou o seguinte: Um irmão perguntou ao patriarca Moisés de que modo uma pessoa poderia tornar-se morta para seu próximo. O ancião lhe respondeu: ‘Se o homem não se tornar em seu coração como alguém que jaz na sepultura há três dias, não chegará a esta atitude espiritual’” (Apot 506).
E ao patriarca Moisés atribui-se a seguinte sentença: “A pessoa deve estar morta para seu colega, de modo a não vir a condená-lo em algum assunto” (Apot 508). Estar morto para o próximo significa, antes de mais nada, renunciar a condená-lo. Eu não tenho direito de julgar os outros. O estar-morto para o próximo, no entanto, pode também significar que eu me torno independente dos problemas dos outros e que não me identifico com suas dificuldades. Isso naturalmente não deve tornar-se algo desumano como se não tivéssemos nenhum interesse pelo outro. Muitas das sentenças dos patriarcas – em que algum patriarca conversa de coração cheio com seu consulente e o consola e anima – mostram que, para os monges, não está em jogo rigidez ou insensibilidade, mas distância interior. [...]. (GRÜN. Alselm, pág. 113).
Num primeiro momento, estes conselhos nos parecem estranhos. Porém, no fundo, trata-se do cumprimento das palavras de Jesus: “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só; mas se morrer, produz muito fruto. Quem ama sua vida, acabará perdendo-a; mas quem odiar sua vida neste mundo, vai guardá-la para a vida eterna” (Jo 12,24s.). Precisamos desprender-nos de nós mesmos e de nossas ideias sobre a vida, pois assim há de abrir-se um novo espaço para novas possibilidades para nós. Precisamos desprender-nos do outro, pois assim será possível um verdadeiro relacionamento. Quando, numa amizade, uma pessoa se prende demais a outra, com o passar do tempo o relacionamento se tornará impossível. Uma amizade só poderá subsistir enquanto um se desprende do outro, enquanto um deixa o outro livre e vice-versa. Segundo nos diz também a psicologia, o desprender-se é a condição prévia e fundamental para uma vida plenamente realizada. (GRÜN. Alselm, pág. 115).
O capítulo 10: A contemplação como caminho de cura, nos diz, que “é em vão, obter a cura interior através da mera disciplina”. O lidar com os pensamentos e os exercícios concretos são um bom auxílio para as paixões se aquietarem e a alma se tornar saudável. Mas só a contemplação produz a verdadeira cura. Assim o experimentaram os monges, assim o descreveu Evágrio Pôntico.
A contemplação é a oração pura, é a oração continuada, a oração acima dos pensamentos e sentimentos, a oração de união com Deus. Evágrio não se cansa em descrever a oração como o presente mais belo com que Deus nos agraciou. A dignidade humana consiste em unir-se a Deus por meio da oração.

[...].

Pela oração, o homem deve libertar-se primeiramente de suas paixões e, sobretudo, da ira e das preocupações. Mas aí ele deve também deixar para trás de si os pensamentos piedosos. Não deve apenas pensar em Deus, mas unir-se a ele. Evágrio não se cansa de dizer ao escrever sobre isso: “Quando uma pessoa já se tiver libertado das paixões perturbadoras, isto ainda não significa que ela também já esteja em condição de rezar verdadeiramente. Pois é possível que ela apenas conheça os pensamentos mais puros, porém deixa-se seduzir a pensar sobre eles, e com isso está muito distante de Deus” (EVÁGRIO. SobreOra 55).
“O Espírito Santo tem compaixão de nossas fraquezas e frequentemente vem em nosso auxílio, mesmo que nós não sejamos dignos dele. Se ele nos procura, enquanto lhe oramos por amor à verdade, ele nos inunda e nos ajuda a nos desprendermos de todos os raciocínios e pensamentos que nos mantêm presos a nós mesmos, conduzindo-nos assim à oração espiritual” (EVÁGRIO. SobreOra 62).
“Vigia para que durante tua oração não te prendas a nenhuma apresentação, mas permaneças em profundo silêncio. Somente assim é que Deus, compadecido dos ignorantes, haverá de visitar um homem insignificante com tu e presentear-te com o maior de todos os dons que é a tua oração” (EVÁGRIO. SobreOra 69).
Segundo Evágrio, é por meio da contemplação que alcançamos o estado da mais profunda paz. Descobrimos em nós um espaço do puro calar. E é aí que Deus mesmo habita em nós. Evágrio chama a este espaço – que é o espaço de silêncio em nós – de “lugar de Deus” ou “visão de paz”. Numa carta a um amigo escreve ele: “Se o intelecto, por meio da graça de Deus, foge destas coisas (isto é, das paixões) e se desprende do seu homem velho, então sua própria situação durante o tempo da oração lhe parece uma safira ou da cor do céu. É o que a Escritura chama de lugar de Deus e que os antigos viram no monte Sinai. A Escritura também chama este lugar de visão de paz, onde a pessoa contempla em si mesma aquela paz que é mais sublime que toda compreensão e que guarda e protege nosso coração. Pois num coração puro é forjado um outro céu, cuja visão é luz e cujo lugar é espiritual, e em que, de maneira maravilhosa, pode ser avistado o conhecimento dos entes – isto é, das coisas. Pois também os santos anjos se reúnem perto daqueles que lhes são dignos” (EVÁGRIO. CartDes 39).
É por meio da oração que o homem vê sua própria luz. E é por esta luz que ele descobre a sua própria natureza, que é toda reluzente e tem parte na luz de Deus. Neste lugar de Deus, no lugar da paz no interior da alma, tudo é silêncio e aí só Deus habita. Aí tudo é curado. É também aí que, no amor de Deus, todas as feridas que a vida possa nos ter infligido são cicatrizadas. Aí desaparecem todos os pensamentos em relação às pessoas que nos feriram. Nossas paixões não têm aí nenhum acesso; aí também os homens não podem nos atingir-nos com suas expectativas, opiniões e preconceitos. Pois é aí que nos unimos a Deus, mergulhamos em sua luz, em sua paz, em seu amor. Esta é a meta do caminho espiritual. (GRÜN. Alselm, pág. 118).

[...].

“A oração verdadeira torna o monge semelhante aos anjos, uma vez que ele anseia insistentemente por ver seu Pai que está no céu” (EVÁGRIO. SobreOra 113). “Bem-aventurada é aquela alma que, rezando sem dispersão, deseja e anseia sempre mais profundamente a Deus” (EVÁGRIO. SobreOra 118). Desejas rezar verdadeiramente? Então mantém-te afastado das coisas deste mundo. Seja tua pátria o céu. Já não deves viver somente com palavras, mas através de ações angelicais e com conhecimento sempre mais profundo de Deus” (EVÁGRIO. SobreOra 142). Se queres rezar de maneira perfeita, deixa de lado tudo o que tem a ver com a carne, de modo que, enquanto estiveres rezando, tua visão não se turve” (EVÁGRIO. SobreOra 128). E ainda: “Se te entregares à oração, deves deixar para trás tudo quanto de causa alegria, pois somente então alcançarás a oração pura” (EVÁGRIO. SobreOra 153).

[...].

No último capítulo: A mansidão como sinal do homem espiritual, nos diz que, “a finalidade do caminho espiritual não está em ser penitente ou asceta, através do jejum perseverante, no homem consequente, mas naquele que se dispõe a viver a mansidão”. Evágrio sempre de novo exalta a mansidão como o sinal do homem espiritual. Ele nos convida a tornar-nos mansos como Moisés, do qual diz a Escritura: “Ele era o mais manso de todos os homens” (Nm 12,3).
“Peço-vos eu: ninguém ponha sua confiança somente na abstinência! Pois não é possível construir uma casa com uma única pedra, nem é possível completar uma construção com um só tijolo. Um asceta encolerizado é semelhante a um bosque ressequido e sem frutas em tempo de outono, sendo por isso duplamente atrofiado e desenraizado. Um homem encolerizado não verá o despontar da estrela matutina, mas irá até um lugar de onde não poderá mais voltar, uma terra tenebrosa e sombria onde não brilha nenhuma luz e onde não é possível avistar nenhuma vida humana. A abstinência reprime somente o corpo, mas a mansidão transforma o intelecto em vidente!” (EVÁGRIO. CartDes 27).
Evágrio fala continuamente que a ascese sozinha não é suficiente para o caminho espiritual. A mansidão é tão decisiva que só ela é capaz de transformar o coração do homem, tornando-o aberto para Deus. (GRÜN. Alselm, pág. 121). [...]. Na carta 56, Evágrio nos apresenta ainda uma outra comparação: “Aquele que se abstém de comida e bebida, mas em cujo interior se agita a cólera não corrigida, é semelhante a um navio que se encontra no meio do mar e é governado pelo demônio da cólera”.
Evágrio também vê concretizada em Davi e Jesus a mansidão que nós devemos seguir: “Dize-me: por que a Escritura, quando quis exaltar Moisés, deixou de lado todos os sinais milagrosos e pensou unicamente na mansidão? [...] Ela exalta unicamente isso: que Moisés era o mais manso de todos os homens. [...] Foi também por ela que suplicou Davi quando pensou na virtude da mansidão para se tornar digno dela ao falar: ‘Senhor, lembra-te de Davi e de toda a sua mansidão!’ Ele nem mesmo chegou a perceber que seus joelhos haviam se enfraquecido por causa do jejum e que sua carne (por falta de óleo) esmorecera, e que se mantivera vigilante e se tornara como um pardal que voa de um lado para outro no telhado, e falou: ‘Ó Senhor, lembra-te de Davi e de toda a sua mansidão!’ Procuremos também nós merecer a mansidão daquele que disse: ‘Aprendei de mim, pois sou manso e humilde de coração’, para que ele nos ensine seus caminhos e nos reanime no reino dos céus” (EVÁGRIO. CartDes 56).
A mansidão é, para Evágrio, a fonte do conhecimento de Cristo. Sem mansidão podemos ler quanto quisermos a Bíblia e exercitar-nos na mais rigorosa das asceses, mas nunca entenderemos o mistério de Cristo. Evágrio escreve o seguinte a um de seus discípulos: “Acima de tudo, porém, não esqueças a mansidão e a prudência, pois elas purificam a alma e nos indicam o conhecimento de Cristo”. (EVÁGRIO. CartDes 34).
O conhecimento de Cristo é uma outra expressão para a contemplação. Sem mansidão não existe nenhuma contemplação verdadeira. Evágrio escreve a Rufino nestes termos: “Com efeito, estou convencido de que tua mansidão tornou-se para ti um motivo de grande conhecimento. Pois nenhuma virtude sozinha produz a mansidão, razão pela qual também Moisés foi louvado para ter sido ele o mais manso de todos os homens. E também eu rezo, a fim de tornar-me e poder ser chamado discípulo da mansidão” (EVÁGRIO. CartDes 36).
A mansidão é, portanto, um sinal de que nós compreendemos a Cristo e de que o estamos seguindo. [...]. Um homem manso torna-se um homem que atrai e interessa a muitas outras pessoas. Ele já não precisa persuadir os hereges para a fé a partir de sua ortodoxia; ele não tem necessidade de evangelizá-los. Sua mansidão é um testemunho suficiente de Cristo. Quem encontra sua mansidão, encontra a Cristo e haverá de reconhecê-lo através dela. A mansidão e a misericórdia são os critérios de uma espiritualidade autêntica. [...]. Somente quando os homens se tiverem tornado mansos e passarem a tratar seus semelhantes com misericórdia, somente então passarão a anunciar uma espiritualidade que seja ao modo de ser de Cristo. Por mais piedosas que se mostrem todas as demais formas de espiritualidade, ainda provêm do espírito do próprio medo e da repressão das paixões. É neste ponto que poderemos aprender dos primeiros monges a desenvolver uma espiritualidade que corresponda ao espírito de Cristo. (GRÜN. Alselm, pág. 123).



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1 Segundo o dicionário de psicologia Dorch, a psicossíntese é “um conceito formado para completar ou contrapor-se à psicanálise, para designar todas as medidas da psicoterapia. O encontro de si mesmo e possibilidades abertas de desenvolvimento se consideram mais importantes do que a última explicação causal”. Para um maior aprofundamento da psicossíntese de Roberto Assagioli (1888-1974), sugiro o artigo recentemente publicado: “Roberto Assagioli, ideatore della psicosintesi”. Antonianum, Ano 72, abr.-jun. de 1997, fasc. 2, p. 303-316.

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje (Parte 3)

O tratamento das nossas paixões
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São métodos de tratamento dispensado para os logismoi, (pensamentos e sentimentos instintivos), que prejudicam a todos os homens e mulheres, principalmente aos que aspiram viver uma vida espiritual íntegra para com Deus e os homens. [...] Para cada tipo de paixão, Evágrio aconselha um outro método. Os três instintos básicos – o comer, a sexualidade e a cobiça – são transformados por meio da ascese, do jejum e da esmola. A disciplina torna-se aqui um ótimo caminho para não se reprimir os instintos, mas formá-los para que possam estar à nossa disposição como forças em potencial. Superamos a tristeza quando nos afastamos da dependência do mundo, quando nos desprendemos daquilo a que estamos presos, quando nos libertamos interiormente. (GRÜN. Alselm, p. 83).
Sobre a ira, o que nos ajuda, antes de dormir, é refletir sobre ela e livrar-se dela, a fim de que ela não se fixe através do inconsciente no sonho, vindo a manifestar-se no dia seguinte como insatisfação difusa. Pois se nós, durante a noite, levarmos a ira conosco, perderemos o controle sobre nós mesmos e continuaremos sendo governados pela ira e pelo rancor a partir do inconsciente. É por isso que nos diz Evágrio: “Não deixes o sol se pôr sobre a cólera, senão os demônios virão durante teu descanso noturno, irão atormentar-te e, desse modo, haverão de tornar-te ainda mais covarde para a luta do dia seguinte. Pois as alucinações noturnas surgem comumente através da influência agitada da cólera. E não há nada que torne o homem mais apto a abandonar sua luta do que quando ele é incapaz de controlar suas emoções”. (EVÁGRIO. TratPrat 21).
Mas Evágrio nos adverte, sobretudo, contra os jogos de pensamentos com a cólera: “Não te entregues à cólera, querendo lutar em pensamentos com quem te aborreceu” (EVÁGRIO. TratPrat 23). Pois isto faz com que nossa alma se ofusque e nosso espírito fique opaco. Mas também devemos valer-nos de nossa cólera como uma força positiva, voltando-se contra os demônios, contra as tentações e contra os pensamentos que nos impedem de viver: “Devemos estar encolerizados quando encaramos os demônios e lutamos contra o divertimento” (EVÁGRIO. TratPrat 24).
Evágrio dá três conselhos em relação à acídia. O primeiro diz respeito à constância. Devemos decididamente permanecer em nossa cela e simplesmente suportar aquilo que acontece em nosso interior: “Aceita simplesmente o que a tentação te oferece. Antes de mais nada, encara esta tentação da acídia, pois ela é a maior de todas. Mas ela tem também como resultado uma maior purificação da alma. Fugir ou espantar-se diante de tais conflitos torna o espírito acanhado, covarde e medroso” (Evágrio. TratPrat 28).
O segundo conselho refere-se à oração: “Quando a acídia nos tenta é bom que, entre lágrimas, dividamos nossa alma em duas partes iguais: uma que anima e outra que é animada. Nós semeamos semente de uma esperança inabalável em nós quando cantamos com o rei Davi: Ó minha alma, por que estás aflita e tão inquieta dentro de mim? Espera em Deus, pois eu ainda haverei de agradecer-lhe, meu Deus e Salvador, a quem eu contemplo!” (Sl 42,6). (EVÁGRIO. TratPrat 27).
O método aqui recomendado por Evágrio é o método antirrético
1. Este método foi por ele desdobrado em seu livro intitulado Antirrheticon. Trata-se de um método que ajuda não só no caso da acídia, mas em toda e qualquer situação. Evágrio recolhe uma palavra da Bíblia contra cada pensamento que possa tornar-nos doentes e embaraçados diante da liberdade, do amor e da vida e a contrapõe a estas situações. Desse modo, uma pessoa que continuamente se repreende dos pecados de sua juventude e diz que com ela tudo está de cabeça para baixo, deve sempre de novo repetir a palavra de 2Cor 5,17 que diz: “Quem está em Cristo é uma nova criatura. O velho passou e um mundo novo se fez”. Esta palavra transforma pouco a pouco nossos sentimentos de tristeza e de autocompaixão. Ela nos põe em contato com a força positiva que está em nós, por meio do Espírito Santo que já está atuando em nós e que, como uma fonte, borbulha em nós, preparando-nos para que a partir disso possamos tomar novo ânimo. (GRÜN. Alselm, p. 86).
Contra a 
ambição Evágrio indica o remédio da recordação. Devemos recordar-nos de onde viemos, com quais paixões tivemos que lutar e como não foi mérito nosso que tenhamos vencido, mas, pelo contrário, foi Cristo quem nos amparou em nossas lutas. A recordação haverá de mostrar-nos que não temos garantia alguma de nossa vida ser bem-sucedida, mas que isso é antes fruto da graça divina. Evágrio diz que o demônio da soberba e da ambição sempre de novo haverá de aparecer em nós. E, principalmente, quando já tivermos feito consideráveis avanços dentro da ascese. O remédio mais eficaz é a contemplação. Quando nos tivermos unido a Deus através da contemplação, não terá mais valor o que as outras pensam a respeito de nós e não mais os definiremos a partir do reconhecimento e da aprovação, mas teremos encontrado nosso fundamento em Deus. (GRÜN. Alselm, págs. 86-87).

[...].

O diálogo com os pensamentos é conveniente, sobretudo no caso do 
medo. Também o medo tem seu significado e quer me dizer algo. Pois sem ele eu também não possuiria medida, querendo constantemente exigir demais de mim. Todavia, o medo geralmente me bloqueia. Mas se converso com ele, é possível que me revele para uma atitude falsa em relação à vida. Não raro o medo provém de um ideal de perfeição. Eu tenho medo de cometer uma gafe, de cometer uma falha. Eu não me atrevo a falar no grupo por medo, porque eu poderia vir a gaguejar ou porque os outros poderiam achar isso ruim. Também sinto medo de ler, uma vez que poderia vir a me atrapalhar. Nestes casos, o medo revela sempre expectativas exageradas. Em última análise, é a soberba que provoca o medo. Assim, a conversa com meu medo poderia conduzir-me à humildade, isto é, à humilitas. E eu poderia reconciliar-me com meus limites, com minhas fraquezas e falhas, dizendo, por exemplo: “Posso cometer gafes. Não tenho obrigação de poder tudo”. (GRÜN. Alselm, págs. 91-92).
Porém, existem também medos que não indicam falsas atitudes de vida, mas têm necessariamente uma ligação com o ser humano. É o caso do medo da solidão, do medo da perda e do medo em relação à morte. Em cada pessoa existe uma parcela considerável de medo diante da morte. Em algumas pessoas chega ao ponto de tornar-se ameaçador. Neste momento seria importante conversar com o medo nestes termos: “Sim, é certo que um dia morrerei”. O medo pode me ajudar a reconciliar-me com a morte e a me convencer de que sou realmente mortal. Quando examino o medo a fundo, quando o admito, é possível que em meio ao medo eu experimente também uma profunda paz. O medo se transforma em serenidade, liberdade e paz. (GRÜN. Alselm, p. 92).

[...].

Um outro método de abordar os nossos pensamentos e sentimentos, nossas paixões e necessidades, consiste em pensá-los até o fim, em imaginá-los até às últimas consequências e em permitir a representação das paixões. Desta maneira poderemos tirar-lhes a sua força. Força com que eles sempre de novo tendem a combater-nos. Talvez também acabemos por descobrir para onde as paixões realmente estão querendo nos conduzir. Não raro, por exemplo, as fantasias sexuais representam algo totalmente diverso: a ânsia de estar vivo, de abandonar-se, de entregar. Se eu continuamente lutar contra as fantasias sexuais e as reprimir, elas sempre retornarão. Todavia, se for capaz de pensar nelas até o fim e de senti-las, elas poderão transformar-se num impulso de vida, e até mesmo num impulso em direção a Deus. (GRÜN. Alselm, págs. 93-94).
Conta-se que pai Olímpio não fugiu da ideia de se casar e tudo pensou em seus mínimos detalhes. E mais: “Fez uma mulher de barro, olhou para ela e disse a si mesmo: ‘Vê, esta é tua esposa. De ora em diante precisarás trabalhar muito, a fim de sustenta-la’. E trabalhou muito. No dia seguinte, preparou novamente uma porção de barro e deu forma a uma filha, e disse para si mesmo: ‘Tua mulher deu à luz! Agora é necessário que trabalhes ainda mais para conseguires sustentar e vestir tua filha’. Fazia isto a ponto de extenuar-se e, então disse a si mesmo: ‘Não posso mais suportar o trabalho’. E disse ainda a si mesmo: ‘Se já não podes suportar o trabalho, então também não queiras uma esposa’. E, vendo Deus seu esforço, tirou-lhe a sua luta e ele alcançou tranquilidade” (Apot 572). [...]. Talvez nos pareça simplório o argumento de ele não desejar uma mulher apenas por causa do trabalho demasiado. O decisivo aqui, porém, é o seguinte: se, por um lado, Olímpio trata sem medo de sua necessidade de possuir uma mulher e não somente a representa na fantasia, mas chega mesmo a moldar uma mulher de barro e a encara realmente, por outro lado, no entanto, ele não fica parado na fantasia de querer dormir e viver com a mulher, mas também descreve para si as consequências. Apresenta o desejo em sua realidade, e, porque o desejo é pensado em sua realidade nua e crua, ele perde seu caráter ameaçador. É neste momento que pai Olímpio se torna capaz de encarar e tratar o desejo de modo sóbrio. (GRÜN. Alselm, págs. 94-95).

[...].

Pessoas insatisfeitas com sua profissão necessitam ocupar-se realmente, nem que seja uma única vez, com a profissão desejada e experimentá-la para então poderem retornar saudavelmente ao estado atual com novo vigor e contentamento. O mesmo vale também para um marido, que possa ter-se apaixonado por uma outra mulher. Geralmente ele só conseguirá desprender-se de seus sonhos românticos quando representar concretamente para si mesmo como seria viver com esta mulher, abandonar tudo o que fez até o presente e estar dia após dia ao lado dela. Quando coloca seus sonhos dentro da realidade e realmente os admite, também será capaz de desligar-se deles. (GRÜN. Alselm, p. 95).
Evágrio fundamenta o método antirrético tanto a partir da prática de Davi como também da atividade de Jesus. Segundo uma de suas cartas, o intelecto precisaria conhecer primeiramente as intrigas enganadoras dos demônios. Este é o pressuposto para o conhecimento de Cristo, para a contemplação. O caminho para lá chegar passa pela luta com os demônios: “Por isso ele – o intelecto – deve ser destemido diante de seu adversário, como mostra o bem-aventurado Davi, apresentando palavras tiradas da boca dos demônios e então contestando-as. Com efeito, se os demônios dizem: ‘Quando ele há de morrer e seu nome desaparecer?’, ele diz: ‘Eu não morrerei, mas haverei de viver e anunciarei as obras do Senhor’. E, novamente, se os demônios dizem: ‘Foge e permanece nas montanhas como o pardal’, ele diz: ‘Pois ele é meu Deus e meu Salvador, meu refúgio vigoroso e eu não vacilarei’. Portanto, observa as palavras que se contradizem umas às outras e ama a vitória, imita Davi e presta atenção em ti mesmo!” (EVÁGRIO. CartDes 11).
método de Davi consiste em dividir sua alma em duas partes: entre a triste e a que anima, entre a que é doente e a que é saudável. Estas duas esferas da alma devem dialogar uma com a outra. A parte doente se manifesta por meio de objeções negativas tais como: “Eu não posso fazer isso, ninguém gosta de mim, ninguém se preocupa comigo, comigo sai tudo errado”. Contra tais pensamentos deve-se procurar uma palavra na Escritura. Evágrio fez isso, para seus irmãos, em seu livro Antirrheticon: “Entretanto, visto que durante os momentos de luta nós não encontramos com suficiente rapidez as palavras que devem ser ditas contra nossos inimigos, que são os odiados demônios, e uma vez que tais palavras se encontram dispersas nas Escrituras e é difícil encontrá-las, nós, repletos de zelo, as recolhemos das Escrituras. Desse modo, armados com elas, perseguimos vigorosamente os filisteus, perseverando na luta como homens fortes e soldados de nosso vitorioso Rei Senhor Jesus Cristo” (EVÁGRIO. Anti, prólogo).
O modelo para esta luta é o próprio Cristo. Pois, quando tentado pelo diabo, pronunciou palavras da Escritura contra suas objeções mentirosas: “O próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, tendo abandonado tudo para nos salvar, concedeu-nos o poder de andar por sobre serpentes e escorpiões e sobre todo tipo de poder do maligno. E, juntamente como todo seu ensinamento, nos transmitiu o que ele mesmo fez quando foi tentado por Satanás, para que, no momento da luta, quando os demônios saem à luta contra nós lançando seus projéteis, possamos enfrenta-los com as Sagradas Escrituras, para que os pensamentos perversos não permaneçam em nós, não subjuguem a alma pelos pecados que realmente ocorrem, não a manchem nem a deixem afundar-se na morte dos pecados... Sempre que na alma não existe pensamento apropriado para se opor ao maligno sem descanso e rapidamente, o pecado acaba tendo a supremacia” (EVÁGRIO. Anti, prólogo).

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1 Fundamentado no estoicismo, este método consiste, segundo Evágrio Pôntico, em recolher uma palavra bíblica contra cada pensamento ou sentimento negativo que possa vir a tornar-nos doentios. Para realizar isso, contudo, pressupõe-se que se tome conhecimento dos próprios pensamentos, sentimentos e paixões, a fim de se poder encontrar a palavra curativa adequada. Uma das referências principais é a obra de Evágrio intitulada Antirrheticon, que reúne textos bíblicos para os oito vícios que o homem deve combater para afugentar os demônios.



No capítulo 8, intitulado: A formação da vida espiritual, o autor enfatiza a importância como eles os monges, estruturam concretamente seu dia e que exercícios praticam para ter uma penitência e comunhão com o Senhor Jesus Cristo. “Pai Poimen disse: Encontramos três exercícios corporais no patriarca Pambo: jejuar durante o dia todo até à noite, calar e muito trabalho manual” (Apot 724). Com estes exercícios Pambo chegou à sua maturidade espiritual. A perseverança consequente nestas três coisas fez com ele fosse transformado. De forma semelhante fica sabendo Antão, por meio de um anjo, como sua vida poderia ser bem-sucedida. Quando, tomado de mau humor, pergunta ao anjo pelo que deve fazer, avista alguém que se parece com ele: “Ele estava sentado e trabalhava. Levantou-se do trabalho e orou, sentou-se novamente e trançou uma corda e aí levantou-se outra vez para orar. Eis que era um anjo do Senhor, enviado a fim de dar instrução e certeza a Antão. Ele ouviu o anjo dizer-lhe: ‘Procede assim e alcançarás a salvação’. Ao ouvir isso, foi tomado de grande alegria e coragem. E através deste modo de proceder ele encontrou a salvação” (Apot 1). [...].
Ao patriarca João atribuiu-se um outro exercício: “Conta-se que, ao regressar para casa depois da colheita ou depois de visitar anciãos, o patriarca João dedicava-se à oração, à meditação e à salmodia, até que seu pensamento voltasse à ordem que tinha ao princípio” (Apot 350). João não permite que as emoções despertadas pelo diálogo com seus confrades tenham livre curso. Em primeiro lugar, ele reserva um tempo para a oração, para que as emoções possam vir a esclarecer-se. Quando carregamos não elaboradas emoções para casa e ainda por cima as sufocamos com atividade excessiva – de qualquer espécie –, elas se estabelecem no inconsciente, criando em nós, a partir desse momento, uma insatisfação difusa. [...]. E aquele que dá livre curso aos seus pensamentos e sentimentos, sem confrontar-se com eles, é por eles interiormente contagiado. E assim, sem que o perceba, é governado pelos impulsos inconscientes e perde sua liberdade. (GRÜN. Alselm, p. 102).
A respeito do patriarca João conta-se ainda algo semelhante: “Certa vez, tendo ido à igreja de Scete e ouvindo como alguns dos irmãos disputavam entre si, voltou para a sua cela. Antes de entrar nela, rodeou-a por três vezes. Alguns dos irmãos que o haviam observado, mas não podendo imaginar por que havia feito isso, vieram até ele e o interrogaram. E ele lhes disse: ‘Meus ouvidos estavam cheios das disputas; fiz estas voltas a fim de purificá-los para, desta maneira, pode entrar em minha cela com serenidade’” (Apot 340).
Ao Pai Antão se atribui a seguinte sentença: “O monge deve, enquanto possível, dizer com confiança ao patriarca quantos passos ele dá, ou quanta água bebe em sua cela, a fim de estar seguro de não estar pecando” (MILLER. SabPad 40). A configuração exterior da vida é muito importante para os monges. Nela eles reconhecem se alguém está sadio ou não, se alguém realmente procura a Deus ou se procura a si mesmo. A ordem exterior põe o monge interiormente em ordem. Ela purifica seu pensamento, seus sentimentos e cria espaço para tornar-se também limpo e transparente interiormente. (GRÜN. Alselm, p. 103).
A espiritualidade dos primeiros monges tem a força de formar e transformar a vida. Hoje em dia, corremos o risco de escrever unicamente sobre a espiritualidade. E, no entanto, ela não se manifesta na vida concreta e não tem força de marcar a vida. Certa noite, quando me encontrava numa casa paroquial, o padre durante o jantar não sabia fazer outra coisa a não ser assistir televisão. Pensei comigo: amanhã ele poderá pregar o que ele bem quiser. Se a vida não vai bem, a pregação também não irá bem e a espiritualidade acaba ficando sem valor. A espiritualidade dos monges produziu uma cultura de vida. Ela nos desafia ainda hoje a nos deixarmos penetrar espiritualmente por ela, a cultivar uma vida espiritual que se torna visível também exteriormente. (GRÜN. Alselm, págs. 103-104).
Para os monges, o caminho para uma cultura da vida espiritual era sempre um exercício concreto. Havia, em geral, três conselhos que um pai espiritual dava a um jovem monge quando este lhe perguntava a respeito da via do verdadeiro monaquismo. “Certa vez, um irmão, que vivia com outros irmãos, perguntou a pai Bessarião: ‘O que devo fazer?’ Respondeu-lhe o ancião: ‘Cala e não te meças com os outros’” (Apot 165). [...]. Antão recomenda ainda outro exercício: “Pai Pambo perguntou a Pai Antão: ‘O que devo fazer?’ Retrucou-lhe o ancião: ‘Não construas sobre a tua própria justiça, nem te lamentes de algum acontecimento passado, e exercita a moderação de tua língua e de teu ventre’” (Apot 6). 
[...]. 
Aqui, ao lado da abstinência da língua e do ventre, do calar e do jejum, temos a humildade, que também é descrita em muitas outras sentenças dos patriarcas como o caminho régio para Deus. A humildade é considerada pelos monges como “a virtude mais elevada, pois faz com que o ser humano possa erguer-se até de um abismo, mesmo que o pecador seja como um demônio” (N 558). O terceiro exercício consiste no interessante conselho de não arrepender-se de alguma coisa do passado. [...]. Somente quem se arrepende consegue alcançar o perdão. E isso está certamente correto. Às vezes, porém, pensamos demonstrar algum agrado a Deus, tornando-nos tão contritos a ponto de falar mal de nós mesmo e acusar-nos através do arrependimento. Neste particular, o patriarca Antão dá-nos um outro conselho: O que passou, passou! Isso vale para os acontecimentos passados, pois não devemos ficar meditando insistentemente sobre nosso passado. [...]. O que precisamos é prestar menos atenção em nós mesmos e em nossas falhas, e mais em Deus: “Pois Deus é maior do que nosso coração; e ele sabe tudo” (1Jo 3,20).

[...]

Assim pai Paulo de Gálata fala de si mesmo e do seu exercício diário: “Tenho sempre estas três coisas presente no espírito: calar, humildade de espírito e dizer para mim mesmo: Eu não tenho nenhuma preocupação” (EthColl 13,66). Aqui nos deparamos novamente com o calar, tão aconselhado pelos monges; deparamo-nos também com a humildade como atitude fundamental da pessoa religiosa. Um dos padres monásticos é até capaz de dizer: “Onde não há humildade, também não há Deus” (Arm II 279 A). A humildade é a condição prévia para poder experimentar a Deus. Sem a humildade, corremos não só o perigo de fazer cobranças a Deus como também de submetê-lo aos nossos pensamentos e vontades. (GRÜN. Alselm, págs. 105-106).
O terceiro exercício consiste na despreocupação. O padre monástico a exercita dizendo sempre de novo: “Eu não tenho preocupação”. Ele precisa dizer esta palavra com clareza para si mesmo, toda vez que em seu coração surgem pensamentos de preocupação. Pois não existe ser humano destituído de preocupação. Segundo o modo de pensar de Martin Heidegger, a preocupação constitui mesmo o existencial fundamental do ser humano. O ser humano é essencialmente alguém que se preocupa. Pois, enquanto sustento que “não tenho nenhuma preocupação”, é possível que o sentimento se transforme e cresça em mim a fé em Deus. Aqui, portanto, se indica um caminho para exercitar-se na fé em Deus. (GRÜN. Alselm, p. 106). [...]
Hoje em dia, muitos psicólogos recomendam que a pessoa se encoraje com palavras positivas e frase de confiança – algo como acontece no exercício de relaxamento. Tudo isto, porém, sempre o fizeram os monges de outrora. Para os primeiros monges, a vida espiritual também significava a arte de uma vida saudável. Não é por acaso que os monges alcançaram idades tão avançadas. Sua ascese não era uma ascese de negação da vida, mas, pelo contrário, uma ascese que fomentava e promovia a vida. A dietética, isto é, a arte uma vida saudável, tarefa mais importante da antiga medicina, também foi incorporada pelos monges em sua vida espiritual. Eles compreenderam que o caminho espiritual consiste na arte de uma vida saudável. E não há vida espiritual saudável sem que haja também um estilo de vida saudável. [...] e é a partir dela que puderam recomendar uma saudável alternância entre oração e trabalho, entre vigília e sono, entre refeição e jejum, entre solidão e convivência, como norma de vida saudável. Pois é através da ordem exterior que o homem entra em ordem também interiormente. (GRÜN. Alselm, págs. 106-107). [...].

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