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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

CONFISSÕES: SANTO AGOSTINHO

Na leitura do livro: 
Confissões de Agostinho, me chamaram a atenção os capítulos: 12 ao 15 do quarto livro, que gostaria de compartilhar para os que se interessam pelo tema, decorrente do drama humano vivido por Santo Agostinho. Em síntese, os capítulos tratam sobre a distorção do que as pessoas consideram 'belo e atraente', e do que é belo de fato, pois a beleza das coisas somente tem significado, quando Deus está presente nas suas criaturas. Outro ponto a ser colocado é que Deus fez todas as coisas perfeitas, inclusive a alma do homem, que por decisão própria, a corrompe seguindo às paixões carnais da luxúria e devassidão; é por estes motivos e outros similares, que muitas pessoas são levadas para caminhos que levarão à morte. Agostinho nos diz, que para livrar-se de tal mal, teria que se deixar humilhar por Deus, pois somente assim encontraria paz e alegria genuínos, numa vida de comunhão com Deus que lhe traria sentido; ao invés de deixar-se “amar” e influenciar por homens e mulheres de fama e prestígio.

CAPÍTULO XII - O amor em Deus

Se te agradam os corpos, louva a Deus neles, e dirige teu amor para teu artífice, para não o desagradar nas mesmas coisas que te agradam. Se te agradam as almas, ama-as em Deus, porque, embora mutáveis, se fixas nele, terão estabilidade; de outro modo, passariam e pereceriam. Ama-as, pois, nele, e arrasta contigo até ele quantas almas puderes, dizendo-lhes: “Amemo-lo”. Porque ele criou estas coisas, e não está longe; ele não as fez para depois ir embora, mas dele procedem e nele estão. E ele está onde aprecia a verdade: no mais íntimo do coração; mas o coração errante se afastou dele.
Voltai, pecadores, ao coração, e ligai-vos àquele que é vosso criador. Firmai-vos nele, e estareis firmes; descansai nele, e estareis descansados. Para onde ides por esses ásperos caminhos? Para onde ides? O bem que amais, dele procede, mas só é bom e suave quando se dirige a ele; porém, será justamente amargo se, abandonando a Deus, amardes injustamente o que dele procede. Por que continuai por caminhos difíceis e trabalhosos? O descanso não está onde o buscais. Buscais a vida feliz na região das trevas: não está lá. Como achar a vida bem-aventurada onde nem sequer há vida?
Ele, nossa vida real veio até nós; sofreu nossa morte, e a suplantou com a abundância de sua vida; com voz de trovão clamou para que voltássemos a ele, para o lugar escondido de onde veio até nós, passando primeiro pelo seio de uma virgem, onde se desposou com ele a natureza humana, carne mortal, para não ficar sempre mortal.
Dali, como o esposo que sai do tálamo, deu saltos como um gigante, para correr seu caminho. E não se deteve; correu clamando com suas palavras, com suas obras, com sua própria morte, com sua vida, com sua descida aos ínferos e com sua ascensão, clamando para que voltássemos a ele. Se ele se afastou de nossa vista, foi para que entremos em nosso coração, e ali o encontremos; se partiu, ainda está conosco. Não quis ficar por muito tempo entre nós, mas não nos abandonou. Retirou-se de onde nunca se afastou, pois o mundo foi criado por ele, e no mundo estava, e ao mundo veio para salvar os pecadores. E a ele se confessa minha alma, a ele que a cura e contra quem pecou. Filhos dos homens, até quando sereis duros de coração? Será possível que, depois de ter a vida descido até vós, não queirais subir e viver? Mas para onde subis, quando vos ergueis e abris vossa boca no céu? Descei para subir, para subir até Deus, já que caístes levantando-vos contra Deus. Dize-lhes isto, minha alma, para que chorem neste vale de lágrimas, e assim os arrebates contigo para Deus, pois, ao dizer estas palavras ardendo em chamas de caridade, é o espírito divino que te inspira.

CAPÍTULO XIII - O problema do belo

Então eu ignorava tais coisas – e por isso amava belezas terrenas. Caminhava para o abismo, dizendo a meus amigos: “Será que amamos algo que não é belo? E que é o belo? E que é a beleza? Que é que nos atrai e apega às coisas que amamos? Pois, com certeza, se nelas não houvesse certa graça e formosura, não nos atrairiam.
E eu observava e via que num mesmo corpo uma coisa era o todo, harmonioso e belo, e outra o que lhe era conveniente, sal aptidão de se ajustar de maneira perfeita a alguma coisa como, por exemplo, a parte do corpo em relação ao conjunto, o calçado em relação ao pé, e outras similares. Esta consideração brotou em minha alma do íntimo de meu coração, e escrevi alguns livros sobre o belo e o conveniente, creio que dois ou três – tu o sabes, Senhor – pois já me esqueci, e não os tenho mais porque se me extraviaram não sei como.

CAPÍTULO XIV - Razões de uma dedicatória

Mas, meu Senhor e meu Deus, qual o motivo de dedicar esses livros a Hiério, orador de Roma? Não o conhecia, apreciando-o apenas pela fama de sua doutrina, que era grande, e por alguns ditos seus, que ouvira, e que me agradaram. Mas dele gostava principalmente porque ele agradava aos outros, que lhe tributavam grandes elogios, admirados de que um sírio, educado na eloquência grega, chegasse a orador admirável na latina, e grande conhecedor de todos os assuntos, ligados à filosofia. Assim, ouve-se louvar a um homem, e, embora ausente, começasse a amá-lo. Entrará o amor no coração do que ouve pela boca do que louva? É certo que não, mas o amor de um se inflama com amor do outro.  
Por isso se ama ao que é louvado; mas só quando se está persuadido de que o louvor vem de coração sincero, ou quando o louvor é inspirado pelo amor.
Assim pois amava eu então aos homens, pelo juízo dos homens, e não pelo teu, meu Deus, em quem ninguém se engana. Contudo, por que não o louvava como se louva a uma auriga famoso ou a um caçador afamado pelas aclamações do povo, mas de modo mais distinto e mais ponderado, tal como eu gostaria de ser louvado?
Certamente, eu não gostaria de ser louvado e amado como os comediantes, embora eu também os ame e louve; antes, preferiria mil vezes, permanecer desconhecido a ser louvado dessa maneira, e mesmo ser odiado a ser amado assim. De que modo convivem em uma alma gostos tão vários e diversos? Como é que amo em outro o que rejeitaria e afastaria para longe de mim, sendo ambos homens? Aprecia-se um bom cavalo, sem que se queira ser um cavalo, se isso fosse possível. Mas de um histrião não se pode dizer o mesmo, pois tem a mesma natureza que nós. Logo, amo em um homem o que teria horror de ser, embora também eu seja homem?
Grande abismo é o homem, cujos cabelos tu, Senhor, tens contados; e não se perde um sem que tu o saibas; e, contudo, mais fáceis de contar são seus cabelos que suas paixões e os movimentos de seu coração. Mas aquele orador era do número dos que eu amava a ponto de desejar ser como ele; mas eu andava errante por meu orgulho e era arrastado por toda espécie de vento, embora em segredo fosse governado por ti. E como sei, e como te confesso com tanta certeza que o amava mais por amor dos que o louvavam do que pelos méritos que lhe valiam esses louvores?
Se em vez de o louvarem aquelas mesmas pessoas o criticassem, e se me contassem dele as mesmas coisas, mas com censura e desprezo, certamente não me entusiasmaria por ele; não obstante, os fatos não seriam diferentes e nem o homem outro, mas unicamente os sentimentos dos narradores. Eis onde jaz enferma a alma que ainda não se apoiou na firmeza da verdade. É levada e trazida, atirada e rechaçada, segundo os sopros das línguas que ventam dos peitos dos que opinam! E de tal modo a luz lhe é toldada, que não distingue a verdade, apesar de estar ela à nossa vista.
Para mim era importante que aquele homem conhecesse minhas palavras e meus trabalhos. Se ele os aprovasse, me entusiasmaria ainda mais por ele; mas se os reprovasse, meu coração fútil e vazio de tua firmeza, se lastimaria. Contudo, meu prazer era pensar e refletir no problema do belo e do conveniente, assunto do livro que lhe dedicara, admirando-o na minha imaginação, mesmo que ninguém mais o louvasse.

CAPÍTULO XV - Os primeiros livros

Mas não atinava com a chave de tuas artes em tão grandes obras, ó Deus onipotente, único criador de maravilhas. Vagava minha alma pelas formas corpóreas, e definia o belo como o que agrada por si mesmo, e o conveniente como o que agrada por sua acomodação a outra coisa, e apoiava essa distinção com exemplos tomados dos corpos.
Daqui passei à natureza da alma, mas o falso conceito que tinha das coisas espirituais não me permitia perceber a verdade. A própria força da verdade saltava-me aos olhos, mas logo eu afastava da realidade incorpórea meu espírito inquiridor, voltando-me para as figuras, as cores e as grandezas materiais. E como não podia ver nada semelhantes na alma, julgava que tampouco seria possível ver minha alma.
Mas, como eu amava a paz da virtude, e aborrecia a discórdia do vício, notava naquela certa unidade e nesta certa desunião; parecia-me que residisse nessa unidade a alma racional, a essência da verdade e do sumo bem. Na desunião, via eu não sei que substância de vida irracional e a natureza do sumo mal, que não era apenas substância, mas também verdadeira vida. Todavia não procedia de ti, meu Deus, de quem procedem todas as coisas. E chamava àquela unidade mônada, como alma sem sexo, e a esta multiplicidade díada, como a ira nos crimes, a concupiscência nas paixões, sem saber o que dizia. Ignorava então, ainda não havia aprendido que o mal não é substância alguma, nem que nosso espírito não é o bem soberano e imutável.
Assim como se cometem crimes quando o movimento do espírito é vicioso e se atira insolente e turbulento, e se cometem infâmias quando o afeto da alma, fonte dos prazeres carnais, é imoderado, assim os erros e falsas opiniões contaminam a vida se a alma racional está viciada, como estava a minha então. Ignorava que ela deveria ser ilustrada por outra luz para participar da verdade, por não ser da mesma essência da verdade, porque tu, Senhor, alumiarás minha lâmpada; tu, meu Deus, iluminarás minhas trevas, e todos participamos de tua plenitude, porque és a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo, e porque em ti não há mudança nem a momentânea obscuridade. Eu me esforçava para me aproximar de ti, mas tu me repelias para que experimentasse a morte, pois resistes aos soberbos. E que maior soberba haveria que afirmar, com inaudita loucura, que eu era da mesma natureza que tu? Porque, sendo eu mutável, e reconhecendo-me tal – pois, se queria ser sábio, era para fazer-me de menos para mais perfeito – preferia, contudo, julgar mutável a ti do que não ser o que tu és. Eis aqui por que era repelido, e por que resistias à minha soberba cheia de vento.
Eu não imaginava mais que formas corpóreas; carne, acusava a carne; espírito errante, não conseguia voltar para ti, nem em mim, nem nos corpos; não eram sugeridas por tua verdade, mas imaginadas por minha vaidade, de acordo com os corpos. E dizia aos pequeninos teus fiéis concidadãos, dos quais eu, ignaro, ainda exilado, dizia-lhes eu, tagarela inepto: “Por que a alma, criatura de Deus, se engana?” Mas não queria que dissessem: “E por que Deus se engana?” E defendia antes que tua substância imutável era obrigada a errar, para não confessar que a minha, mutável, se desencaminhara espontaneamente, ou que era castigada pelo erro.
Teria eu vinte e seis ou vinte e sete anos quando escrevi essas coisas, revolvendo dentro de mim apenas imagens corporais, cujo ruído aturdia os ouvidos do meu coração. Buscava eu aplicá-los – ó doce verdade – à tua melodia interior, quando meditava sobre o belo e o conveniente. Meu desejo era estar diante de ti, e ouvir tua voz, e alegrar-me intensamente com a voz do esposo, mas não o podia, porque o alarido do meu erro me arrebatava para fora e, sob o peso de minha soberba, caía no abismo. Pois ainda não davas gozo e alegria a meus ouvidos, nem exultavam meus ossos, porque ainda não haviam sido humilhados.


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