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sábado, 16 de setembro de 2017

Segunda parte: Céu e inferno. Os Paraísos, inclusive a Nova Jerusalém, são adornados de pedrarias que refulgem [...]. (pág. 99 – 102).

As portas da percepção: Céu e inferno; Nova Jerusalém
A maior parte dos paraísos é adornada de edifícios, e estes, tal qual as árvores, as águas, os montes e as campinas, refulgem de pedrarias. Todos conhecemos a Nova Jerusalém: “E sua muralha fora erigida em jaspe, e a cidade de ouro puro e vidro cristalino. E os alicerces da muralha da cidade eram inteiramente ornados de pedras preciosas”.
Descrições semelhantes podem ser encontradas na literatura doutrinária do bramanismo, do budismo e do islamismo. O céu é sempre uma região de pedras preciosas. Qual a razão para isso? Os que raciocinam baseados em todas as atividades humanas, dentro de um quadro de referência social e econômica, hão de encontrar respostas deste gênero: as gemas são raríssimas na Terra. Poucos as possuem. A fim de encontrar uma compensação para isso, os doutrinadores dessa maioria assolada pela pobreza recobriram seus paraísos imaginários de pedras preciosas. Essa hipótese do “tesouro no Céu” contém, sem dúvida, alguma verdade; mas não consegue explicar por que as pedras preciosas chegaram a ser consideradas como tal em nosso mundo.
O homem tem consumido tempo, energias e dinheiro, em enorme escala, para encontrar, explorar e lapidar essas pedras brilhantes. Por quê? O utilitário não consegue oferecer explicação para um tão fantástico comportamento. Mas, tão logo se levam em conta os fatos da experiência visionária, tudo se aclara. Nas visões, o homem encontra uma profusão de “pedras de fogo” e Weir Mitchell descreve como “frutos transparentes”. Essas coisas têm luz própria, exibem um colorido preternatural e possuem um valor também extraterreno. Os objetos materiais que mais se assemelham a essas fontes de iluminação das visões são as pedras preciosas. Adquirir uma dessas pedras é possuir algo cuja preciosidade está assegurada pelo fato de elas existirem no Outro Mundo.
Daí essa paixão, de outro modo inexplicável, que o homem possui pelas gemas; e essa atribuição que ele faz de virtudes terapêuticas e mágicas a tais pedras. A cadeia causal – disso começa no Outro Mundo psicológico da experiência visionária, desce à terra e remonta novamente ao Céu do Outro Mundo teológico. Sob esse aspecto, as palavras de Sócrates, no Fédon, assumem um valor novo. Existe, diz-nos ele, um mundo ideal, acima e além do mundo material. “Nessa outra terra as cores são muito mais puras e esplendorosas do que cá embaixo [...] As próprias montanhas, as pedras mesmas, possuem maior brilho e matizes mais belos, por sua nitidez e intensidade. As pedras preciosas deste mundo inferior – nossas apreciadíssimas cornalinas, nossos jaspes, esmeraldas, e todas as demais, não passam de minúsculos fragmentos dessas pedras das alturas. Na outra terra, não há pedra que não seja preciosa nem exceda em beleza quaisquer de nossas gemas”. (págs. 100 – 101).
Em outras palavras: as pedras preciosas o são porque guardam uma débil semelhança com as luminosas maravilhas entrevistas pela percepção interior do visionário. “O panorama desse mundo”, diz Platão, “é uma visão para espectadores bem-aventurados”; pois ver as coisas “tais como elas são em si mesmas” é uma benção suprema e inexprimível.
Entre os povos que desconhecem o vidro ou as pedras preciosas, o céu é adornado, não com minerais, mas com flores. Na maioria dos Outros Mundos, descritos pelos escatologistas primitivos, crescem flores de um esplendor preternatural; e mesmo nos paraísos das religiões mais avançadas, refulgentes de pedrarias e de vidro, elas conservam seu lugar. Basta que nos lembremos do lótus das tradições brâmane e budista, das rosas e lírios do Ocidente.
“Deus primeiro plantou um jardim.” Essa afirmação encerra uma profunda verdade psicológica. A floricultura tem sua origem – ou, seja como for, uma de suas origens – no Outro Mundo dos antípodas da mente. Quando os fiéis oferecem flores diante do altar, estão devolvendo aos deuses coisas que eles sabem ou (caso não sejam visionários) sentem, vagamente, serem originárias do Céu.
E essa devolução a sua origem não é mero simbolismo; é também uma questão de experiência imediata, pois o tráfego entre nosso Velho Mundo e seus antípodas, entre o Aqui e o Além, faz-se ao longo de uma estrada de dupla circulação. As gemas, por exemplo, vêm do céu visionário da alma, mas também podem transportar a alma de volta a esse céu. Contemplando-as, os homens se sentem literalmente transportados, levados para essa Outra Terra do diálogo platônico, ao recanto encantado onde cada seixo é uma pedra preciosa. E efeitos semelhantes podem ser produzidos por artefatos de vidro ou metal, candeeiros luzindo na escuridão, imagens e adornos de cores brilhantes, flores, conchas e penas ou panoramas vistos à luz transfiguradora da aurora ou do crepúsculo, como Shelley viu Veneza, do alto dos montes Eugâneos. (págs. 101 – 102).
Na verdade, podemos nos arriscar a uma generalização e dizer que tudo que, na natureza ou numa obra de arte, lembra esses objetos imensamente valiosos, dotados de luz interior, encontrados nos antípodas da mente, é capaz de induzir, ainda que de forma apenas parcial e atenuada, a experiência visionária. Quanto a isto, um hipnotizador nos dirá que, se um paciente puder ser induzido a fitar fixa e atentamente um objeto brilhante, poderá entrar em transe. E que, quer ele entre em transe ou apenas mergulhe em sono hipnótico, estará perfeitamente apto a ter visões interiores e, no primeiro caso, a ver o mundo exterior transfigurado.
Mas, finalmente, como e por que a vista de um objeto brilhante haverá de induzir um transe ou um estado de devaneio? Será isso, como afirmavam os vitorianos, simples questão de fadiga ocular de que venha a resultar uma exaustão nervosa generalizada? Ou será mais razoável explicar o fenômeno em termos puramente psicológicos, dizendo que a concentração, conduzindo ao monoideísmo, acaba por produzir a dissociação?
Há, porém, ainda uma terceira hipótese: os objetos brilhantes podem recordar a nosso inconsciente as visões que ele desfruta nos antípodas da mente, e essas obscuras insinuações da vida no Outro Mundo são tão fascinantes que passamos a dar menos atenção a este mundo e, assim, nos tornamos capazes de experimentar, conscientemente, algo que, no inconsciente, jamais nos abandona.


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