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sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Primeira parte: AS PORTAS DA PERCEPÇÃO.

As portas da percepção

A RELAÇÃO ENTRE O CRISTIANISMO (IGREJA AMERICANA NATIVA) COM O PEIOTE (Págs. 70-73).

O impulso para superar a personalidade autoconsciente é, como já disse, um anseio capital da alma. Quando, seja por que razão, os seres humanos veem baldados os seus esforços para superarem a si mesmos pelo culto, pelas boas ações e pela atividade intelectual, tornam-se propensos a recorrer às drogas substitutas da religião – o álcool e as “pílulas inocentes” no moderno Ocidente, o álcool e o ópio no Oriente, o haxixe no mundo maometano, o álcool e a maconha na América Central, o álcool e a coca nos Andes, o álcool e os barbitúricos nas regiões mais adiantadas da América do Sul. Em Poisons sacrés, evresses divines [Venenos sagrados, êxtases divinos], Philippe de Félice escreveu exaustivamente, e com riqueza de documentação, sobre os laços imemoriais que ligam a religião à ingestão de drogas. A seguir, ora resumindo, ora transcrevendo, apresento suas conclusões: 
O emprego, para fins religiosos, de substâncias tóxicas, é “extraordinariamente difundido [...] As práticas estudadas neste volume podem ser observadas em qualquer região da terra, tanto entre povos primitivos como no seio daqueles que já atingiram um elevado índice de civilização. Não estamos, pois, lidando com fatos excepcionais que poderiam ser, com razão, postos à margem; mas com um fenômeno geral e, dentro da mais ampla acepção da palavra, humano; com um tipo de fenômeno que não pode ser desprezado por quem quer que busque descobrir que é a religião e quais as necessidades profundas a que ela tem de satisfazer”.
Teoricamente, cada um de nós deveria ser capaz de encontrar a autotranscendência a partir de uma forma de religião pura ou aplicada. Mas, na prática, parece ser sumamente improvável que esse anseio pelo apogeu seja algum dia realizável. Há (e é fora de dúvida que sempre houve) homens e mulheres virtuosos e pios, para quem, infelizmente, apenas a piedade não basta. O falecido G. K. Chesterton, que escrevia com lirismo idêntico tanto sobre a bebida quanto sobre a fé, pode servir de eloquente exemplo desse grupo.
As igrejas modernas, excluídas umas poucas seitas protestantes, toleram o álcool; no entanto, mesmo as mais tolerantes jamais procuram converter a bebida ao Cristianismo – isto é, sacramentar seu uso. O pio alcoólatra vê-se forçado a manter, em compartimentos estanques, sua religião e seu substituto para ela. E talvez isso seja inevitável. A bebida não pode ser incluída na liturgia, a não ser nas religiões que não dêem valor ao decoro. O culto de Baco ou da divindade celta da cerveja eram festins ruidosos e dissolutos. Os ritos Cristãos são incompatíveis com a embriaguez, ainda que de cunho religioso. Isso não prejudica os fabricantes de bebidas, mas é muito mau para o Cristianismo. Um sem-número de pessoas deseja experimentar a autotranscendência, e gostaria de encontra-la no tempo. Mas “as ovelhas famintas voltam-se para o céu e não são atendidas”. Tomam parte nos ritos, escutam os sermões, repetem orações; mas sua sede não se aplaca. Desapontadas, voltam-se para a garrafa. Ao menos por certo tempo, e de certa forma, encontram o que querem. A igreja pode continuar a ser frequentada; mas já não será mais do que o Banco Musical do Erewhon* de Butler. (*Erewhon, anagrama de nowhere (“lugar algum”), é o título abreviado de uma novela fantástica de Samuel Butler, escrita em 1872, que descreve um país cujo povo vira-se obrigado a destruir todas as máquinas para não ser por elas destruído). Deus pode continuar a ser reconhecido como tal, mas Ele só será concedia divindade no campo verbalístico, apenas em sentido estritamente figurado. O verdadeiro objeto de culto é a garrafa, e a única experiência religiosa é aquele estado de desregramento e belicosa euforia que se segue à ingestão do terceiro aperitivo.
Vemos, pois, que o Cristianismo e o álcool não se misturam nem poderiam fazê-lo. Já não há tanta incompatibilidade com relação à mescalina. Isso tem sido demonstrado por várias tribos de índios, desde o Texas até o Estado de Wisconsin. Entre essas tribos, encontram-se algumas tribos filiadas à Igreja Americana Nativa, seita cujo principal rito é uma espécie de Ágape Cristão Primitivo ou Festa do Amor, em que fatias de peiote substituem o pão e o vinho do sacramento. Esses índios americanos encaram o cacto como preciosa dádiva de Deus aos índios e consideram seus efeitos manifestação do divino Espírito.
O professor J. S. Slotkin – um dos pouquíssimos homens brancos que, até hoje, participaram dos ritos de uma congregação peiotista – relata, falando de seus companheiros de ritual, que eles “em absoluto ficam narcotizados ou embriagados [...] Jamais perdem o ritmo ou balbuciam, como aconteceria com indivíduos inebriados pelo álcool ou por estupefacientes [...] São todos calmos, corteses e respeitam-se uns aos outros. Jamais estive em qualquer templo de homens brancos onde pudesse encontrar tanto respeito e religiosidade”. Poderíamos perguntar: “Que estariam esses devotos e bem-comportados peiotistas sentindo?”. Claro que não há de ser o brando sentimento de virtude que embala o comum dos frequentadores do ofício dominical, durante noventa minutos de solidão. Nem mesmo esses fervorosos sentimentos, inspirados pelo Criador, no Redentor, no Juiz e no Espírito Santo, que animam os piedosos. Para esses membros da Igreja Americana Nativa, a experiência religiosa é algo de mais direto e esclarecedor, de mais espontâneo, e tem muito menos de produto imperfeito da mente superficial e restrita. Por vezes (ainda segundo as observações colhidas pelo dr. Slotkin) têm visões que podem ser até do Próprio Cristo. De outras, escutam a voz do Grande Espírito. Ainda em outras se apercebem da presença de Deus, bem como de suas falhas pessoais, as quais terão de ser corrigidas para que possa ser cumprida Sua Vontade. As consequências práticas dessa abertura química das Portas para o Outro Mundo parecem ser excelentes. O dr. Slotkin testemunha que os peiotistas habituais são, em geral, mais diligentes, mais temperantes (muitos são completamente abstêmios) e mais pacíficos que os não-peiotistas. Uma árvore que apresente frutos tão bons não pode ser condenada como maléfica. Ao sacramentar o uso do peiote, os índios da Igreja Americana Nativa fizeram algo que é, a um só tempo, psicologicamente correto e historicamente respeitável. Nos primeiros séculos do Cristianismo, muitos ritos e festas pagãos foram, por assim dizer batizados e postos ao serviço da Igreja. Essas festas não tinham nada de edificantes, mas aliviavam uma certa fome psicológica; e, em vez de tentar suprimi-las, os primeiros missionários tiveram o bom senso de aceitá-los pelo que de útil possuíam – e incorporá-las ao código da nova religião. [...].

Primeira parte: AS PORTAS DA PERCEPÇÃO.

As portas da percepção

No limiar do pânico e da lucidez (Págs. 59-60).

“[...] Diante de uma cadeira que parecia um Juízo Final – ou, para ser mais preciso, ante um Juízo Final que, depois de longo tempo e com considerável dificuldade, pude reconhecer como sendo uma cadeira -, eu me senti, de uma hora para outra, no limiar do pânico. Aquilo, percebi repentinamente, estava indo muito longe. Longe demais, muito embora marchasse para uma beleza sempre maior, para um sentido cada vez mais profundo. O temor, analisando-o retrospectivamente, foi o de me ver esmagado, desintegrado sob uma pressão de realidade muito superior à que uma mente, acostumada a viver a maior parte do tempo em um confortável mundo de símbolos, talvez pudesse suportar. Na literatura da experiência religiosa, abundam referências aos sofrimentos e terrores que esmagam os que se defrontam, com demasiada rapidez, face a face com qualquer manifestação do Mysterium Tremendum. Em uma linguagem teológica, esse temor é função da incompatibilidade entre o egotismo do homem e a pureza divina; entre a mesquinhez auto agravada do homem e o Deus Infinito. Segundo Boheme e William Law, podemos dizer que a Divina Luz, em toda a sua intensidade, só pode ser percebida pelas almas pecadoras sob a forma de chamas do purgatório. Doutrina praticamente idêntica é a exposta no livro tibetano dos mortos, pelo qual a alma que que desprega foge atormentada da Serena Luz do Vazio, e até mesmo das Luzes menos intensas, indo lançar-se, precipitadamente, na confortadora escuridão da personalidade, reencarnando-se em um recém-nascido, transformando-se até em animal, em um infeliz fantasma ou indo ter ao inferno. Há de preferir qualquer coisa ao ígneo refulgir da implacável realidade – qualquer coisa!”.

Primeira parte: AS PORTAS DA PERCEPÇÃO.

Evangelho, Marta e Maria, Artigo

Os contemplativos e os ativos (Págs. 47-50).

[...] E, entretanto, minha pergunta continuava sem resposta. Como conciliar essa percepção aguçada com uma justa preocupação pelas relações humanas, com os deveres e as tarefas inadiáveis, para não mencionar a caridade e a piedade atuantes? A velha disputa entre ativos e contemplativos estava sendo renovada – e renovada, creio eu, com uma violência sem precedentes. Pois, até aquela manhã, eu só conhecera a contemplação sob suas formas mais humildes e encontradiças – a divagação do pensamento; a arrebatada abstração na poesia, na pintura ou na música; a paciente espera pela inspiração, sem a qual mesmo o mais prosaico escritor não pode pretender realizar coisa alguma; como vislumbres acidentais da natureza “de algo muito mais profundamente interligado”, no dizer de Wordsworth; como o silêncio sistemático que leva, por vezes; à noção de um “obscuro saber”. Mas, desta feita, conheci a contemplação em sua pujança. Em sua pujança, sim, mas não em toda a sua plenitude. Pois, quando esta é atingida, a estrada que leva a Maria inclui a de Marta* (*Marta e Maria, irmãs de Lázaro, citadas no Novo Testamento, Evangelho de São Lucas. Nas alegorias cristãs, Marta simboliza a vida ativa; Maria, a contemplativa.) e eleva a contemplação, por assim dizer, a seu mais alto poder. A mescalina nos abre o acesso a Maria, mas fecha a porta que leva a Marta. Ela nos permite chegar à contemplação, mas a uma contemplação que é incompatível com a ação. Nos intervalos entre suas revelações, quem toma mescalina é capaz de sentir que, embora de certo modo tudo tenha a sublimidade que devera ter, por outro lado há nisso qualquer coisa de errado. [...]. “[...] O Pai Nosso contém menos de cinquenta palavras, e seis delas são dedicadas a pedir a Deus que não nos deixe cair em tentação. O contemplativo-passivo deixa de fazer muitas coisas que teria de realizar; mas para se dispor a uma tal atitude, ele precisa abster-se de praticar uma série de ações que não deveriam ser levadas a efeito. O mal, acentuou Pascal, seria muito diminuído se os homens aprendessem a permanecer serenamente em seus aposentos. Mas o contemplativo cuja percepção haja sido esclarecida não precisará permanecer encerrado em seus aposentos. Poderá sair para seus afazeres, tão perfeitamente satisfeito em contemplar e em ser uma parte da divina Ordem das Coisas, que nunca ver-se-á tentado a entregar-se ao que Traherme chamou de “impuros Artifícios do mundo”. Quando nos sentimos como se fôssemos os únicos herdeiros do universo, quando “o mar corre em nossas veias (...) e as estrelas são nossas joias”, quando todas as coisas parecem infinitas e sagradas , que motivos poderemos ter para a cobiça ou a soberba, para fome de poder ou para as formas mais doentias de prazer? Os contemplativos não são propensos a se tornarem jogadores, alcoviteiros ou ébrios; como regra, não pregam a intolerância nem promovem guerras; não são levados ao roubo, à fraude ou à opressão dos fracos. [...].

segunda-feira, 31 de julho de 2017

As portas da percepção: Céu e inferno. Primeira parte: AS PORTAS DA PERCEPÇÃO. Obra: 1954.

Aldous Huxley, livros
As portas da percepção, para quem não o (a) leu na integra ou na sua resenha, ele se trata da descrição do próprio autor do livro, Aldous Huxley sobre sua experiência de ingestão de mescalina. Huxley, “foi um escritor inglês e um dos mais proeminentes membros da família Huxley”. Enfatizo que não é minha intenção fazer qualquer discurso a favor ou contra o uso das drogas, (minhas convicções guardo-as comigo), mas sim, com o objetivo de fazer uma exposição pertinente a respeito do livro. Outro ponto que é preciso informar para os desinformados que Huxley não foi um apologista das drogas; no sentido a utilizá-las a fim de alienar-se do mundo (hedonismo), ou para experimentar uma “conversão mística”. Conforme no prefácio, o resenhista esclarece na citação: “Huxley fez do excesso da sabedoria e de curiosidade um caminho para o palácio do êxtase: é a razão que, percebendo sua insuficiência perante a pluralidade do mundo, busca uma abertura para novas formas de percepção que sejam uma alternativa ao solipsismo (essa perversão do idealismo) e ao behaviorismo (perversão do empirismo). (Prefácio, pág. 13).
Portanto, ele não foi um aficionado a drogar-se para obter prazer ou para a fuga da realidade como salientado acima, no entanto, buscou ter uma experiência para expandir a percepção da consciência. Muitos de nós na nossa consciência não alterada, sem o efeito psicoativo, no caso agora, especificamente da mescalina, não observamos as coisas, objetos naquilo que elas são de fato. Passando despercebidos, por não darmos valor como deveriam ser colocados, por nossos outros afazeres cotidianos são tidos como obsoletos que para o autor é o essencial nas suas sutilidades imperceptíveis que não são observados.
Comenta quando ingeriu, [...]. Que numa manhã de sol, “tomou quatro decigramas de mescalina, dissolvidos em meio copo d´água”. (Citação, pág. 24). A priori o que autor descreve, em sua experiência com mescalina, é que as tonalidades das cores tinham uma atração maior na percepção que nas formas geométricas. Na cadeira, nos livros, nas flores, ou nos quadros de pintura, (todos estes objetos considerados insignificantes, tornaram-se fascinantes). Cita também, vários pintores e suas obras, e as expõe com sua impressão, descrevendo as peculiaridades de cada obra artística. Muitos se perguntariam como ele conseguiu vislumbrar estas novas percepções? Na (página 32), Huxley explica sobre a válvula redutora, que são nosso cérebro e o nosso sistema nervoso, é ele que dificulta a abertura para o conhecimento de “outros mundos”: “De acordo com tal teoria, cada um de nós possui, em potencial, a Onisciência. Mas, visto que somos animais, o que mais nos preocupa é viver a todo o custo. Para tornar possível a sobrevivência biológica, a torrente da Onisciência tem de passar pelo estrangulamento da válvula redutora que são nosso cérebro e sistema nervoso. O que consegue coar-se através desse crivo é um minguado fio de conhecimento que nos auxilia a conservar a vida na superfície deste singular planeta”. Mais a frente ele explica que alguns indivíduos parecem ter nascido com uma espécie de desvio da válvula de redução, (página 33): “[...] algumas pessoas parecem ter nascido com uma espécie de desvio que invalida essa válvula redutora.
Em outras, o desvio pode surgir em caráter temporário, seja espontaneamente, seja como resultado de “exercícios espirituais” voluntários, do hipnotismo ou da ingestão de drogas”. O que ocorreu com Huxley após a ingestão da droga, foi que ele se tornou a parte de sua individualidade, o que se nomeia de despersonalização ou desindividualização. As coisas inerentes do dia-a-dia, que é comum a todos nós se tornaram irrelevantes naquele momento, era como se ele fosse o objeto que via. Na (pág. 43), ele comenta: “E, no entanto, um deles era minha esposa, e o outro, um homem que eu considerava e de quem muito gostava. Mas ambos pertenciam a um mundo do qual, naquela ocasião, a mescalina me havia tirado – o mundo dos personalismos, da dimensão tempo, dos julgamentos morais e das considerações utilitárias; o mundo – e era esse aspecto da vida humana que, acima de tudo, mais desejava esquecer – o mundo da autoafirmação, da convicção, da supervalorização da palavra e das noções idolatramente cultuadas”.

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