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terça-feira, 19 de março de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: VIRTUDES CARDEAIS

VIRTUDES CARDEAIS

1. NOÇÃO

Como dissemos anteriormente, o nome de “cardeais” deriva do latim cardo, cardinis, a dobradiça ou gonzo da porta; porque, em efeito, sobre elas, como sobre as dobradiças, gira e descansa toda a vida moral humana e cristã.


2. NÚMERO

As virtudes são quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança. A prudência dirige o entendimento prático em suas determinações; a justiça aperfeiçoa a vontade de dar a cada um o que lhe corresponde; a fortaleza reforça o apetite irascível para tolerar o desagradável e enfrentar o que se deve fazer, apesar das dificuldades; e a temperança põe em ordem o reto uso das coisas aprazíveis e agradáveis.
O conjunto total das virtudes infusas teologais e morais poderia ser representado graficamente com uma imagem astronômica formada do seguinte modo:
a) Três grandes estrelas ou sóis com luz própria; fé, esperança e caridade.
b) Quatro grandes planetas com luz recebida do sol: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
c) Muitas virtudes satélites relacionadas com seus respectivos planetas, como derivadas ou anexas.
Estudadas as três virtudes estrelas ou sóis, vamos abordar agora o estudo dos quatro planetas, ou seja, das quatro virtudes cardeais, que, por sua vez, nos permitirão estudar seus correspondentes satélites ou virtudes derivadas, que se relacionam em algum com sua virtude cardeal correspondente.

I. A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA
1. NOÇÃO

A prudência é uma grande virtude que tem por objetivo ditar o que devemos fazer em cada caso particular. Como virtude natural ou adquirida foi definida por Aristóteles como: “A reta razão no agir”. Como virtude sobrenatural infusa pode ser definida como:
Uma virtude especial infundida por Deus no entendimento prático para o reto governo de nossas ações particulares ordenadas a um fim sobrenatural.
Expliquemos um pouco os termos da definição.
a) Uma virtude especial, distinta de todas as demais.
b) Infundida por Deus no entendimento prático. Como se sabe, a razão (ratio) ou entendimento, é uma das potências ou faculdades da alma (como a memória e a vontade). No entanto, o entendimento se subdivide em especulativo e prático. O especulativo se dedica à formulação teórica dos princípios nos quais se apoia a prudência, enquanto que o prático recai sobre os atos particulares ou concretos que deve realizar. A prudência, como virtude, recai precisamente sobre esses atos concretos que hão de se realizar: logo, reside no entendimento prático, não no especulativo.
c) Para o reto governo de nossas ações particulares. O ato próprio da virtude da prudência é ditar (em sentido perfeito, ou seja, intimado ou imperando) o que se deve fazer concretamente em um momento determinado hic et nunc, levando em conta todas as circunstâncias, depois de uma madura deliberação e conselho.
d) Ordenadas para um fim sobrenatural. É o objeto formal ou motivo próximo, que a distingue radicalmente da prudência natural ou adquirida, que só se dirige às coisas deste mundo.

2. IMPORTÂNCIA

É a mais importante de todas as virtudes morais depois da virtude da religião, como veremos em seu devido lugar. Sua influência se estende a todas as demais virtudes, assinalando-lhes o justo meio em que consistem todas elas, para que não se desviem por excesso ou por defeito em direção aos seus extremos desordenados. Também as próprias virtudes teologais necessitam do controle da prudência, não porque consistam no meio – como as morais –, mas por causa do sujeito e do modo de seu exercício, isto é, no seu devido tempo e tendo em conta todas as circunstâncias. Seria uma ilusão imprudente vagar o dia todo a exercitar as virtudes teologais, descuidando do cumprimento dos deveres de estado. Por isso se chama a prudência de auriga virtutum, porque dirige e governa as demais virtudes como um cocheiro que controla as rédeas de uma carruagem puxada por cavalos.
A importância e necessidade da prudência está manifesta em inúmeras passagens da Sagrada Escritura. O próprio Senhor Jesus Cristo nos adverte: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas”. (Mt 10,16). Sem a prudência, nenhuma virtude pode ser perfeita. Ademais, é útil para evitar o pecado, dando-nos a conhecer – por experiência – as causas e ocasiões do mesmo, mostrando-nos os remédios oportunos. Quantos pecados cometeríamos sem ela e quantos cometeremos se não seguirmos seus ditames!

[...].

II. VIRTUDE DA JUSTIÇA
1. NOÇÃO


Com frequência se emprega a palavra justiça na Sagrada Escritura como sinônimo de santidade: os justos são os santos. E assim disse Nosso Senhor Jesus Cristo no Sermão da Montanha: “Bem aventurados os que têm sede de justiça” (Mt 5,6), ou seja, de santidade. Mas em sentido estrito, como virtude especial, a justiça pode ser definida assim:
“A vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe corresponde estritamente”.
Expliquemos um pouco os termos da definição para conhecê-la melhor:
a) A vontade, entendendo por tal não a potência ou faculdade mesma (onde reside o hábito da justiça) mas seu ato, ou seja, a determinação da vontade de dar a cada um o que lhe corresponde.
b) Constante e perpétua, porque, como explica Santo Tomás, “isto o reclama a ideia de justiça, para a qual não basta queremos observá-la por algum tempo, num certo negócio; pois, é difícil encontrar quem queira agir sempre injustamente; mas, é preciso que tenhamos a vontade perpétua de observar sempre a justiça”
1. A palavra constante designa a perseverança firme no propósito; e a expressão perpétua, a intenção de guardá-la sempre.
c) De dar a cada um, ou seja, ao nosso próximo. A justiça requer sempre a alteridade, já que ninguém pode propriamente cometer injustiças contra si mesmo.
d) De dar o que corresponde, ou seja, o que se deve. Não se trata de uma esmola ou presente, mas do devido ao próximo, porque ele tem direito a isso.
e) Estritamente, ou seja, nem mais nem menos do que se deve. Se ficamos abaixo do devido estritamente (p. ex. pagando só dez reais a quem devemos doze) cometemos uma injustiça. Mas se ultrapassamos o devido (p. ex. dando vinte a que devemos apenas dez) não violamos o princípio da justiça (porque pagamos a mais) mas praticamos, em realidade, a liberalidade ou a esmola e não a justiça em sentido estrito.

[...].

3. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A justiça é uma das quatro grandes virtudes morais que ostentam o estatuto de cardeais, porque ao redor delas – como deve ser a dobradiça da porta – gira toda a vida moral.
Depois da prudência, a justiça é a mais excelente das virtudes cardeais, mesmo sendo inferior às virtudes teologais e algumas de suas derivadas, como a religião por exemplo, que tem um objetivo imediato mais nobre: o culto a Deus. Isto a aproxima das virtudes teologais ocupando o quarto lugar no conjunto total das virtudes infusas.
A justiça tem uma grande importância e é de absoluta necessidade, tanto na ordem individual como na social. Aperfeiçoa e ordena nossas relações com Deus e com o próximo; faz com que respeitemos mutuamente nossos direitos; proíbe a fraude e o engano; pratica a simplicidade, veracidade e gratidão mútua (virtudes satélites da justiça); regula as relações dos indivíduos particulares entre si, as de cada um com a sociedade e da sociedade com o indivíduo (justiça social). Ao ordenar todas as coisas, traz consigo a paz e o bem estar de todos, já que a paz não é outra coisa senão “a tranquilidade da ordem” segundo a magnífica definição de Santo Agostinho. Por isso, diz a Sagrada Escritura que a paz é obra da justiça: opus iustitiae, pax (Is 32,17); se bem que, como explica Santo Tomás, a paz é obra da justiça indiretamente, ou seja, enquanto remove os obstáculos opostos a ela (ut removens prohibens), mas a paz provém própria e diretamente da caridade, que é a virtude realizadora por excelência da união de todos os corações.
2
Em seu devido lugar, examinaremos brevemente o magnífico conjunto das partes potenciais ou virtudes derivadas, ou satélites da justiça, o que aumentará nossa estima por esta grande virtude cardeal.

[...].

III – A VIRTUDE DA FORTALEZA
1. NOÇÃO

A palavra fortaleza pode ser tomada em dois sentidos principais:
a) Enquanto significa, em geral, certa firmeza de ânimo ou energia de caráter. Nesse sentido não é virtude especial, mas uma condição geral que acompanha toda virtude, que, para ser verdadeiramente tal, deve ser praticada com firmeza e energia.
b) Para designar a terceira das virtudes cardeais. Nesse sentido pode ser definida como:
Uma virtude cardeal, infundida com a graça santificante, que enaltece o apetite irascível e a vontade para que não desistam de conseguir o bem árduo ou difícil, nem sequer diante do máximo perigo de vida corporal.
Expliquemos um pouco a definição:
i) Uma virtude cardeal... posto que vindica para si, de forma especial, uma das condições comuns a todas as demais virtudes, que é a firmeza em agir.
ii) infundida com a graça santificante... para distingui-la da fortaleza natural ou adquirida.
c) Que enaltece o apetite irascível e a vontade... A fortaleza reside, como em seu próprio sujeito, no apetite irascível, porque se exercita sobre o temor e a audácia que nele residem. Mas influencia também, por redundância, sobre a vontade para que possa escolher o bem árduo e difícil sem que lhe coloquem obstáculos às suas paixões.
iii) Para que não desistam de conseguir o bem árduo ou difícil... Como se sabe, o bem árduo é o objeto do apetite irascível. Ora, a fortaleza tem por objeto robustecer o apetite irascível, para que não desista de conseguir o bem difícil, por maiores que sejam as dificuldades e os perigos que se apresentem.
iv) Nem sequer frente o máximo perigo de vida corporal... Acima de todos os bens corporais, deve-se buscar sempre o bem da razão e da virtude, que é imensamente superior ao corporal; mas como entre os perigos e temores corporais o mais terrível de todos é a morte, a fortaleza robustece principalmente contra esses temores, como é evidente na vida dos mártires que não vacilaram em dar sua vida para conservar ou confessar a fé ou outra virtude sobrenatural. Por isso o martírio é o ato principal da virtude da fortaleza.

[...]

3. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A fortaleza é uma virtude muito importante e excelente, mesmo não sendo a máxima entre todas as virtudes cardeais. Porque o bem da razão – que é o objeto de toda virtude – pertence essencialmente à prudência; de maneira efetiva, à justiça; e só conservativamente (ou seja, removendo os impedimentos) à fortaleza e à temperança. E entre estas duas últimas prevalece a fortaleza, porque é mais difícil no caminho do bem superar os perigos da morte, do que os perigos procedentes das deleitações do tato, por sua vez regulados pela temperança. Conclui-se então que a ordem de perfeição entre as virtudes cardeais é a seguinte: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
Na vida espiritual e no caminho para a perfeição, a fortaleza, em seu duplo ato de atacar e resistir, é muito importante e necessária. Há no caminho da virtude grande número de obstáculos e dificuldades que é preciso superar com valentia e queremos chegar até os cumes da santidade. Para isso, é mister muita decisão em empreender o caminho da perfeição custe o que custar, muito valor para não se assustar ante a presença do inimigo; muita coragem para o atacar e vencer, e muita constância e paciência para levar o esforço até o fim, sem abandonar as armas em meio ao combate. Toda esta firmeza e energia deve ser proporcionada pela virtude da fortaleza, robustecida, por sua vez, pelo dom do Espírito Santo de mesmo nome: o dom da fortaleza, do qual falamos brevemente em outro ponto desta obra.

[...].

IV – A VIRTUDE DA TEMPERANÇA
1. NOÇÃO

A palavra temperança pode ser empregada em dois sentidos:
a) Para significar a moderação que impõe à razão em toda ação e paixão (sentido lato), em cujo caso não se trata de uma virtude especial e sim de uma condição geral, que deve acompanhar todas as virtudes morais.
b) Para designar uma virtude especial que constitui uma das quatro virtudes morais principais, chamadas cardeais (sentido estrito). Neste sentido pode ser definida:
Uma virtude sobrenatural que modera a inclinação aos prazeres sensíveis, especialmente do tato e do gosto, contendo-a dentro dos limites da razão iluminada pela fé.
Expliquemos um pouco a definição:
i) Uma virtude sobrenatural... (infusa), para distingui-la da temperança natural ou adquirida.
ii) Que modera a inclinação aos prazeres sensíveis... O próprio da temperança é refrear os movimentos do apetite concupiscível – onde reside –, diferente da fortaleza, que tem por missão excitar o apetite irascível na busca do bem honesto.
iii) Especialmente do tato e do gosto... Mesmo que a temperança deva moderar os prazeres sensíveis aos quais nos inclinam o apetite concupiscível, recai de maneira especial sobre os pecados próprios do tato e do gosto (luxúria e gula principalmente) que levam consigo a máxima deleitação – como necessários para a conservação da espécie ou do indivíduo – e são, por essa razão, mais aptos para arrastar o apetite caso não seja refreado por uma virtude especial que é a temperança estritamente dita. Principalmente recai sobre os deleites do tato, e secundariamente sobre os demais sentidos.
iv) Contendo-a dentro dos limites da razão iluminada pela fé. A temperança natural ou adquirida é regida unicamente pelas luzes da razão natural, e contém o apetite concupiscível dentro de seus limites racionais e humanos; a temperança sobrenatural ou infusa vai muito mais longe, posto que às luzes da simples razão natural são acrescentadas as luzes da fé, que têm exigências mais finas e delicadas.

2. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A temperança é uma virtude cardeal que possui várias outras derivadas ou satélites, e neste sentido é uma virtude excelente; mas, por ter como objeto a moderação dos atos do próprio indivíduo, sem nenhuma relação com os demais, ocupa o último lugar entre as virtudes cardeais.
Sem embargo, por ser a última das virtudes cardeais, a temperança é uma das virtudes mais importantes e necessárias na vida do cristão. A razão disso é a de que a temperança deve moderar, sustentando-os dentro da razão e da fé, dois dos instintos mais fortes e veementes da natureza humana, que facilmente se extraviariam sem uma virtude moderativa dos mesmos. A Divina Providência quis unir um deleite ou prazer àquelas operações naturais necessárias para conservação do indivíduo e da espécie; daí a veemente inclinação do homem aos prazeres do gosto e da geração, que possuem aquela finalidade alta, querida e pretendida pelo próprio Autor da natureza. Mas por brotar com veemência da própria natureza humana, tendem com grande facilidade a desgarrar-se fora dos limites do justo e do razoável – o que seja necessário para a conservação do indivíduo e da espécie, na forma e circunstâncias assinaladas por Deus e nada além disso –, arrastando consigo o homem para a zona do ilícito e do pecaminoso. Esta é a razão da necessidade de uma virtude infusa moderativa dos apetites naturais e da singular importância dessa virtude na vida cristã ou simplesmente humana.
Tal é o papel da temperança infusa. É ela que nos faz usar do prazer para um honesto e sobrenatural, na forma assinalada por Deus a cada um segundo seu estado e condição. E como o prazer é em si mesmo sedutor e nos arrasta facilmente para mais além dos limites justos, a temperança infusa inclina à mortificação inclusive de muitas coisas lícitas, para nos manter afastados do pecado e ter perfeitamente controlada e submetida a vida passional. Págs. 227-230; 234-238; 239-240,242; 243-246.

[...].


_________


1 SANTO TOMÁS, SUMA TEOLÓGICA II-II, 58,1 AD3. CF. AD 4.
2 SANTO TOMÁS, II-II, 29,3 AD 3.




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