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13 de novembro de 2025

Convivendo com o mal: A luta contra os demônios no monaquismo antigo (1ª Parte)

Convivendo com o mal: A luta contra os demônios no monaquismo antigo; livros, cristianismo
Cap. 1 - A natureza dos demônios

A doutrina dos antigos monges sobre os demônios é uma doutrina prática, e não teórica. É mais importante sabermos conviver retamente com os demônios do que especularmos sobre sua natureza e sua essência. Não obstante, é possível encontrarmos algumas afirmações sobre sua natureza. Os demônios inicialmente eram anjos. Mas separaram-se de Deus, e por isso tornaram-se maus. Agora eles tentam seduzir os homens para o mal. Evágrio conhece três categorias de seres racionais: os anjos, os demônios e os homens. E a cada uma destas três ele atribui uma das três forças da alma, a nous (espírito) aos anjos, o thymos aos demônios, e a epithymia (o desejo) aos homens. O thymos é a parte emocional da alma, a parte excitável, de onde surgem as emoções violentas, como a ira, o ódio e a inveja. O demônio caracteriza-se pela predominância do thymos, a parte da alma que pode se tornar excitada e confusa. A ira cega, que se enfurece e que esbraveja contra os outros, é para Evágrio uma essência do demônio. Uma vez ele chega a identificar o demônio com um homem possuído e excitado pela ira:

Vício algum faz a razão transformar-se de tal modo em demônio como a ira, porque ela faz a parte emocional da alma revoltar-se [...]. Não julgues que o demônio seja outra coisa senão o homem possuído pela ira.

Aos demônios os antigos monges também atribuíam um corpo, se bem que essencialmente mais leve do que o dos homens. Consiste sobretudo de ar. O ar é também a região onde os demônios se encontram. Eles podem mover-se mais rapidamente que os homens, eles voam. São frios como o gelo. Normalmente são invisíveis para nós, mas podem assumir determinadas aparências. Mas não podem transformar-se em um corpo, como os anjos, mas apenas imitar as formas e as cores de um corpo, e assim nos iludir. Mas também podem tornar-se perceptíveis para nós como vozes que se ouvem. O ponto de contato entre a capacidade do conhecimento humano e os demônios é a fantasia. Os demônios provocam em nós imagens da fantasia, ou fazem-nos sonhar enquanto dormimos. Como possuem um corpo, os demônios também estão ligados a objetos corpóreos, através dos quais eles agem sobre a fantasia. Provocam imagens de coisas visíveis na alma do homem, e de acordo com sua natureza de thymos eles fazem estas imagens ser acompanhadas de violentas emoções

Frequentemente utilizam-se de nossas lembranças, e então provocam emoções com as imagens da memória, através das quais podem impelir-nos na direção intencionada. Seu instrumento usual para agir sobre nós são os maus pensamentos. Com frequência os maus pensamentos são identificados com os demônios, de tal forma que nem sempre se pode saber se os maus pensamentos são eles próprios os demônios ou se são provocados pelos demônios. A luta com os demônios realiza-se sobretudo como luta com os próprios pensamentos, onde trata-se sempre de pensamentos carregados de afetos, portanto nunca pensamentos puramente intelectuais. Pois só os pensamentos de caráter emocional é que são por Evágrio atribuídos aos demônios. Ele distingue pensamentos angélicos, pensamentos demoníacos e pensamentos puramente humanos. Os pensamentos que nos são inspirados pelos anjos fazem indagações a respeito das coisas, por que elas foram criadas, para que servem, qual sua natureza e o que elas simbolizam. Os pensamentos puramente humanos, só podem reproduzir no espírito a forma de uma coisa. Os pensamentos provenientes dos demônios sempre veem as coisas com paixão e emoção. Eles consideram, por exemplo, como podemos possuir as coisas, que prazer elas nos proporcionam, ou se podem atrair para nós fama. [1].

Os demônios são espertos, traiçoeiros, eles mentem e enganam. Em comparação com os anjos são ignorantes. Eles não podem olhar para o íntimo da alma do homem, mas dependem dos comportamentos visíveis para reconhecer o estado da alma humana: da atitude corporal, da voz, da maneira de andar. Não obstante, muitas vezes eles provocam espanto nas pessoas predizendo-lhes os acontecimentos. Antão explica esta capacidade através da leveza de seu corpo. Quando irmãos se põem a caminho para fazer-nos uma visita, eles correm à frente e antecipam-nos sua chegada. [...] p. 19.

Os demônios são capazes de dominar um homem de tal forma que ele se torna possesso. Provocam doenças como esquizofrenia, epilepsia, loucura e histeria. As histórias dos monges descrevem os mais diversos sintomas das doenças psíquicas, por eles atribuídas aos demônios. Um monge come suas próprias fezes (coprofagia), ou se coça até provocar feridas. Outros são empurrados pelos demônios para um lado e para outro, alguns impelidos ao suicídio.

Se analisarmos mais de perto as afirmações dos monges a respeito dos demônios, percebemos que são tentativas de explicar os fenômenos. Não são definições, nem pretendem saber exatamente o que os demônios realmente são. Em sua linguagem mitológica os monges descrevem realidades psíquicos. Jung, como empirista, tenta abordar os mesmos fenômenos descritos pelos monges em sua demonologia. As duas tentativas de abordar a realidade devem simplesmente ser postas lado a lado, sem se emitir qualquer juízo sobre qual é a que explica melhor a realidade. [...].

Jung fala dos demônios em conexão com sua doutrina dos complexos autônomos. A projeção é “uma transferência inconsciente e não intencionada de um fato psíquico subjetivo para um objeto exterior”. Quando nós transferimos desejos ou emoções para o outro, não estamos vendo nele a realidade. Deixamo-nos enganar por nossas próprias projeções, somos dominados por elas. Esta situação era descrita pelos antigos como ser enganado por um demônio. De modo semelhante, era através do demônio que se entendia o efeito das projeções alheias sobre nós. Quando outros nos lançam suas projeções, eles com isto exercem sobre nós um poder a que fica difícil subtrair-nos. As projeções são como uma espécie de projétil que um homem mau nos atira e que nos faz adoecer. M. L. von Franz, uma discípula de C. G. Jung, escreve a respeito deste efeito negativo que as projeções alheias provocam sobre nós:

“Logo que uma pessoa projeta sobre outra um pouco de sua sombra, esta se sente estimulada a tais discursos maldosos. As palavras (acusações, indiretas) que atingem o outro como projéteis simbolizam o fluxo de energia negativa que alguém projeta sobre o outro. Quando somos alvo das projeções negativas de outra pessoa, muitas vezes nós sentimos quase que fisicamente o ódio do outro, como se fosse um projetil”.

Para Jung, a causa das projeções são os complexos. Jung define o complexo como...

“A imagem de uma determinada situação psíquica possuidora de viva carga emocional, e que além disto comprova-se como incompatível com a situação ou a atitude habitual da consciência. Esta imagem possui uma forte unidade interior, possui sua integridade própria, além de dispor de um grau de autonomia relativamente elevado”.

Na raiz de um complexo encontra-se um conteúdo com ênfase no sentimento, e cuja menção desperta em nós emoções violentas, mas que nós reprimimos de nossa consciência. Um complexo leva-nos a “um estado de falta de liberdade, a pensarmos e a agirmos compulsivamente”. p. 22

Ele possui uma certa autonomia. No sonho os complexos aparecem personificados. Por isso Jung mostra compreensão para o fato de os antigos haverem considerado os como seres autônomos. Com bastante frequência eles vêm ao nosso encontro como se fossem pessoas. Para Jung eles são partes da psique sob tensão e, sendo inconscientes, muitas vezes conseguem alcançar o domínio sobre o eu. Jung chama isto então de identidade de complexo, e acha:

“Perfeitamente moderno, na Idade Média este conceito possuía um nome diferente: chamava-se possessão. Não achamos, de certo, que esta situação seja inofensiva, mas em princípio não existe diferença entre um complexo comum e as selvagens blasfêmias de um possesso. Trata-se apenas de uma diferença de grau”.

[...].

Jung faz distinção entre dois complexos diferentes: o complexo da alma e o complexo do espírito. O complexo da alma ele o atribui ao inconsciente da pessoa. Portanto ele surge por repressão de conteúdos que por razões morais ou estéticas foram excluídos da convivência. O complexo da alma precisa ser integrado pelo homem. A “perda” de um complexo da alma é sentida como doentia. O complexo do espírito surge quando determinados conteúdos do inconsciente coletivo penetram na consciência. O complexo do espírito é percebido pelo homem como estranho, como uma coisa a um tempo ameaçadora e fascinante. Logo que tal conteúdo é retirado da consciência, a pessoa sente-se aliviada. No complexo do espírito algo de estranho vem ao nosso encontro, sobrevêm-nos pensamentos estranhos e inauditos, o mundo se modifica, a gente sente-se ameaçado, atacado.

No complexo do espírito não nos resta outra escolha senão expulsá-lo da esfera da mente. Os antigos expressavam isto dizendo que os demônios têm que ser expulsos. Franz fez a experiência de que com alguns pacientes não existia outra alternativa senão subtrair-se ao confronto com o demônio interior através da fuga.

Não se pode senão aconselhar ao paciente que na medida do possível mantenha-se longe das condições e situações que possam entrar em contato com o complexo [...]. De fato, frente a determinadas poderes sombrios no próprio íntimo não se pode fazer outra coisa senão fugir, ou de alguma maneira mantê-los afastados.

Jung vê uma íntima ligação entre o complexo e o afeto. Ele acha que “todo afeto tende a transformar-se da hierarquia da consciência e se possível arrastar atrás de si o eu”. Jung lembra-nos a experiência que fazemos quando nos deixamos arrastar por declarações imprudentes. Dizemos então que “a língua nos traiu”, com o que manifestamente estamos expressando que o discurso transformou-se em uma entidade autônoma, que nos arrastou e nos levou consigo. Por isso não é senão muito natural que os antigos vissem aí a atividade de um espírito, de um demônio. O demônio seria a imagem de um afeto autônomo – um afeto personificado.

Retomando das explanações de Jung para a demonologia dos monges da Antiguidade, precisamos primeiramente fazer algumas distinções. Jung se ocupa sobretudo com o fenômeno da possessão, por conseguinte da doença. Também os antigos monges relacionam a possessão com os demônios. Mas para eles não é a possessão que constitui o fenômeno mais importante. Jung é médico, e como médico ele está interessando em curar doentes. Mas para os monges a cura dos possessos é apenas uma consequência do reto convívio com os demônios. Para os monges o que importa na luta com os demônios é o ocupar-nos todos os dias com o mal, a maneira de nos comportarmos quando somos desafiados e tentados. [...]. p. 24. 

Neste sentido o ocupar-se com os demônios é uma maneira proveitosa de lidar com o inconsciente, sobretudo com os afetos e emoções. Projetando certas realidades íntimas sore os demônios, as coisas e as pessoas se libertam de ficar presas às projeções. Na demonologia os monges ficam conhecendo o mecanismo de projetarmos sobre os outros nossos próprios desejos e emoções. Não é o próximo que é culpado por ficarmos com raiva, mas sim um demônio, que através de uma pessoa ou de um comportamento que os perturba que provocar raiva em nós, para nos acorrentar ao afeto negativo. p. 25.

Quando falam dos demônios, os monges estão levando em conta a seriedade e multiplicidade das ameaças que mal significa para nós. Não é apenas com um pouquinho boa vontade que se vence o mal. Pelo contrário, o mal nos enfrenta como um demônio refinado e com técnicas bem boladas. Quando o homem se abre à sua própria realidade, ele sente-se atacado e em perigo por causa do abismo impenetrável do mal. É esta experiência que é expressa pelos monges quando atribuem as ameaças do mal ao demônio. O que importa não é conceito, mas sim o fenômeno que o conceito ou imagem do demônio deseja interpretar. O que importa para a demonologia, é dar-nos uma orientação para lidarmos corretamente com o mal em nós. Mais importante, portanto, do que conhecer a essência dos demônios é conhecer as suas técnicas. GRÜM. Anselm. p. 25.


29 de outubro de 2025

TRECHO DO LIVRO: EDWIGES - A SANTA LIBERTÁRIA (FINAL)

Livro; Edwiges - A santa libertária; Toninho Vaz; Evangelhos
As chagas reproduziram as dores do calvário que ela cultivava como um jardim de flores. Muito antes do primeiro sinal, Edwiges surpreenderia a todos pedindo que lhe trouxessem frei Mateus, nessa época seu confessor. Ela queria receber a extrema-unção [7]. Irmã Adelaide reagiu prontamente:

Como, minha senhora, pode ferir nossos corações pedindo a extrema-unção se a senhora está bem de saúde? Esse sacramento é para aqueles que estão próximos da morte.

Edwiges respondeu com serenidade:


Caríssima Adelaide, convém considerar que com o Sacramento da Unção os espíritos cristãos armam-se com armaduras espirituais contra as forças do mal. Por isso ele deve ser recebido com suma devoção pelos fiéis. Temo que, agravando-se a doença, eu não esteja mais em condições de receber o Sacramento com a devoção que ele merece. Quero estar bem preparada para ir ao encontro do Senhor Jesus.

 A historiadora Geneviève D’Haucourt explica o ritual:

Quando a morte se aproxima, o doente prepara-se para ela como para um ato religioso, o mais importante de sua vida, visto que ele vai fixar seu destino eterno. Nessa hora fatal, o cristão na Idade Média rememora sua vida e purifica-se de todos os seus erros através de uma confissão geral. O doente chama então o notário ou o cura e faz seu testamento: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”

No caso de Edwiges, que já havia doado seus bens materiais ao mosteiro, havia apenas uma formalidade a cumprir de ordem espiritual: a extrema-unção. Com esta providência tomada, estaria encerrada sua missão na terra. [...]. p. 77

[...].

Quem estava no quarto participava das preces seguindo a orientação de um monge responsável pela alegoria – que deve ser entendida, neste contexto, como o método de pensar medieval. Assim, podemos relacionar como alegoria o temor ou o respeito ao crucifixo (ícone), a fé incomensurável na justiça divina e o significado das trevas como cenário do inferno. O que significa dizer que a representação do mundo para eles era toda simbólica, tudo sempre agregava um valor a mais do que apenas sua significação material e literal. Edwiges, sempre sensível, permaneceu serena durante toda a cerimônia, vestindo seu hábito branco da Ordem Cisterciense. E mais: na intimidade dos seus aposentos, como segredo exclusivo para Adelaide e a filha Gertrudes, dizia ter recebido uma visão celeste, uma revelação de que seus dias estavam contados. Ela trazia dentro de si, oculta e anestesiada pela blindagem espiritual, uma doença grave e fatal que vinha lhe consumindo as energias. Seu tratamento, prescrito e acompanhado pelos médicos, previa o uso de ervas, bálsamo, sementes e raízes aplicados em forma de infusão, óleo ou pomada. [8].

[...].

Um aspecto curioso do calvário de Edwiges, em Trebnitz, se deve à discussão prévia, encabeçada pela filha Gertrudes, sobre o local onde a mãe deveria ser sepultada. É possível mesmo que o assunto tenha sido apresentado pela própria Edwiges, que publicamente mantinha uma forte convicção: “Eu quero ser sepultada num cemitério comum.”

Talvez, para qualquer outra pessoa, este desejo explícito não pudesse ser levado a sério, mas, tratando-se de Edwiges, tal anúncio soava como uma sentença perturbadora. Afinal, todos sabiam que suas palavras nunca foram despropositados. Sempre revelavam uma intenção segunda, mais profunda, longe das falsas aparências ou da humildade cabotina. Edwiges era, por assim dizer, uma entidade em missão radical na vida. Apesar disso, haveria forte resistência da filha:

“Minha mãe, queremos lhe oferecer um lugar ao lado do sepulcro de nosso pai, Henrique. Aqui nesta igreja em casa.”

Ela recusou:

“Se for absolutamente necessário que eu seja sepultada na igreja, não coloquem meu corpo no túmulo de seu pai. Ficamos tanto tempo separados de leito que não quero estar legada a alguém de quem, por amor à castidade, resolvi ficar separada em vida.”

A filha retrucou:

“Então, mãe, mandarei sepultá-la com seu filho Henrique.”

Edwiges ponderou, messiânica:

“Não quero ninguém como companheiro de túmulo. Se for para sepultar-me na igreja, que seja diante do altar de São João Evangelista.”

Ela havia escolhido um altar da igreja de São Bartolomeu Apóstolo, onde existiam diversas sepulturas de crianças, seus netos e sobrinhos, que lhe invocavam pureza e inocência. Por fim, a filha Gertrudes sugeriu a ela, uma sepultura diante do altar de São Pedro, [...]. Por fim, exaurida, Edwiges, que tinha consciência da sua importância como líder espiritual, preferiu apenas profetizar:

“Se fizerem isso, mais tarde irão se arrepender pelo incômodo que minha sepultura vai causar.”


Em Nome do Pai

Informações colhidas posteriormente junto às freiras de Trebnitz e ao monge Jacinto indicam que Edwiges percorreu um longo calvário antes de morrer. Talvez mais de um ano, tempo suficiente para consolidar a fama do mosteiro como um lugar de peregrinação e romaria. Falava-se com entusiasmo dos milagres realizados pela santa em nome de Deus: cegos que voltavam a enxergar, mortos que ressuscitavam, aleijados que recebiam a cura e presos que ganhavam liberdade. Todos queriam vê-la, tocá-la...

Em 8 de setembro, dia da Natividade de Nossa Senhora, todas as freiras do mosteiro estavam fora para participar da solenidade. Apenas a devota Catarina ficou junto a Edwiges, quando houve o que se chamou de “aparecimento dos santos”, um convite para o “eterno banquete celestial na pátria bem-aventurada do Céu”. Catarina disse ter ouvido, dos lábios de Edwiges, as seguintes palavras:

“Bem-vindas minhas Santa Maria Madalena, Santa Catarina, Santa Tecla, Santa Úrsula...”

Foi uma conversa quase inaudível, quando Edwiges pronunciou outros nomes de santas e mártires que não foram registrados. Era como se ela estivesse recebendo uma comissão de frente celestial, encarregada de lhe dar as boas-vindas. Subitamente, da mesma forma que as luzes apareceram, elas se apagaram, e a visão terminou. Assim foi registrado.

Um fenômeno idêntico aconteceria durante uma segunda visita das irmãs Pinosa e Benedita, no dia de São Mateus, 21 de setembro. Edwiges, a certa altura conversa, pediu para elas se ajoelharam e rezarem; “ou vocês não estão vendo Santa Maria Madalena e Santa Catarina?”. p. 81.

[...].


O dia da criação

Na manhã de 15 de outubro de 1243 (no calendário bizantino, 1244), Edwiges recebeu a comunhão e pediu que lhe cobrissem a cabeça com o véu de sua sobrinha Isabel (Santa Isabel), anunciando aos presentes:

“Hoje eu vou para a casa do meu Pai”.

[...].

Perto do meio-dia, Ana seria anunciada e entraria no quarto chorando e abraçando a sogra, que tão bem compreendia e admirava. Ana era sincera nos seus sentimentos quando fez um apelo desesperado:

“A senhora não pode morrer agora. O que vaio ser da Silésia sem a sua presença? Estamos precisando da sua orientação.”

Edwiges respondeu com calma:

“De agora em diante caberá a você ser a mãe da nossa pátria.”

Nesse momento, Edwiges pareceu querer erguer-se na cama, tentando se apoiar sobre os cotovelos. Em seguida, deixou-se cair suavemente, sem muita agitação. Estava acabado. A santa havia morrido, aos 69 anos. Sua filha Gertrudes fechou-lhes os olhos. Os sinos da abadia começaram a repicar e um forte cheiro de incenso e mirra invadiu o ambiente. p. 84.

O biógrafo latino de Edwiges, autor das legendas, escreveu:

A beata Edwiges se foi deste mundo no Ano da Graça de 1243, por volta da hora das vésperas – conhecida também por hora canônica, o cair da tarde, quando Vênus (Vesper, em latim) costuma aparecer. E se transferiu assim para as delícias do Céu e para celebrar com todos o interminável repouso do sábado. 

[...]

Nas palavras do padre Montanhese, biógrafo brasileiro:

A notícia da morte da santa correu célere por todo o país. O luto era geral. Eles tinham perdido não um governante, mas sim uma mãe. Todos tinham certeza que Edwiges já estava junto a Deus, no Céu, atuando como a grande intercessora que sempre foi. O que aconteceria depois pode ser comparado a uma chuva de milagres. De todas as partes ouvia-se falar de curas miraculosas envolvendo as doenças mais perversas. Os endividados eram perdoados e salvos do perigo de morte. Houve até mesmo caos de mortos que retornaram à vida. p. 86.

O enterro aconteceria – malgrado os desejos de Edwiges – na igreja do mosteiro de Trebnitz, no mesmo salão onde estavam os restos mortais do marido Henrique e do filho Conrado. O túmulo dela ficaria à direita do altar e o de Henrique em frente. Porém, como ela havia previsto, as monjas iriam se arrepender dessa decisão. As multidões que visitavam o túmulo – e nos primeiros anos as romarias aconteceriam de forma tumultuada – acabaram com o silêncio do retiro. Em pouco tempo, Trebnitz se tornou um ponto de intensa peregrinação. [9]. Não haveria mais tranquilidade nem mesmo para a simplicidade das orações.


_______________________

7. Um dos sete sacramentos da Igreja Católica. Sacramento: sinal sagrado instituído por Jesus Cristo pra distribuição da salvação divina àqueles que, recebendo-o, fazem uma profissão de fé. Espécie de bênção aos doentes com um óleo próprio, o óleo dos enfermos. Além da extrema-unção, os outros sacramentos são: batismo, crisma (ou confirmação), eucaristia, penitência (ou confissão), ordem e matrimônio.

8. Outras ervas e sementes usadas como remédios nessas receitas: menta, louro, gengibre, limão, calêndula, camomila, Artemísia e pimentas. No caso de Edwiges, sabe-se que os médicos aplicavam nas feridas uma pomada à base de ervas, pimentas e bálsamo, sendo que as resinas eram utilizadas como amálgama para atingir a textura ideal. No caso dos expectorantes e descongestionantes, quase sempre feitos com menta, eucalipto e hortelã, o amálgama era parafina, que ajudava a moldar a massa aromática como uma bola.

9. O mosteiro de Trebnitz, depois de sobreviver a diversos incêndios e depredações ao longo dos anos – inclusive durante a Guerra dos Trina Anos, em 1648 –, foi desativado em 1810, com a morte de Dominica von Giller, sua abadessa. Parte do edifício seria vendida para dar lugar a uma fábrica de roupas. Atualmente, uma ala abriga a Casa das Irmãs de São Carlos, que administra o hospital conhecido por Trebnitz. A igreja ainda existe os túmulos de Henrique e Edwiges também.  

 

 

31 de agosto de 2025

TRECHOS DO LIVRO: EDWIGES - A SANTA LIBERTÁRIA (4ª PARTE)

O valor da liberdade

[...].

Algumas das histórias, envolvendo milagres de Edwiges, aconteceram quando Henrique I ainda estava vivo e exercendo seu pleno poder de duque:

Havia na região do mosteiro de Trebnitz um pobre que furtara um pernil de um vizinho. Preso, foi levado à presença do duque Henrique, marido de Edwiges, que o condenou à morte, exigindo a execução rápida e sumária do salafrário. Os parentes do condenado, sabendo da fama de Edwiges, foram procura-la pedindo clemência para o preso. Como sempre acontecia, ela acabaria atendendo às súplicas dos visitantes, argumentando com o marido que tinha sido um “erro pequeno para uma pena tão grande”. Henrique respondeu, um pouco constrangido, que era tarde demais, pois o condenado já devia estar enforcado. E concluiu que, acaso o homem ainda estivesse vivo, ele o perdoaria. Edwiges chamou um soldado de nome de Henrique Cato e mandou-o correr ao local da execução. Quando o soldado chegou, encontrou o corpo já balançando na corda, inerte. Tirando a espada da bainha, o soldado cortou a corda e o enforcado estatelou no chão. Em seguida, levantou-se são e salvo e correu para onde estava a duquesa Edwiges, agradecendo pelo verdadeiro milagre: ele estava livre.  

Este episódio foi apresentado oficialmente ao Tribunal de Roma diante dos procuradores Nicolau e Wirbina – um parente de Edwiges que estava ao lado quando o “milagre” aconteceu. p. 68.

Outro caso semelhante de enforcamento envolvia um facínora que fora julgado e condenado por ser inimigo do duque. Henrique ainda tentou evitar que Edwiges soubesse da condenação, orientando seus oficiais que a execução acontecesse nas primeiras horas do dia seguinte. A crônica dos Acta registra o episódio:

Quando Edwiges, segundo seu costume, estava se dirigindo à igreja para as orações diárias, encontrou Henrique no meio do caminho. Ela, que tinha conhecimento dos fatos, acusou-o de crueldade anticristã, exigindo a absolvição do homem que fora condenado pelo simples motivo de ser inimigo político dele. Henrique respondeu: “Eu o libertaria, mas ele já está morto”. Edwiges conseguiu reunir alguns delegados que a acompanharam até o local da execução, onde alguns corpos permaneciam pendurados. E, com relação àquele que julgavam morto, foi encontrado vivo. E, assim, sem nenhum ferimento, foi conduzido à presença de sua protetora, a incrível duquesa Edwiges. 

Muitos relatos falam da interferência de Edwiges também em casos de doenças e premonição. Não era de estranhar que, envolvida com extrema dedicação no tratamento de um exército de enfermos, doentes contagiosos e terminais, houvesse ela colhido um jardim de milagres com suas rezas e afetos. Existem pelo menos três histórias versando sobre uma determinada doença nos olhos, assim descrita na versão dos Acta: 

Uma freira do mosteiro de Trebnitz de nome Gaudência fora vítima de um problema realmente incômodo, que se traduz numa espécie de película esbranquiçada a cobrir os olhos, impedindo a visão. Uma cortina. Ela procurou Edwiges alegando que o problema a estava prejudicando em tudo na vida, inclusive nos ofícios religiosos. No outro olho havia uma pequena parte da pupila que era insuficiente para reconhecer as pessoas. De nada adiantavam os esforços de irmã Juliana, outra freira do mosteiro, que desde o início cuidava da amiga. Quando Edwiges chegou aos aposentos da enferma, esta ajoelhou-se aos seus pés, implorando sua atenção para os olhos infectados e a cegueira. Edwiges reagiu com humildade, negando qualquer santidade:

Deus te perdoe, pois sou apenas um ser humano frágil como um vaso de barro. O que tu estás pedindo é coisa que só o Poder supremo pode fazer. É melhor rezar para Ele e não esperar o meu benefício”. 

A freira Gaudência insistiu, pedindo um gesto apenas. Edwiges, movida pela piedade e considerando as circunstâncias, traçou o sinal-da-cruz sobre os olhos da enferma, dizendo:

 – “Irmã caríssima, que o Senhor te abençoe!”

No mesmo momento a mancha desapareceu – e a visão completa seria recuperada em algumas semanas. Tudo indica que estejamos falando de duas doenças comuns e semelhantes na aparência: catarata e/ou pterígio, frequentemente confundidas pelos leigos. Como revelam os compêndios médicos, ambas as doenças costumam aparecer em pessoas que trabalham ou vivem em lugares com muito vento ou poeira, provocando ardor e queimação. Outras premonições e visões seriam preditas pela santa Edwiges, mas para não ficar muito redundante, resumidamente serão descritas. A primeira visão aconteceu numa noite de natal, sobre a ocorrência de uma grande mortandade que aconteceria, e foi o que aconteceu. Uma grande carestia assolou o ducado e muitos pobres morreram de fome e frio. A outra visão era a respeito de Isabel, a filha de sua irmã Gertrudes, sua sobrinha. Um mensageiro chegou ao mosteiro anunciando seu falecimento. Edwiges reagiu com rapidez: “A notícia que acaba de dar não é de tristeza, mas de júbilo. Ela foi para o Céu”. Tempos depois, Isabel seria declarada santa pela igreja. 


A ação de graças

Sabe-se que essas histórias e a mística de Edwiges assombravam as monjas e criadas que moravam no mosteiro. Todos se apegavam com fé ao seu carisma espiritual, procurando um bálsamo para suas dores do corpo e da alma. A beata negava qualquer milagre, mas, a cada tentativa de evitar a divulgação dessas histórias, mais o mito se consolidava. Uma mulher chamada Catarina, considerada criada especial do mosteiro, conhecida como hóspede [6], depois de penar com uma doença grave, agora estava convencida de que seu retorno à vida, após três dias de coma profundo, era mais um milagre de Edwiges. Catarina chegou a ser considerada morta, pois quando alguém havia aproximado uma vela acesa do seu dedo indicador, não houve reação alguma. Considerando que Edwiges tinha dito, após uma sessão de ladainha, que Catarina iria renascer a qualquer momento, quando a mulher recuperou a consciência e voltou a falar, todos creditavam os méritos à beata: “Milagre”, exclamavam. 

[...].

Certa vez, Catarina testemunhou um episódio envolvendo a cegueira de uma senhora de origem alemã, que recuperou a visão logo após Edwiges benzê-la com o sinal-da-cruz sobre os olhos. A mulher chorava por ter recebido de volta a luz, jurando venerar eternamente Edwiges, que reagia contrariada: “Não fui eu, mas o Senhor que te iluminou e te fez enxergar. Dedique a Ele teus agradecimentos”. 

Testemunhas que conviveram com Edwiges dizem que ela mantinha sempre o rosto imperturbável, mesmo diante de grandes calamidades. Sua enorme paciência vencia todas as vicissitudes do cotidiano. Seu comportamento tolerante desconcertava as pessoas. Era serena e afável, virtudes que caracterizam a essência de uma “santa pessoa”. Eis um trecho dos Acta: 

Nas cerimônias solenes da abadia, como acontecia na Quinta-feira Santa, Edwiges lavava os pés das monjas e dos doentes. Certa vez, sendo uma Quinta-feira Santa, a filha Gertrudes surpreendeu a mãe ao insistir em lavar seus pés. Foi quando a irmã Juliana, uma irmã residente, percebeu manchas de sangue na água e feridas nos pés de Edwiges. Eram chagas vivas de onde vertia o sangue da mártir. Ela procurava imitar a Paixão de Cristo martirizando o próprio corpo. 

Ao chegar a Sexta-feira da Paixão, Edwiges guardava um rigoroso jejum, fazendo o exercício de abstinência mais radical do ano. A falta de água e a sede tornavam sua boca e língua secas como uma lixa. Eram uma prática de martírio obedecida também por Francisco de Assis que, referindo-se às cinco chagas, tornava concreto o símbolo da stigmata – a perfuração miraculosa das mãos, dos pés e do flanco de Francisco, como se fosse produzida por pregos, repetindo as feridas de Jesus crucificado. [...].

[...].

Para efeito estatístico, existem dezenas (mais de trinta) relatos biográficos dos milagres de Edwiges nos Acta Sanctorum, agrupados nos capítulos “Milagres de Santa Edwiges durante a sua vida” e “Milagres de santa Edwiges após a sua morte”. Esse trabalho, de autor desconhecido (como referido nas considerações preliminares), apresenta uma seleta de histórias e prodígios conhecidos como Legendas de Santa Edwiges. 


O Martírio

O ano de 1243 foi de luto e ressaca na Silésia. Depois de dois anos de guerra, os exércitos mongóis finalmente tinham deixado o território polonês, seguindo em direção à Hungria, onde iriam promover outras ruidosas conquistas. O momento era de trégua, apesar do cenário caótico e desolador. [...]. 

Nesses dias, Edwiges, magra e doente, conheceria um monge chamado Jacinto (Hyacinth, em polonês), nascido de uma família nobre da Alta Silésia. Como Edwiges, ele também era dedicado aos pobres e necessitados. depois de peregrinar durante anos pela Áustria, Boêmia, mar Negro, Suécia e China, Jacinto está de volta à Cracóvia, sua terra natal. Ele reencontraria um lugar profundamente afetado pelos efeitos da guerra. As cidades tinham sido praticamente abandonadas por seus habitantes, que levaram as riquezas e deixaram os doentes e os feridos. O trabalho de Jacinto – cuidando das vítimas – no mosteiro dos Dominicanos (ele foi um dos primeiros apóstolos da Ordem) chamaria a atenção da Igreja e de Edwiges. Ele era 11 anos novo e viveria o suficiente para deixar um rastro de bondade e dedicação em seu caminho. É certo que Edwiges, gozando de grande reputação em vida, exerceria forte influência em Jacinto, que seria canonizado em 1594 pelo papa Clemente VIII com o nome de São Jacinto.

Jacinto e as monjas de Trebnitz, guardando as respectivas distâncias, seriam testemunhas da impressionante via crucis de Edwiges, agora flagelando-se até sangrar. Assim ressalta padre Ivo Montanhese, seu biógrafo brasileiro:

Podia-se dizer que Edwiges trazia a Paixão de Cristo em seu próprio corpo. Ela bem poderia exclamar: Estou pregada na cruz com Cristo”. 

[...]

_______________________

6. O termo hóspede aparece com maior frequência a partir do século XII e designa, como o nome indica, um forasteiro. Em sua versão masculina, é uma espécie de colono, um imigrante em busca de terras novas para cultivar. Com o crescimento da miséria no campo, os hóspedes cresciam na mesma proporção. Na abadia de Dunes, na França, em 1150, eles somavam 36 trabalhadores. Cem anos depois este contingente era de 248 pessoas. Quase sempre vinham de países sem liberdade e/ou oportunidades, e eram facilmente catalogadas como pessoas à margem do sistema produtivo. 



26 de março de 2025

TRECHOS DO LIVRO: EDWIGES - A SANTA LIBERTÁRIA (3ª PARTE)

Livro; Edwiges - A santa libertária; Toninho Vaz; Evangelhos
Uma Tragédia Familiar

Disputas violentas entre parentes – incluindo pais e filhos – beiravam a banalidade na Idade Média e eram decorrência de uma desesperada luta pela posse da terra, única forma possível de poder para um senhor feudal. Atos de crueldade promovidos por príncipes poloneses resultaram em inquérito instaurado pelo papa Gregório IX, que acusava Henrique de injúria e danos morais ao bispo de Gnensen e outras autoridades eclesiásticas. Essas questões ficaram conhecidas na história como Querela das Investiduras, a maior disputa entre a Igreja e o Estado, que regulava o papel e a importância do príncipe e do bispo no comando das ações. A questão começara no século XI e atravessaria o século XIII, quando os Estados se consolidavam pelas forças militares e ousadia dos príncipes.

No caso de Henrique, ele não apenas desdenhou as admoestações do papado como desautorizou seus procuradores a abrirem qualquer processo de defesa – levando as autoridades de Roma a pedirem sua excomunhão, que seria finalmente consumada pela retumbante decisão papal. Sabe-se que Edwiges sofreu muito nesse período, pois considerava uma tragédia a exclusão de Henrique do Reino dos Céus.

Parece não haver dúvidas de que Henrique era um homem valente e determinado, que não fugia à luta quando necessário. Em 1227, durante os conflitos deflagrados pela disputa familiar entre Otto, da Alemanha, e seu filho Wladislau, o nobre Henrique – que tinha uma aliança militar com o imperador – acabou gravemente ferido, sendo salvo das lanças por um soldado de nome Peregrino de Weszemberg, que acabou morrendo pela espada inimiga. Otto foi derrotado e expulso de suas terras pelo próprio filho. Mesmo ferido, Henrique conseguiu escapar e dias depois estava curado.

Durante uma disputa entre príncipes regionais – poloneses versus pomeranos –, Henrique I acabou prisioneiro do filho Conrado. Isso acontecia porque os herdeiros, ao adquirir terras e autonomia, ganhavam também uma dose extra de responsabilidade, ambição e ousadia, fazendo com que muitas vezes os laços familiares fossem superados por interesses políticos. Assim acontecia com Conrado, que num passado recente tinha sido o favorito do pai e, agora, tornara-se seu algoz.

Determinado em aumentar seu poderio na região. Conrado decide invadir uma missa e fazer de seu pai Henrique prisioneiro. Seu destino estava marcado: o filho decide mandar o pai para a região da Mazóvia. Foi Edwiges quem corajosamente viajou horas numa carruagem para apresentar-se diante do filho em defesa do marido. Dizem os relatos que Conrado, que já tinha recebido pedidos idênticos de outras autoridades influentes, capitulou diante da própria mãe. Como um anjo, ela o ameaça com a justiça divina – o que teria feito Conrado libertar o pai imediatamente. Seu poder de argumentação recebia em certos momentos o reforço de um enérgico tom messiânico, quase divino. Nos Acta Sanctorum, esse momento ficou assim registrado:

Quando Edwiges apresentou-se diante do filho, que inspirava ferocidade, este se transformou completamente, assumindo um aspecto lamentável, de alguém pilhado em flagrante, cabisbaixo, apavorado mesmo, ouvindo a mãe e prometendo humildemente fazer tudo o que ela mandasse. p. 52

O desfecho deste episódio revela que, com sua atitude determinada, Edwiges conseguiu não apenas a libertação imediata do marido, mas a reconciliação dos príncipes. Os registros dos Acta revelam que:

Henrique, o Pai, acabou deixando para Conrado a monarquia da Polônia e a tutela dos filhos do irmão Boleslau. Todos esses tratados foram firmados por juramento solene. Edwiges conseguia restabelecer a paz entre os príncipes.

[...].


A purificação

[...].

A fama da austeridade de Edwiges ultrapassava as paredes do mosteiro, criando um uma verdadeira onda (comentários) sobre seu retiro e modo de vida, onde o jejum era uma forma importante de mortificar e purificar o corpo e o espírito, como registram os Acta:

Observava o jejum todos os dias do ano, com exceção dos domingos e principais dias festivos, quando chegava a tomar duas refeições. Durante quarenta anos se absteve do consumo de carne e gorduras. Uma vez, seu irmão dom Egberto, bispo de Brambemberg, com quem ela mantinha boas relações, censurou-a por causa da severidade do regime. Dizia que ela não podia sacrificar sua vida a tal ponto. Ela, entretanto, se recusou a atender às ponderações do irmão dizendo que, com a ajuda de Deus, pretendia levar a cabo aquelas práticas de purificação que adotara exatamente por amor a Ele.

Certa vez, quando estava doente e fraca, Edwiges foi censurada pelo marido por só beber água morna nas refeições, recusando o vinho, que já nessa época era considerado saudável por suas propriedades medicinais. Contam os Acta:

Henrique ficou indignado, primeiro porque julgava aquele radicalismo realmente exagerado; e, segundo, porque a mentalidade da época atribuía à falta de vinho o frequente mal-estar que acometia a maioria das mulheres. Dizem os relatos que certo dia Henrique I chegou de surpresa à mesa onde Edwiges estava tomando a refeição, pegou a bilha que estava à frente dela (com água) e levou-a à boca. Afirmam as testemunhas que Henrique provou o esplêndido sabor de um vinho fino, reagindo com severidade ao delator, um servo do mosteiro de nome Chevalislau, que jurava ter colocado água na bilha, como fazia todos os dias. Era mais um milagre de Edwiges, agora transformando água em vinho. No final, ela ainda consolou o delator, que ajoelhado a seus pés pedia perdão e jurava inocência: “Minha Santa Edwiges, eu tinha a melhor das intenções, pois temia pela sua saúde...” Este episódio revela o prodígio de Edwiges, que assim fortalecia sua devoção.

Do ponto de vista da solidariedade, a devoção de Edwiges, aliada à sua riqueza pessoal, permitiram que durante duas décadas ela pudesse construir uma grandiosa obra social, erguendo e colocando para funcionar vários hospitais e mosteiros. Este capítulo vai tratar apenas das obras inteiramente executadas pelo casal, deixando de lado a recuperação e a restauração de hospitais e igrejas menores – que somam mais de uma dezena. As ações assistenciais de Edwiges visavam ao conforto do corpo e da alma dos necessitados. p. 55

[...], o primeiro mosteiro construído por Henrique e Edwiges, depois de Trebnitz, seria a Casa Saganense (na aldeia de Sagano), em 1207, onde antes existia a abadia de Santa Maria de Arena. [...]. Em seguida, veio o mosteiro de Camencz (ou Kamenza), cujas obras começaram em 1207 e terminaram em 1216. [...]. No decorrer dos anos, muitos monges de diferentes ordens passaram por ali: os Cônegos Regulares saíram de Camencz em 1222 e foram substituídos pelos Cistercienses, que ali permanecem até os dias de hoje.

A quarta obra de importância construída na Silésia pelo casal Henrique e Edwiges seria o hospital e Albergue dos Estrangeiros, em Vlatislávia (como os poloneses chamavam Breslau). Eles atendiam a um pedido de ajuda de dom Witoslau, abade do mosteiro dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho. Foi o próprio Henrique, o Barbado, quem lançou a pedra fundamental e financiou a construção do hospital, que tinha capacidade para atender sessenta pessoas. Toda a administração humana, digamos, do hospital era de responsabilidade de Edwiges, que orientava enfermeiros e serventes, tratando pessoalmente dos doentes como na casa de Lázaro, ela dizia. [...]. Em seguida, fazendo uma conexão com o que acontecia em Assis, na Itália, Edwiges planejou e executou a construção do mosteiro de Goldberg (monte áureo), que a seu convite seria administrado pelos frades menores ou franciscanos. O mosteiro nascia apoiado financeiramente pela Fundação do Monte Áureo, que seria inaugurado entre 1219 e 1220. [...]:

A divina Edwiges consagrou esse lugar aos estudos da doutrina e da religião antes dos anos 300. Com grandes gastos, mandou buscar frades franciscanos em Assis, uma cidade na região da Úmbria, na Itália, onde um homem religioso chamado Francisco reunira um pequeno grupo de pobres. Estes frades, também conhecidos como mendicantes, foram instalados primeiro na aldeia de Monte Áureo, onde foi criada uma escola para propagar o Evangelho na língua local.

[...]

Outras iniciativas de Edwiges, incluídas na categoria “obras assistenciais”, se seguiram com a construção do convento Henricoviense, que ficou pronto em 1227, e seria administrado pelos monges Cistercienses. Essa obra vinha anexada ao Instituto Eclesiástico Henricoviense, uma forma jurídica criada para captar recursos oficiais. [...]. (p. 58). A sétima e última obra de Edwiges, a construção do mosteiro de Boleslávia (antiga Bunzlau), em 1234, administrado pelos Monges Pregadores, consolidava uma das maiores iniciativas sociais da Idade Média. Pouco depois, esse mosteiro seria atacado, destruído e os monges mortos, inaugurando um período de fúria e violência que devastaria grande parte do território europeu. Eram os mongóis arrombando os portões dos castelos e abadias.

 

Uma vida exemplar

Ano de 1238. Apesar de longo tempo passado em frentes de batalha, Henrique I, o Barbado, iria morrer de doença e não de valentia, como era de se supor. Um pouco antes, Edwiges havia conseguido (com a ajuda dos filhos religiosos) uma absolvição papal para o marido, alegando que sua obra de caridade deveria neutralizar os motivos da excomunhão. Era, como se dizia no direito canônico, uma “questão rescindível”, que permitiria a Henrique recorrer da decisão. E assim foi feito. Agora, quando estava na região da Crosna, Henrique fora acometido de um mal súbito – uma doença não identificada, talvez infecção seguida de febre – e faleceu, longe de casa. Quando Edwiges chegou, Henrique já estava morto, cercado de servos de uma enfermaria que se lamuriavam diante do cadáver do patrono [3]. “Senhora, até o último instante seu esposo continuou chamando pelo seu nome”.

Por iniciativa de Edwiges, o marido seria também sepultado no mosteiro de Trebnitz, ao lado do filho Conrado. Trebnitz era, sem dúvida, o mais rico e bonito entre todos os mosteiros que havia na Silésia – e não eram poucos. Em seu túmulo está esculpido o epitáfio:

Tento chorar aqui, oh, duque Henrique, honra da Silésia. Aqui jaz ele, como um alicerce deste imenso fundamento (o mosteiro), pleno de virtudes: asilo dos necessitados, escola de costumes, castigo dos culpados. Reza, sejas tu quem fores, tu que daqui a pouco tiveres a felicidade de encontrar este lugar bom para o descanso, reza!

A morte do marido foi determinante pra Edwiges radicalizar uma postura de devoção ao espírito, elevando suas virtudes aos patamares clássicos da santidade. O filho Henrique II, o favorito de Edwiges, seria agora o herdeiro político do pai. As exéquias pela morte de Henrique I (uma mistura de homem religioso e senhor feudal) motivaram testemunhos eloquentes das freiras de Trebnitz, segundo Acta:

Enquanto todas choravam inconsoladas pela perda do excepcional protetor e patrono [4], como era visto o fundador de Trebnitz, Edwiges, sem derramar uma lágrima, se apresentou ante as irmãs censurando-as pela fraqueza de coração. Dirigia-lhes palavras de conforto para amenizar a tristeza. Não que ela nada sentisse pela morte do marido – que em vida tanto amara –, mas porque sempre se curvava diante da vontade divina. Ela também avaliava que, próxima de outras monjas, deveria ser um exemplo de constância e paciência. p. 60

Apesar disso, ela nunca aceitou oficialmente o título de religiosa ou monja – com reconhecimento pelo bispo –, preferindo trabalhar na condição de leiga. Argumentava que o voto de pobreza iria impedi-la de manter o patrimônio e, consequentemente, de continuar ajudando os pobres e necessitados. Ela nada queria para si, mas sabia muito bem como administrar seu patrimônio.  


A vida no Mosteiro

Houve um momento na vida de Edwiges em que toda a sua atenção estava voltada aos pobres e necessitados. Sua fama como beata milagrosa atraia a curiosidade de peregrinos que passavam pela Silésia – quase sempre a caminho de santuários franceses e espanhóis. Santiago de Compostela, na região da Galícia, era considerado um lugar místico para os católicos romanos, desde que no século IX anunciou-se a descoberta dos ossos do apóstolo São Tiago – James em inglês e Santiago em espanhol – naquelas plagas. A romaria de fiéis seguindo a estrela-guia passou a ser contínua e sistemática, até tornar-se atração turística [5]. Ao longo do sinuoso trajeto pelo território europeu, infestado de tribos nômades e selvagens, os peregrinos podiam contar, eventualmente, com a proteção dos Cavaleiros Templários.

O papa, entre 1227 e 1241, era Gregório IX, criador do Tribunal Eclesiástico da Inquisição, instituição que prendia, julgava e condenava os hereges. Foi Gregório quem proclamou santos Francisco de Assis, Domingos de Gusmão (Ordem dos Dominicanos), todos contemporâneos de Edwiges e mendicantes. [...]. O papa Gregório também se notabilizou pela luta travada durante anos contra a arrogância do imperador Frederico II e seus explícitos interesses pecuniários. p. 66. [...]. Fora Gregório também quem, alguns anos antes, acusara Henrique I, o Barbado, de violar as imunidades eclesiásticas em seu ducado, perseguindo e taxando as terras da Igreja. [...].

___________________

3. Patrono era o provedor do mosteiro ou abadia. Era o chefe – caput mansi –, como se refere um auto dos arquivos clunisianos.

4. O historiador Steven Runciman, em A História das Cruzadas, registra: “Depois de conquistar Kiev, na Ucrânia, parte do exército mongol seguiu para a Polônia, ao norte, pilhando Sandomir e Cracóvia. Houve uma batalha em Wahlsdadt, quando as tropas do duque Henrique seriam desbaratadas. Após devastar a Silésia, os mongóis foram para o sul, atravessando a Morávia até a Hungria”.

5. A passagem bíblica do Evangelho Segundo Marcos destaca aquela que seria a primeira peregrinação no mundo cristão: a dos três Reis Magos seguindo a estrela cadente até o recém-nascido menino Jesus. Assim que Baltasar, Melquior e Gaspar chegaram à manjedoura, em Jerusalém, no dia 6 de janeiro do primeiro ano da era cristã, ofereceram ao recém-nascido ouro, incenso e mirra.  


18 de janeiro de 2025

O pecado da luxúria – masturbação, pornografia e seus males

 

O pecado da luxúria – masturbação, pornografia e seus males; pornografia; luxúria; livros; download


Introdução: O texto ajudará a todos que estão precisando de libertação espiritual dos vícios contra a castidade. No final do artigo, deixarei dois livros linkados para download, sobre os métodos psicoterapêuticos usados para vencer os vícios da pornografia.


ALGUMAS PESSOAS, POR IGNORÂNCIA, vêm confundindo o significado da palavra "luxúria", imaginando que se trataria da qualidade de alguém que vive no luxo. O significado verdadeiro do termo, porém, nada tem a ver com "luxo". Luxúria é a corrupção do próprio corpo, a lascívia, a sensualidade exacerbada, com uma tendência para o abuso do prazer sexual.

O ato sexual saudável não pode ser dissociado da relação estável, amorosa e santificada entre um homem e uma mulher (que é a definição correta do termo 'casal'), e nem da reprodução humana, do levar adiante as gerações. Usar o sexo somente para diversão, como se fosse uma forma de lazer, fatalmente trará consequências negativas para a vida da pessoa que o pratica e para as vidas dos seus próximos.

Quando a Igreja diz que devemos usar o sexo somente dentro do casamento, não é para reprimir nem privar ninguém da sua liberdade. Essa não é uma postura castradora contra o jovem, que quer descobrir as boas coisas da vida e desfrutar delas alegremente, sem culpas. O que a Igreja faz é, ao contrário, nos ajudar a encontrar a verdadeira e perfeita liberdade prometida pelo Cristo. “Se o Filho do Homem vos libertar, sereis verdadeiramente livres” (João 8, 36). Acontece que ser livre não é fazer tudo aquilo que queremos, do jeito que queremos e na hora em que quisermos. Ser livre é ser senhor de si, é saber e poder dominar os próprios desejos e inclinações, quando nos levam para caminhos que vão nos gerar problemas, dores e sofrimentos. Nós somos ainda imperfeitos, e em muitos aspectos somos como crianças engatinhando, aprendendo a viver. Por isso, o Senhor diz: “Se não estiverdes em Mim, nada podereis fazer” (João 15, 5).

Assim, tudo aquilo a que nos entregamos sem medidas, sem nos educarmos, pode nos escravizar. Mesmo as coisas boas podem se transformar em vícios que nos privam da liberdade que Deus nos dá, e o sexo aí se inclui. Na realidade, a prática sexual desordenada tem um potencial tremendo para se tornar um dos piores vícios que podem existir, escravizando-nos cruelmente. Se não for combatida, pode levar à animalização do ser humano, e muitos casos desse tipo foram relatados como alerta em testemunhos impressionantes. Esse é o caso de Joseph Sciambra, que está relacionado à diabólica indústria da pornografia, como veremos a seguir.


Pornografia: um capítulo à parte

Muito se pergunta se a masturbação é um pecado mortal ou venial. O Catecismo atual parece indicar que se trata de um pecado relativamente leve, algo que provoca muita confusão e que sem dúvida tem induzido muitos jovens a esse vício terrível. Porque há uma questão fundamental envolvida no ato da masturbação que poucas vezes é abordada, e é esta: de qual recurso a pessoa se serve para se masturbar?

A resposta à pergunta feita, quase sempre, é a mesma: para se masturbar, recorre-se à pornografia. As duas coisas – masturbação e pornografia –, quase sempre vêm juntas. E se o ato da masturbação em si pode não ser considerado um pecado mortal, já o consumo de pornografia é, sem dúvida, um pecado grave, por várias razões. Primeiro, porque quando um homem consome pornografia, inevitavelmente ele cobiça intensamente a(s) mulher(es) que está(ão) atuando naquele filme, ou posando naquelas imagens. Eis aí um pecado grave, que vai contra três Mandamentos divinos (6º, 9º e 10º). Em segundo lugar, aquele que acessa um site pornográfico está, queira ou não, incentivando e ajudando aquele veículo a prosperar, com a sua visita, porque é de acessos que essas plataformas sobrevivem.
Mas os males da pornografia vão ainda muito além. Contaremos aqui a emblemática história de Joseph Sciambra, uma verdadeira jornada rumo ao Inferno deste conhecido ator pornográfico homossexual norte-americano, que por graça divina se converteu à Fé católica. Em seu livro "Swallowed by Satan" ['Tragado por Satanás'], ele relata como Nosso Senhor o salvou "da pornografia, da homossexualidade e do ocultismo" (palavras dele). Disponibilizamos a seguir um breve resumo da sua história, publicado no site do Padre Paulo Ricardo.

Tudo começou no norte da Califórnia, onde Joseph nasceu, em 1969. Enquanto o movimento homossexual criava uma espécie de "bairro gay" no distrito de Castro, San Francisco, o rapaz crescia folheando revistas pornográficas. Embora fosse mandado para colégios católicos desde o jardim de infância, a educação liberal que recebia naqueles recentes anos pós-Concílio Vaticano II não tinha nada a ver com a verdadeira fé da Igreja. Sciambra cresceu sem fé: nem sequer sabia quem era Jesus Cristo.
Nessa situação trágica, já viciado em pornografia, Joseph foi atrás de sexo mais "emocionante". À procura de descargas de dopamina cada vez maiores, passou a consumir material homossexual, apenas porque era diferente, muitas vezes mais radical que o sexo normal. Esse é, na verdade, um roteiro muito comum entre os dependentes de pornografia. Como o cérebro da pessoa vai ficando "dormente" aos conteúdos ditos "softcore" (pornografia mais leve), o adicto busca drogas cada vez mais pesadas: da nudez e do sexo heterossexual, passa ao sexo contrário à natureza, chegando até as relações violentas e repugnantes, com fetiches absolutamente monstruosos. Um abismo atrai outro abismo, e coisas que são extremamente repulsivas para qualquer pessoa normal vão se tornando aceitáveis e até atraentes para o viciado.

Com 19 anos de idade, Joseph passou a frequentar o distrito de Castro. No convívio com um homem mais velho que se tornara seu amante, começa a filmar suas performances sexuais, e a partir daí vai caindo mais e mais fundo no mundo da pornografia, agora como ator. Como, em suas palavras, o ser humano é incapaz de não acreditar em nada, Sciambra mergulhou no ocultismo: do esoterismo new age, chegou ao satanismo. Gravando cenas sexuais cada vez mais extremas e perigosas, porém, ele foi acometido por sérios problemas médicos, até adoecer e, por fim, chegar à beira da morte. Em uma "experiência de quase-morte" (near-death experience), Joseph se vê às portas do Inferno, escoltado por dois demônios. Desesperado, ele afinal clama pelo auxílio de Deus. Assim, ganhou uma nova oportunidade e voltou à vida.
Depois desse acontecimento e de uma longa jornada de conversão, Sciambra refez o caminho rumo à Igreja Católica. Desta vez, passou a estudar a sua verdadeira doutrina e não o arremedo inventado pelo Vaticano II. Em seu apostolado, passou a compartilhar a sua história, sobre como "desceu aos infernos" e, agora, leva uma vida de Fé e castidade. Hoje, o rapaz que passou boa parte de sua juventude em busca de parceiros sexuais, tem em São José o seu modelo de pureza e masculinidade.
No vídeo intitulado "Dead Gay Porn Stars Memorial", disponibilizado abaixo, Joseph Sciambra faz memória de um grande número de atores pornográficos homossexuais vitimados pela AIDS e de outros tantos que cometeram suicídio ou morreram por overdose de drogas diversas.

Na internet há muitos outros vídeos semelhantes, revelando o fim terrível de muitas pornstars ('estrelas do pornô) e o segredo sujo por trás dessa indústria de moer carne humana. Pesquisas comprovam, por exemplo, que 75% dos atores pornográficos são dependentes químicos e 88% das imagens encenadas por eles são verbalização de violência. Também são conhecidas várias histórias de atrizes pornográficas que, tendo conseguido sair deste mundo – no qual eram tratadas realmente como objetos ou animais –, trazem até hoje as dolorosas lembranças de seu passado, que nunca poderá ser totalmente apagado de sua psique. Os produtores desses filmes, preocupados apenas em ganhar dinheiro, contratam médicos que só querem saber de melhorar o desempenho sexual dos atores, enquanto sua saúde definha, muitas vezes até a morte.

Esse vídeo (assim como outros do mesmo tipo) nos dá ocasião para uma meditação. Ao olhar para aquelas faces jovens, de olhares tristes, como que mortos em vida, pergunte-se onde estão agora e em que estado de alma morreram. Ainda pior, todavia, pode ser o efeito que o seu "trabalho" causou nas vidas das milhares de pessoas que assistiram os seus filmes. Quantas tragédias custaram apenas um clique? Um clique que ceifa vidas humanas, alimenta a cruel e impiedosa indústria pornográfica e, sobretudo, lança almas – tanto as de quem produz quanto as de quem os consome – na perdição eterna.





Mesmo em vida, a pornografia deixa sequelas emocionais seríssimas, de modo que se pode dizer que realmente mata a capacidade humana de amar. Olhando para o ser humano, é possível notar algo que o distingue de todos os animais: a capacidade que tem de se privar voluntariamente de algo que desejam, por saber que lhe será nocivo ou por um bem maior. Os animais podem ser contrariados – quando, por exemplo, um macho deseja uma fêmea, mas outro, mais forte, o impede de acasalar –, mas não são capazes de se privar de alguma coisa voluntariamente, pelo bem do outro, como o homem é capaz.
Com o vício, essa capacidade humana fica tremendamente comprometida. A pessoa que vê pornografia e se masturba com frequência perde a própria força de vontade. Na medida em que cresce a dependência, pessoas chegam a se masturbar sem sequer sentir prazer, por puro impulso vicioso. Como, para proteger o organismo, os receptores dos neurônios bloqueiam a passagem de dopamina, cada ato sexual é cada vez menos satisfatório. É por isso que, depois de cada ato, os jovens ficam extremamente nervosos: já que não conseguiram o prazer fácil que desejavam, irritam-se. Há vezes em que essa ira fica contida, transformando-se em uma espécie de tristeza – trata-se da acídia, sobre a qual já falamos.

Fechadas em si mesmas e transformadas por uma visão completamente distorcida da sexualidade – as atrizes têm corpos esculturais e estão sempre dispostas ao ato; os atores sempre ostentam membros sexuais de tamanho muito acima da média comum; as práticas entre eles são sempre extremas e desprovidas de qualquer afeto –, as pessoas que consomem pornografia chegam a se tornar incapazes de uma relação sadia. O relacionamento conjugal é profundamente abalado. Aos esposos adictos, seguem-se esposas tristes e inseguras. As mulheres veem que não podem ter a beleza artificial e falsa das atrizes pornográficas. Muitos maridos, por sua vez, viciados na ilusão inventada pela indústria pornográfica, passam a sofrer de problemas como impotência e disfunção, porque também não se podem comparar aos verdadeiros garanhões humanos dos filmes.
A pornografia realmente mata o amor e desumaniza o ser humano. Que tenhamos, pois a coragem de assumi-la como a grave doença que é, e buscar a restauração.


Castidade e vida sexual saudável

O Sexto Mandamento de Deus trata dos pecados contra a castidade, que "significa a integração correta da sexualidade na pessoa e, com isso, a unidade interior do homem em seu ser corporal e espiritual" (CIC 2337). Ainda segundo o Catecismo, "todos os batizados são chamados a viver a castidade", cada um dentro do seu estado de vida. (CIC 2348)
O prazer sexual em si não é algo condenável, como muitos ainda imaginam, desde que seja vivido em harmonia com as suas finalidades: procriação e união. Isso quer dizer que aos casais, unidos em matrimônio e abertos à vida, é perfeitamente natural desfrutar dos prazeres da relação sexual. Somente quando esse prazer é dissociado de seu objetivo primeiro, sendo buscado como um fim em si mesmo, torna-se moralmente desordenado. A masturbação e a pornografia inserem-se nesse contexto. São, portanto, ofensas à castidade.
Já a masturbação é definida pelo Catecismo da Igreja como "a excitação voluntária dos órgãos genitais, a fim de conseguir um prazer venéreo. Na linha da Tradição constante, tanto o Magistério da Igreja quanto o senso moral dos fiéis afirmaram sem hesitação que a masturbação é um ato intrínseca e gravemente desordenado" (CIC 2352).


A consequência mais séria

Além de tudo, quando se usa e abusa do sexo indiscriminadamente, cedo ou tarde pode-se acabar gerando uma criança, e pior, provavelmente uma criança indesejada – e uma criança é para sempre. Justamente porque uma criança é para sempre, o relacionamento de duas pessoas que compartilham intimidades sexuais também deve ser para sempre. É simples assim. Afinal, toda criança tem o direito de ter um pai e uma mãe responsáveis. Por isso é que precisamos saber usar do sexo com uma pessoa que amemos profundamente, e com quem tenhamos intimidade, cumplicidade e estabilidade: nosso(a) esposo(a). "E serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem" (Mt 10, 8-9).

Vemos na sociedade humana global a família cada vez mais desagregada, e por quê? Em boa parte, justamente por causa do pecado da luxúria; por vermos o sexo como um tipo de lazer, um prazer individual, egoísta, uma diversão que serve para "desestressar" e que não exige responsabilidade nenhuma. Mas não foi assim que Deus planejou. Fato é que todas as vezes que vamos buscar sexo somente por prazer, voltamos um pouco piores do que fomos. Todas as vezes que uma pessoa faz sexo contra a estabilidade que deve ter, dentro da união matrimonial (que é a Vontade de Deus para nós), fica um sentimento depressivo de perda, de tristeza, de uma espécie de morte ou a sensação de que algo bom foi perdido, como um cristal que se quebra. Com o sexo gratuito cria-se uma ilusão, e a ilusão, claro, nunca corresponde às expectativas. Sempre se sai decepcionado, a alma vai se tornando a cada vez um pouco mais manchada.


Vencer a Luxúria

Para vencer a luxúria –, o desregramento de procurar a felicidade no sexo –, só há um jeito: cair na realidade. E cair na realidade significa não se deixar usar e levar por ilusões. O estilo de sexo trazido pela pornografia é claramente falso, fantasioso, artificial. Deturpa a dignidade humana até as últimas consequências. Satanás é o pai da mentira e o maior inimigo da humanidade, e o que ele diz? “Entregue-se, faça sem medidas e você vai ser feliz!”; mas quando você o escuta e faz como ele diz, não fica feliz, não alcança a plenitude que desejava e imaginava, ao contrário: tudo que acontece é um afastar-se de Deus e um tornar-se cada vez mais dependente, depressivo, privado da liberdade, do domínio sobre o próprio corpo.

O principal órgão sexual do ser humano é o cérebro. Quanto mais nos entregamos à nossa imaginação, às fantasias desmedidas, mais nos perdemos, mais nos tornamos escravos dos nossos próprios desejos. Como sair desse triste estado mental?
Através do contato diário, concreto e amoroso com Deus é que conseguimos reverter essa situação, ir além dessa tendência que se parece com a lei da gravidade: sempre nos puxa para baixo. Reze diariamente, vá a Igreja com frequência, ocupe sua mente com as coisas santas, o serviço ao próximo (sua paróquia com certeza está precisando de voluntários para diversos trabalhos e pastorais)...
Ajude o seu cérebro a se livrar das ilusões, aproximando-se cada vez mais de Deus, que é a Verdade, e da sua Igreja: quando surgir um desejo ou um ímpeto para a luxúria, reze ou vá praticar um ato de caridade. Implore a Virgem Santíssima que o liberte, e também a São José, seu castíssimo esposo e nosso pai espiritual. Sem dúvida é mais fácil falar do que fazer, mas assim é que se liberta a alma do vício da luxúria.








Referência

Blog: O fiel católico – FLSP: https://www.ofielcatolico.com.br/2008/02/o-pecado-da-luxuria.html




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