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domingo, 7 de abril de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: VIRTUDES TEOLOGAIS

Virtudes Teologais
EXPOSTA JÁ A TEORIA GERAL sobre as virtudes cristãs ou infusas e a correspondente aos dons do Espírito Santo, que as complementam elevando-as à sua máxima perfeição, vamos estudar agora cada uma das principais virtudes em seus três grupos fundamentais: teologais, cardeais, e derivadas destas últimas.
Comecemos, naturalmente, pelas virtudes teologais, que são, de longe, as mais importantes de todas as virtudes infusas.
Como se sabe, as virtudes teologais são unicamente três: fé, esperança e caridade. São as virtudes mais importantes da vida cristã, base e fundamento de todas as demais. Seu ofício é unir-nos intimamente a Deus como Verdade infinita (a fé), como suprema Bem-aventurança para nós mesmos (a esperança) e como sumo Bem em si mesmo (a caridade). São as únicas que estão em relação imediata com Deus, todas as demais se referem imediatamente a coisas distintas de Deus. Daí a suprema excelência das virtudes teologais sobre todas as demais.

I. A VIRTUDE DA FÉ
1. NOÇÃO

Em geral, se entende por fé o assentimento ou aceitação de um testemunho pela autoridade de que o dá. Se quem dá esse testemunho é um homem e cremos nele pela confiança que merece enquanto pessoa, temos fé humana; se quem dá esse testemunho é Deus e cremos n’Ele por sua autoridade divina, que não pode enganar-se nem nos enganar, temos a fé divina. Esta última é a primeira virtude teologal que estamos examinando.
Segundo estas noções, a fé teologal ou sobrenatural pode ser definida mais detalhadamente com a seguinte definição do Concílio Vaticano I:
“A Igreja a professa (a fé) como virtude sobrenatural, pela qual, sob inspiração de Deus e com a ajuda da graça, cremos ser verdade o que ele revela, não devido à verdade intrínseca das coisas conhecidas pela luz natural da razão, mas em virtude da autoridade do próprio Deus revelante, o qual não pode enganar-se nem enganar” (D 1789/ DH 3008).
Estudemos palavra por palavra esta magnífica definição, que nos dará um conhecimento cabal e muito completo do que é a virtude teologal da fé.
Virtude sobrenatural, quer dizer, infusa por Deus em nossa alma (entendimento), que rebaixa e transcende infinitamente toda a ordem natural, e seria impossível, por isso mesmo, adquiri-la somente pelas forças naturais.
Pela qual, sob inspiração de Deus e com ajuda da graça. Seria de todo impossível a fé sem a prévia noção e ajuda da graça; porque sendo, como acabamos de dizer, uma virtude sobrenatural que rebaixa e transcende infinitamente toda a ordem natural, o homem não poderia alcançá-la jamais abandonado às suas próprias forças naturais; é absolutamente necessário que a graça o mova e ajude a produzir o ato sobrenatural da fé. De onde seguem claramente duas coisas muito importantes: a) que a fé é um dom de Deus, totalmente gratuito e imerecido por parte dos do homem
e b) que os argumentos apologéticos que demonstram a credibilidade da religião católica podem nos conduzir até as portas da fé, mas não podem nos dar a fé, que em si mesma é uma realidade sobrenatural, que só pode ser efeito da livre doação de Deus mediante sua divina graça.
Cremos. É o ato próprio da fé. A fé não vê nada, se limita a crê-lo pela autoridade de quem dá o testemunho. Como se diz em teologia, a fé é de non visis, e aquele que exigisse a clara visão ou evidência intrínseca das verdades da fé demonstram não ter a menor ideia da natureza mesma da fé. A fé é incompatível com a visão, e por isso desaparecerá absolutamente no Céu ao ser substituída pela visão beatífica de Deus; o mesmo se dá neste mundo quando desaparece a fé humana em relação à existência de uma cidade, no mesmo instante em que pela primeira vez pisamos em seu solo.
Ser verdade, quer dizer, estamos firmemente convencidos e seguros da verdade de tudo quanto Deus se dignou revelar.
O que Ele revela. É o objeto material da fé, constituído por todo o conjunto das verdades reveladas.
Não devido à verdade intrínseca das coisas conhecidas pela luz natural da razão. Deixaria de ser fé sobrenatural caso se visse sua verdade intrínseca pela luz natural da razão. Sequer na fé humana se dá a visão de sua verdade intrínseca, pois é totalmente incompatível com a noção mesma da fé, fundada não na razão, mas no testemunho alheio.
Mas em virtude da autoridade do próprio Deus revelante. É o objeto formal, ou motivo da fé sobrenatural, que a específica e diferencia infinitamente de qualquer outra classe de fé.
O qual não pode enganar-se nem enganar. Em virtude dessa dupla impossibilidade, o assentimento sobrenatural da fé é firme e certo. Não há certeza física, nem matemática, nem metafísica que possa superar a certeza objetiva da fé sobrenatural. É a maior e mais absoluta de todas as certezas, já que todas as demais se fundam na aptidão natural de nosso entendimento para conhecer a verdade (ou seja, em algo puramente criado e finito), enquanto que a certeza da fé sobrenatural se funda na Verdade mesma de Deus, que é incriada e infinita. Impossível chegar a uma certeza maior.

[...].

II. A VIRTUDE DA ESPERANÇA
1. NOÇÃO

A esperança pode ser definida como “uma virtude teologal infundida por Deus na vontade, pela qual confiamos com plena certeza alcançar a vida eterna e os meios necessários para chegar a ela, apoiados no auxílio onipotente de Deus”.
Expliquemos um pouco a definição palavra por palavra.
a) É uma virtude teologal, porque – assim como a fé e a caridade – tem por objetivo o próprio Deus, que será nossa bem-aventurança eterna.
b) Infundida por Deus na vontade, pois seu ato próprio é certo movimento do apetite racional para o bem, que é o objetivo da vontade.
c) Pela qual confiamos com plena certeza. A esperança tende com absoluta certeza para seu objeto, não porque possamos saber com certeza que alcançaremos de fato a salvação eterna – a não ser por uma especial revelação de Deus (D 805/DH 1540) –, e sim porque podemos e devemos ter certeza de que, apoiados na onipotência auxiliadora de Deus (motivo formal quo da esperança), não pode antepor-se a nós nenhum obstáculo insuperável para a salvação.
d) Alcançar a vida eterna. É o objeto material primário da esperança. O objeto formal é o próprio Deus, enquanto bem-aventurança objetiva do homem, conotando a bem-aventurança subjetiva ou visão beatífica.
e) E os meios necessários para chegar a ela. É o objeto material secundário. Abarca todos os meios necessários para a salvação (graça, sacramentos, auxílios) e mesmo os bens naturais enquanto possam nos ser úteis para consegui-la.
f) Apoiados no auxilio onipotente de Deus. Esse é o objeto formal quo, ou seja, o motivo da esperança cristã: a onipotência auxiliadora de Deus, conotando a misericórdia e a fidelidade de Deus a suas promessas.
Não obstante, ainda que a potência auxiliadora de Deus seja o único motivo formal de nossa fé, podemos também, de algum modo, colocar nossa esperança em algumas outras coisas secundárias ou instrumentais que operam sob a ação principal de Deus. Tais são a humanidade adorável de Cristo que foi instrumento utilizado por Deus para nossa redenção; a Santíssima Virgem Maria, a quem invocamos na Salve Rainha com o doce nome de esperança nossa, e de quem esperamos que nos alcance de Deus a graça soberana da perseverança final; a intercessão dos anjos bem-aventurados do Céu; as orações dos justos na Terra, etc.

[...].

III. A VIRTUDE DA CARIDADE
1. NOÇÃO

A natureza íntima de uma coisa nos é dada a conhecer por sua definição, caso esteja bem feita. Vamos dar, em primeiro lugar, a definição completa e detalhada da virtude da caridade e, em seguida, examinaremos atentamente, palavra por palavra, cada um de seus elementos constitutivos. A definição soa assim:
A caridade é uma virtude teologal única, infundida por Deus na vontade, pela qual o justo ama a Deus por si mesmo com amor de amizade sobre todas as coisas, e a si mesmo e ao próximo por amor a Deus.
2
A caridade... A palavra caridade pode ser tomada em diversos sentidos. Pode ter, entre outros, os seguintes significados:a) O amor essencial com que Deus se ama a si mesmo e a todas as coisas por si mesmo. Se identifica, de certo modo, com a natureza mesma de Deus, segundo a sublime expressão de São João: “Deus é amor: quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4,16).
b) O amor pessoal no seio da Trindade Beatíssima, ou seja, o Espírito Santo em pessoa. Nesse sentido o usa a liturgia no hino de Pentecostes: “Fons vivus, ignis, caritas...”.
c) O amor de Deus em relação ao homem, principalmente na ordem sobrenatural, segundo Jeremias: “Eu te amo com amor de eternidade (in caritate perpetua)” (Jr 31,3), e São João: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou em nós: Deus enviou o se Filho único ao mundo, para que tenhamos a vida por meio dele” (1Jo 4,9).
d) O amor de benevolência, com que amamos sobrenaturalmente a Deus e ao próximo por Deus. Este é o sentido nos seguintes textos de São Paulo: “Quem nos separará do amor (caridade) de Cristo?” (Rm 8,25); “Se eu falasse as línguas dos homens e as dos anjos, mas não tivesse amor... eu nada seria” (1Cor 13, 1-2); “arraigados e fundados na caridade” (Ef 3,17); “suportai-vos uns aos outros na caridade” (Ef 4,2).
e) O amor de compaixão para com o próximo quando lhe socorremos por amor a Deus. Neste sentido qualificamos como caridosas todas as pessoas que dão esmolas, pois a esmola mesma é uma obra de caridade.
f) O hábito sobrenatural infundido por Deus na vontade de que já falamos na própria definição. É neste sentido que o empregamos aqui.
É uma virtude teologal. É virtude porque é evidentemente um ato bom e louvável em toda a extensão da palavra; e é teologal porque tem Deus como objeto próprio e imediato.
Única. A caridade, de fato, é uma virtude especificamente una em espécie, atômica, indivisível. Porque, mesmo que seu objeto material constitua objetos tão variados e diferentes entre si (Deus, nós e o próximo), o motivo do amor – que é a razão específica – é único: a divina Bondade em si mesma como objeto da bem-aventurança comum a Ele, a nós mesmos e ao próximo (cf. Suma Teológica, II-II,23,5).
Desta característica, do fato de que a caridade seja uma só virtude indivisível, mesmo recaindo sobre três objetos materiais tão diferentes, se desprendem duas consequências importantes:
1ª. O amor sobrenatural de nós mesmos ou do próximo por Deus tem o nível e a categoria de virtude teologal, porque tem sempre a Deus como motivo formal – que é a razão específica – mesmo sendo o objeto material distinto de Deus.
2ª. Quando nos amamos a nós mesmos ou ao próximo por algum motivo distinto de Deus (p. ex. por simpatia natural, companheirismo, compaixão de suas misérias, ou por simples parentesco natural, etc.) não fazemos um ato de caridade sobrenatural no sentido estrito da palavra, mas de uma simples virtude natural adquirida (p. ex. de filantropia, altruísmo, etc.) incomparavelmente inferior à caridade.
Infundida por Deus. Só Ele pode infundi-la em nós, já que, como virtude natural, o homem jamais poderia adquiri-la por suas próprias forças naturais. Deus a infunde no momento mesmo em que o pecador recebe a graça santificante (pelo batismo, a absolvição sacramental ou ato de perfeita contrição).
Na vontade. A caridade, como hábito infuso, reside na vontade, já que seu ato é um movimento de amor para com o sumo Bem, e o amor e o bem constituem precisamente o ato e o objeto da vontade (Ibid. II-II, 24,1).
Dessa doutrina se desprende uma consequência lógica muito importante, na qual o amor sensível não é necessário, nem tem nada a ver com a caridade sobrenatural, que é uma realidade suprassensível. Há grande caridade com pouco ou nenhum sentimento, e grande sentimento com pouca e até nenhuma caridade. Contudo, o amor sensível (“os consolos de Deus”) são também muito estimáveis e podem servir de incentivos para a intensificação do próprio amor divino e para as obras reclamadas por ele; com isso, todavia, não devemos nos apegar nem buscar a eles em si mesmos, o que supõe uma espécie de gula espiritual, como disse São João da Cruz.
Pela qual o justo. Dizemos o justo porque, mesmo a caridade se distinguindo realmente da graça santificante, ordinariamente estão sempre juntas. Um pecador pode fazer um ato de perfeita caridade sob a influência de uma graça atual, tendo por resultado a infusão da graça santificante na alma e a virtude na vontade.
Ama a Deus por si mesmo. Por Deus em si mesmo, entende-se a essência divina com todos os atributos e as três divinas pessoas. Mas note-se que o objeto formal da caridade (motivo quo na terminologia escolástica) é Deus enquanto sumo Bem; mas não considerado como objeto de sua bem-aventurança e da nossa. Amamos a Deus com amor de caridade, enquanto a Bondade divina, infinitamente amável em si mesma, está destinada também para nós mesmos: incoativamente
3 nesta vida pela graça e consumativamente4 na outra pela glória. É, simplesmente, um amor a Deus como amigo.
Como amor de amizade. À primeira vista parece que não se pode falar de verdadeira amizade entre Deus e o homem por razão da infinita distância existente entre ambos. A verdadeira amizade parece exigir certa igualdade ou semelhança de natureza, dignidade, nível social, etc. E assim nenhum mendigo pretende ser amigo do rei ou de uma pessoa de alta dignidade muito superior à sua.
Apesar desses inconvenientes, a caridade sobrenatural constitui uma verdadeira e própria amizade entre Deus e os homens. Porque a amizade não é outra coisa senão um certo amor de mútua benevolência, fundado sobre alguma comunicação de bens entre os amigos. Requer, por isso mesmo, três condições: primeira, que seja amor de benevolência, desejando o bem do amigo pelo amigo, sem buscar a própria utilidade, o que seria amor de concupiscência. Segunda, que o amor seja mútuo e a benevolência recíproca. Terceira, que haja comunicação de corações. Ora, a caridade cumpre essas três condições, porque:
i) Por ela amamos a Deus por si mesmo, com verdadeiro amor de benevolência; nos congratulamos por suas infinitas perfeições, desejamos e procuramos a glória externa de Deus, a honra, a obediência, a exaltação de seu nome, nos entristecemos e nos condoemos pelas ofensas e injúrias que lhe fazem.
ii) A caridade é o amor mutuo, porque lemos nos Provérbios: “Amo aqueles que me amam” (Pr 8,17); e São João: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23). Observamos que, por uma parte, os justos que amam a Deus lhe oferecem seus coração e todas as coisas; por outra, Deus se entrega ao justo, vem a ele e estabelece sua morada nele e se deixa gozar pelo conhecimento e amor com uma experiência inefável, a qual somente conhecem os que a vivem e que só “a vida eterna sabe” (São João da Cruz). Pela caridade, Deus nos muda e transforma em si mesmo, segundo diz São Paulo: “Mas quem adere ao Senhor torna-se com ele um só espírito” (1Cor 6,7). Finalmente, derrama sobre quem o ama deleites inenarráveis e infunde em seus corações aquela paz que “supera todo entendimento” (Fl 4,7) e que o mundo não pode dar.
iii) Há, finalmente, na caridade, verdadeira comunicação de bens, como acabamos de dizer claramente. E, ademais, com a caridade merecemos a futura comunicação de Deus na pátria pela qual gozaremos eternamente dele, visto tal como é em si mesmo; e então a amizade com Deus, iniciada aqui na Terra, se fará firme, imóvel e sempiterna.
Sobre todas as coisas. O prescreve assim a Sagrada Escritura, tanto no antigo como no Novo Testamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda tua força e com todo o teu entendimento; e teu próximo como a ti mesmo!” (Lc 10,27; cf. Dt 6,15). Essa totalidade de afeto com que se deve amar a Deus significa que não se pode amar a nenhuma outra coisa mais do que a Deus, nem tanto como a Deus. Por isso o pecado mortal – pelo qual o pecador prefere algum bem criado ao Bem supremo – é uma desordem monstruosa contra a divina caridade, que a destrói totalmente.
E a si mesmo e ao próximo. São os outros dois objetos a que se estende a matéria da caridade. Entre eles ocupa o primeiro lugar o amor devido a nós mesmos, por sua vez modelo e exemplo de amor que devemos ter pelo próximo.
Por Deus. É o motivo formal da caridade em todos seus aspectos e manifestações. A razão de amarmos a nós mesmos e ao próximo com amor de caridade há de ser sempre Deus, ou seja, a divina bondade em si mesma e como objeto de nossa comum bem-aventurança. Sem isto, a caridade, enquanto tal, desaparece, para dar lugar a uma simpatia ou amor puramente natural e humano, sem valor sobrenatural no plano da vida eterna. Págs. 179-183; 190-192; 200-208.

[...].


______________

1 “É pela graça que fostes salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós: é dom de DEUS!” (Ef 2,8).
2 Mantemos aqui a tradução da definição apresentada pelo autor, a fim de respeitar a ordem da exposição que se segue. No Catecismo da Igreja Católica de 1997 aparece da seguinte forma: “A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas, por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus” (§ 1822) – NT.
3 (latim tardio inchoativus, do latim inchoo, -are, começar, empreender, construir)
adjetivo1. Que dá ou origina um começo. = INICIAL 2. [Gramática] Diz se do verbo que designa começo ou aumento progressivo de .ação. "incoativo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 2013, https://dicionario.priberam.org/incoativo [consultado em 27-02-2019].
Consumativo: 1. Designa o momento da consumação do crime, momento em que o ato se aperfeiçoa, se amolda ao tipo penal.

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