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segunda-feira, 16 de abril de 2018

CAVALO DE TROIA 1 - JERUSALÉM. [A importância da oração com fé, e do amor não fingido].

Cavalo de troia - Jerusalém 1
6 DE ABRIL, QUINTA-FEIRA. 

Passada a meia-noite, um a um, os discípulos foram-se levantando e abandonando o fogo. Enquanto procuravam refúgio nas tendas ou se enrolavam nos seus mantos, junto do muro de pedra, André tratou de designar o primeiro turno de guarda, dois homens armados com espadas. Um postou-se a sul, à entrada do jardim, e outro a norte, nas proximidades da gruta. A rendição seria de hora a hora.
Mas Jesus não se moveu. Sentado a metro e meio da fogueira e de costas para o olival - permaneceu uns minutos com o olhar fito nas ondulantes e vermelhas línguas de fogo, que soltavam fagulhas por causa de alguns troncos um pouco mais úmidos que os restantes. Não tardou que ficasse só, na frente dele e com a fogueira, como única testemunha, quase muda, do que ia ser a minha terceira e última conversa com o Mestre. Os Seus braços descansavam sobre as pernas, cruzadas uma sobre a outra. O Nazareno abrira as mãos, recolhendo o calor nas palmas. Tinha a cabeça ligeiramente inclinada para a frente e os cabelos e rosto iluminavam-se e escureciam, ao capricho do agitar das chamas. A sua expressão, acolhedora e tranquila durante toda a noite, tornara-se grave. De repente, o coração bateu-me mais depressa. Brilhante, tímida e sem pressas, uma lágrima apareceu na Sua face direita. Era a segunda vez que via chorar Aquele estranho homem... Nem sequer respirei, comovido e intrigado por aquele sereno e súbito choro do Galileu. Mas Jesus parecia totalmente ausente. E, poucos minutos depois, lançando a cabeça para trás , inspirou profundamente, pondo-se de pé. Na minha mente agitavam-se uma infinidade de hipóteses sobre o estado de alma de Galileu, mas não me atrevia a mover-me.
Vi-o afastar-se para o interior do olival e parar a trinta ou quarenta passos de onde me encontrava. E assim permaneceu - de pé e de cabeça baixa - durante uma hora. A Lua, quase cheia, solitária entre milhares de estrelas, encarregou-se de O banhar numa luz prateada, oscilando por vezes a uma brisa que entrava lentamente entre as folhas verde-brancas das oliveiras.
Sem saber exatamente por que motivo, esperei. A temperatura baixara consideravelmente, fazendo tremeluzir os astros, envoltos por halos brancos, azuis e vermelhos. Durante um espaço de tempo que não saberia precisar, fiquei com o rosto perdido naquele negro e soberbo firmamento. Vênus, em conjunção com o Sol, por aquela data, não estava visível. Por seu lado, Júpiter, com um brilho cada vez mais fraco (grandeza 1,6, aproximadamente) levantava-se com muita dificuldade a oeste, a pouca distância do esplêndido cacho estelar das Plêiades. E, no mais alto, disputando entre si a primazia, as refulgentes estrelas Régulo, Capela, Aldebarã, Betelgeuse e Arcturo, envolvidas pelas constelações de
Leão, Áuriga, Touro, Oríon e Bootes, respectivamente. Jesus surpreendeu-me, quando alimentava a fogueira com nova carga de lenha.
- Jasão - disse-me - não dormes? Sabes como vão ser duras as próximas horas. Devias descansar como todos os outros...
Sentado junto do fogo olhei-O com curiosidade, ao mesmo tempo que O convidava a responder a uma pergunta que estava em mim desde que O vira afastar-se para o olival:
- Mestre, por que razão um homem como Tu necessita da oração? Porque, se não estou enganado, foi o que disseste durante este tempo...
O Galileu hesitou. E antes de responder, voltou a sentar-se, mas desta vez junto de mim.
- Dizes bem, Jasão. O homem, enquanto padece a sua condição de mortal, procura e precisa de respostas. E em verdade te digo que essa sede de verdade só Meu Pai a pode serenar. Nem o poder, nem a fama, nem sequer a sabedoria, conduzem o homem ao verdadeiro contato com o reino do Espírito. É pela oração que o homem procura aproximar-se do infinito. O meu espírito começa a estar aflito e também eu necessito do consolo de Meu Pai.
- Será que a verdadeira sabedoria está no reino de Teu Pai?
- Não... Meu Pai é a sabedoria.
Jesus acentuou a palavra é com uma força que não admitia qualquer discussão.
- Então, se eu rezar, posso saciar a minha curiosidade e iluminar o meu espírito?
- Sempre que essa oração nasça realmente no teu espírito. Nenhuma súplica recebe resposta, se não vier do espírito. Em verdade, em verdade te digo que o homem se engana quando tenta canalizar a sua oração e os seus pedidos para o benefício material próprio ou alheio. Essa comunicação com o reino divino dos seres de Meu Pai só obtém a devida resposta quando obedece a uma ânsia de conhecimento ou consolo espiritual. O restante - as necessidades materiais, que tanto vos preocupa - não são conseqüência da oração, mas sim do amor de Meu Pai.
- Por isso insististe tanto em procurar o reino de Deus e a sua justiça... ?
- Sim, Jasão. O resto sempre vos é dado por acréscimo...
- E como devemos pedir?
- Como se já vos tivesse sido concedido. Recorda que a fé é o verdadeiro suporte dessa súplica espiritual.
- Dizer que a oração - assim formulada - sempre obtém resposta. Mas eu sei que isso nem sempre foi assim...
O Galileu sorriu com benevolência.
- Quando as orações provêm, em verdade, do espírito humano, por vezes são tão profundas que não podem receber resposta enquanto a alma não entra no reino de Meu Pai.
- Não compreendo...
- As respostas, não o esqueçais, sempre consistem em realidades espirituais. Se o homem não alcançou o grau espiritual necessário e aconselhável para assimilar esse conhecimento emanado do reino dever esperar - neste mundo ou noutros - até que essa evolução lhe permita reconhecer e compreender as respostas que, aparentemente, não recebeu no momento do pedido.
- Isso explicaria aquele angustioso silêncio que em certas alturas parece constituir a única resposta à oração?
- Sim. Mas não confundas. O silêncio não significa esquecimento. Como te disse, todas as súplicas que nascem do espírito obtêm resposta. Todas... Deixa-me que te explique com um exemplo: o filho está sempre no direito de perguntar a seus pais, porém, estes podem demorar as respostas, à espera que a criança adquira a maturidade suficiente para as entender. A grande diferença entre os pais humanos e o nosso Pai verdadeiro está em que aqueles esquecem por vezes que são obrigados a responder, ainda que seja ao cabo dos anos.
- Se é assim, quando morrermos, todos seremos sábios...
- Insisto que a única sabedoria válida no reino de Meu Pai é a que brota do amor. Depois de passar pela morte, ninguém ser sábio se antes não o tiver sido em vida...
- Devo então pensar que a demora na resposta à minha súplica é sinal do meu progressivo avanço no mundo do espírito?
Jesus olhou-me com complacência.
- Existe uma quantidade de respostas indiretas de acordo com a capacidade mental e espiritual daquele que pede. Mas, quando uma súplica fica temporariamente em branco, é freqüente presságio de uma resposta que encherá, no devido dia, um espírito enriquecido pela evolução.
- Porque é tudo tão complexo?
- Não, querido amigo. O amor não é complicado, é a vossa natural ignorância que vos precipita na escuridão e vos faz pender para uma permanente justificação dos vossos erros.
Fiquei em silêncio. Aquele homem tinha razão. Só os homens tentam desesperadamente justificar-se e justificar os seus fracassos...
Levantei os olhos para as estrelas e, apontando-lhe aquela maravilha, disse-lhe:
- Que sentes perante esta beleza?
O Galileu elevou também os olhos para o firmamento e respondeu com melancolia:
- Tristeza...
- Porquê?
- Se o homem não é capaz de receber na sua alma a grandeza desta obra, como poderá captar a beleza daquele que a criou?
- É Deus tão imenso quanto dizes?
- Mais do que acreditar na imensidão de Meu Pai, deves acreditar na imensidão da promessa divina. Transborda o espírito do homem e chega a originar vertigem nas legiões celestiais...
- Já me explicaste, mas, realmente o acesso ao reino do Teu Pai está ao alcance de todos os mortais?
- O reino de nosso Pai - corrigiu-me Jesus - está no coração de todos e em cada um dos seres humanos. Só os que despertam para a luz do evangelho o descobrem e nele penetram.
- Então, todas as religiões, credos ou crenças podem levar-nos à verdade?
- A verdade é uma e o nosso Pai reparte-a gratuitamente. É possível que o gosto e a beleza possam ser tão caros quanto a vulgaridade e a fealdade, porém não acontece o mesmo com a verdade: esta é um dom gratuito que dorme em quase todos os humanos, sejam ou não gentios, sejam ou não poderosos, sejam ou não instruídos, sejam ou não malvados...
- A quem aborreces mais?
- No coração de Meu Pai não há lugar para o ódio... Deverias sabê-lo. Defende-te só dos hipócritas, mas nunca vertas neles o veneno da vingança.
- Quem é hipócrita?
- Aquele que prega o caminho do reino celestial e, em troca, se instala no mundo. Em verdade te digo que os hipócritas enganam os simples de coração e não satisfazem mais que os medíocres.
- Quem estimais mais: um homem espiritual ou um revolucionário?
O Mestre sorriu, um tanto surpreendido com a minha pergunta. E, pousando a mão esquerda no meu ombro, respondeu com firmeza:
- Prefiro o homem que atua com amor...
- Mas quem pode conseguir amar mais?
- Pergunta melhor, quem pode conseguir compreender mais?
- Quem?
- Aquele que é capaz de amar tudo. Mas, cautela, Jasão, aquele que ama de verdade não coloca a palavra amor por cima da sua porta, procurando justificar-se perante o mundo. E o que dá, também não escreve a palavra caridade para que todos o reconheçam. Quando alguma vez vires essas palavras, desavergonhadamente exibidas no mundo, não duvides de que têm a única finalidade de enriquecer e enaltecer quantos a esgrimem e desfraldam. O reino de Meu Pai é semelhante a uma mulher que levava o cântaro cheio de farinha. Enquanto seguia por um caminho afastado partiu-se a asa e a farinha derramou-se atrás dela pelo caminho. A mulher não notou e não soube da sua infelicidade. Quando chegou a casa pousou o cântaro na terra e encontrou-o vazio.
- Aquele que é capaz de amar tudo!... - repeti, com um ligeiro movimento de cabeça. - Como isso é difícil...
- Nada existe de difícil para aquele que aprendeu a ceder.
- Mas, que me dizes das injustiças? Também devemos aprender a amar os que nos humilham ou tiranizam?
- Quando assim acontecer, pede explicações ao teu irmão, mas nunca o odeies. Só quando olhardes vossos irmãos com caridade podereis sentir-vos contentes.
- Começo agora a compreender - comentei, quase só para mim porque o meu mundo se sente infeliz...
- O maior erro do teu mundo - respondeu Jesus - é a sua falta de generosidade. O que conhece e pratica o amor não costuma ter necessidade de perdoar: está sempre disposto a compreender tudo.
- É possível que estejas certo, mas sempre pensei que o grande erro do nosso mundo era o seu enfartamento tecnológico...
O Nazareno olhou-me com uma infinita afabilidade.
- Deveis ter paciência e confiar. A humanidade, por vezes, embriaga-se e embota com as suas próprias descobertas e triunfos, esquecendo que o seu autêntico estado natural reside na serenidade do espírito. No dia em que desperte de tão pesada letargia voltará os olhos para o caminho do amor: o único que conduz à verdadeira sabedoria. O cansaço começava a apoderar-se de ambos e, de mútuo acordo, decidimos descansar as escassas horas que faltavam até à madrugada.
Enquanto me envolvia no manto, acomodando-me o melhor que pude debaixo de uma oliveira, uma estrela fugaz - uma "lírida" passou diante das estrelas Kappa Lyrae e Nu Herculis, rasgando o véu do firmamento e o da minha profunda melancolia. Sem que tivesse intenção, começara a amar aquele homem... 



Referência:
J J Benítez. Operação Cavalo de Tróia 1 - Jerusalém. Págs. 308-313.

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