quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Devemos cumprir bem as nossas obrigações

Senhor Jesus Cristo; Artigo; Evangelho
Que o homem sempre esteja em dívida com o Senhor, e por mais que faça no Seu serviço, as suas ações não passam de uma pobre correspondência aos dons divinos. O orgulho diante de Deus não tem sentido numa criatura. O que aqui nos pede Jesus, melhor do que ninguém fez a Virgem Maria, ao respondeu diante do anúncio divino: “Eis a escrava do Senhor” (Lc 1, 38). Ela se reconhece na expressão: “Somos servos inúteis, fizemos apenas o que devíamos fazer”.
O que fazemos é reconhecer, afetuosa e alegremente, o nosso nada e o nosso pecado, ditosos de assim proclamar a plenitude e santidade do ser divino. Daqui nascem aqueles sentimentos de adoração, louvor, temor filial e amor; daqui, aquele grito do coração: “Tu és Santo, tu é o Senhor, tu és o Altíssimo!”
Estes sentimentos brotam do coração, não somente quando estamos em oração, mas ainda quando contemplamos as obras de Deus, obras naturais em que se refletem as perfeições do Criador, obras sobrenaturais, em que os olhos da fé nos descobrem uma verdadeira semelhança, uma participação da vida divina.
Temos só um dever na terra: cumprir bem a nossa obrigação. Apesar de ser uma simplificação muito fácil, esse modo de dizer ensina que temos de ser responsáveis por aquilo fazemos. E aquilo que fazemos dirá aos outros quem somos.
Assim como o empregado que sabe o que tem de fazer e faz. Faz, porque tem de fazer e pronto. A cozinheira responsável faz bem a comida e não precisa ficar esperando elogios. Se os elogios vierem, graças a Deus! Mas se não vierem, ela já cumpriu com a sua obrigação.
Os elogios, quando sinceros, têm a vantagem de mostrar que acertamos. Podem ser elogios diretos ou indiretos. Elogio direto vem com palavras de aprovação; e os elogios indiretos podem vir com gestos de aprovação, como é o caso da comida da cozinheira; se todos comem e repetem, é um sinal de que a comida estava boa. Como nossa vida é bastante complexa, como somos seres superiores, temos também, por natureza, muitas obrigações; não apenas obrigações de trabalho, mas de religião. Por isso, se somos cristãos, precisamos respeitar as exigências inerentes a nossa fé.
Temos obrigações sociais. Por isso, se queremos conviver bem com as pessoas, precisamos descobrir quais são nossas obrigações para com elas e tentar uma convivência responsável. Temos obrigação para conosco mesmos. Por isso, precisamos cuidar da nossa saúde, da saúde do corpo e da saúde da alma. E assim por diante.
Mesmo se estivéssemos sozinhos no mundo, ainda assim não estaríamos livres de obrigações. Mas quem entende a si mesmo e percebe suas relações com o mundo e com as pessoas, não encara as obrigações como um peso e sim com uma realidade de vida, que pode lhe fazer felizes.
Convido você a rezar comigo: “Deus, meu Pai, uma coisa que eu gostaria de ouvir de Vós, quando chegar ao Céu, é esse elogio: ‘Tu cumpriste a tua obrigação. Entre na alegria do Teu Senhor!’ Mas para eu receber esse elogio preciso muito da Vossa ajuda. Preciso saber distinguir a Vossa vontade, para não cair no engano de só fazer a minha. Jesus de Nazaré tinha um único objetivo: fazer a Vossa vontade. Assim Ele disse, e assim Ele cumpriu até o fim de Sua vida, quando, pregado na cruz e já sem forças exclamou: TUDO ESTÁ CONSUMADO. Depois, porém, num último esforço, entregou Seu Espírito em Vossas mãos, num gesto de submissão total. Ele fez tudo bem feito. Ele cumpriu Sua obrigação. Pai Santo, dê-me a graça de cumprir bem – como Cristo – a minha missão para que, alegremente, eu mereça receber o grande elogio: ‘Vinde benditos do meu Pai, pelo dever cumprido’. Amém”.


Padre Bantu Mendonça

Referência: 
Fonte: https://homilia.cancaonova.com/homilia/devemos-cumprir-bem-as-nossas-obrigacoes/

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

ANDEMOS NO ESPÍRITO

Evangelho, Artigo
"Quanto a vocês, a unção que receberam dele permanece em vocês, e não precisam que alguém os ensine; mas, como a unção dele recebida, que é verdadeira e não falsa, os ensina acerca de todas as coisas, permaneçam nele como ele os ensinou". (1 João 2: 27).

O Senhor Jesus Cristo não instituiu nenhuma religião, denominação ou instituição com ritos e formalidades meramente humanos. Viveu a liberdade em sua plenitude, não estava subjugado a nenhuma regra política ou religiosa. Desmitificou todos os paradigmas religiosos da época, confrontando a superficialidade da forma (rito judaico), utilizado com intuito de ludibriar e se apropriar das 'pessoas'; o Senhor acerca disso nos adverte com o texto: (Lucas 20: 7, 6) "Tenham cuidado com os doutores da Lei. Eles fazem questão de andar com roupas compridas, e gostam de ser cumprimentados nas praças públicas. Gostam dos primeiros lugares nas sinagogas e dos postos de honra nos banquetes. Que devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Eles receberão castigo mais rigoroso". E acrescentou: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas sim o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus, esse entrará no Reino dos Céus. Muitos me dirão, naquele dia: Senhor, Senhor, não é assim que profetizamos em teu nome, e em teu nome expelimos os demônios, e em teu nome obramos muitos prodígios? E eu então lhes direi, em voz bem inteligível: Pois eu nunca vos conheci; apartai-vos de mim, os que obrais a iniquidade". (Mateus 7: 21, 23).
Jesus Cristo - O Rei dos reis e Senhor dos senhores ao invés de vangloriar-se (pois tinha direito, pois é Deus), se humilhou para ser exaltado, sendo Servo e servindo aos mais necessitados e desfavorecidos, entregando-se a morrer injustamente por nossos pecados - Ele com todas as prerrogativas de Filho de Deus, agiu assim, muito mais nós símplices mortais não deveríamos seguir seus muitos exemplos, de valores verdadeiramente edificantes como a simplicidade, humildade, mansidão e, principalmente de entrega no serviço?
Não paramos para refletirmos que as ocasiões que nos fazem sermos mais egoístas e menos amáveis com nossos semelhantes, é o amor às riquezas deste mundo? Quando isso acontece, nos tornamos mais carnais e egoístas, e tudo que discerne as Escrituras Sagradas ficam embotadas. Um exemplo disso é, quando interpretamos erroneamente a palavra "igreja" sem à luz da espiritualidade; a fazemos sobre uma estrutura ou ambiente físico. Igreja conforme o Evangelho de Cristo, somos nós, que servimos e somos guiados pelo seu Espírito, pois a Palavra nos diz: "Não sabei vós que sois templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós é santo" (1 Cor 3.16, 17). "Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei. Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam".(Gal 5. 16, 21).
Deste modo a concluir, deixo claro que meu Pastor e meu guia é o Espírito Santo e não homens (carne) sujeitos às paixões e aleivosias [...]. Se seguirmos os homens, desprezaremos a Deus e tropeçaremos, inclusive se seguirmos a doutrinadores religiosos com segundas e terceiras intenções. "Ai deles, porque andaram pelo caminho de Caim e, pelo amor do lucro, caíram no erro de Balaão e pereceram na revolta de Coré! Eles são a vergonha de vossos banquetes. Banqueteiam-se convosco sem vergonha nenhuma, apascentando-se a si mesmos. São nuvens sem água arrastadas pelo vento. São árvores no fim do outono sem fruto algum, duas vezes mortas, sem raízes. São ondas furiosas do mar, que lançam a espuma de suas impurezas. Astros errantes, aos quais está reservada a escuridão das trevas para sempre. É deles que Henoc, o sétimo patriarca desde Adão, profetizou, dizendo: “Eis que vem o Senhor com suas santas miríades, para exercer um juízo contra todos e convencer todos os ímpios de todas as impiedades que praticaram e de todas as palavras duras que os pecadores ímpios falaram contra ele”. São murmuradores, queixosos, que andam segundo suas paixões, cuja boca fala arrogâncias e que adulam as pessoas por interesse.
Programa de vida cristã. Vós, caríssimos, lembrai-vos do que foi predito pelos apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Eles vos diziam: “No final dos tempos haverá zombadores que andarão segundo seus ímpios desejos”. Estes são os que fomentam as divisões. Vivem à mercê dos instintos, e não têm o Espírito". (Jd 1. 11, 19).

TIAGO A. VITTI

Como a Páscoa afeta nossa visão da vida?

Psicólogo fala sobre o impacto da Páscoa e da vivência da fé na saúde psíquica do ser humano

Para a maioria das pessoas que vivem no ocidente e boa parte do oriente a Páscoa é uma festa que faz parte do calendário oficial e celebra a ressurreição de Cristo, é considerada por muitos como a principal celebração cristã. Jesus Cristo sofreu a dor da traição e carregou sobre si os pecados da humanidade, foi crucificado, experimentando uma morte violenta e no terceiro dia ressurgiu do mundo dos mortos, venceu a morte e apareceu aos seus amigos instaurando um novo tempo na história da humanidade que se dividiria em antes e depois deste acontecimento. Veríamos a vida da mesma forma se não fosse o acontecimento da ressurreição de Cristo? Certamente que não. O fato de a humanidade ter evoluído na construção de parâmetros pacíficos de convivência, no desenvolvimento do direito, na ideia de amor ao próximo e no respeito às diversidades ao longo dos últimos dois milênios, estaria relacionado de alguma forma à ressurreição de Cristo? Não apenas à ressurreição, mas à Sua existência que culminou com a ressurreição. Hoje, quando os cristãos celebram a quaresma e a semana santa em preparação para a Páscoa, experimentam o exercício da disciplina, realizando jejuns e oferecendo sacrifícios de atitude, deixando de fazer algo que gostam ou de comer algo que gostam, ou até mesmo realizando atos de caridade em prol de alguém, é um tempo de um exercício de fé. Embora o objetivo seja espiritual e religioso, esta vivência pode afetar a vida das pessoas de forma muito positiva.

Fé e Saúde Psíquica


Vivemos em um tempo de individualismos, orquestrado pelo poder do tempo, onde as pessoas precisam fazer o máximo em menos tempo possível. As tecnologias não deixam de nos lembrar a todo instante que há alguém visualizando algo sobre nós, ou chamando nossa atenção, sejam os amigos, familiares e colegas ou sejam os anúncios publicitários, as abordagens comerciais e políticas ou as notícias e programas de entretenimentos com os quais nos identificamos, ou até mesmo os eventos esportivos que gostamos, sem falar dos apelos que nossa mente nos faz para adquirirmos este ou aquele presente para compensar nosso trabalho duro e falta de tempo para nós mesmos. Mas, de alguma forma as pessoas acreditam em algo que transcenda toda esta corrida maluca que empreendem todos os dias e é por isso que celebrar a Páscoa faz sentido para a saúde psíquica.
O fato intrigante para a comunidade científica, muitas vezes descrente, que se revela no Santo Sudário é um sinal contundente de que algo extraordinário aconteceu e que os cristãos creem ter sido a ressurreição de Cristo. Este acontecimento com marcas históricas e religiosas convida as pessoas a uma experiência de autotranscendência. Uma pessoa que consegue parar durante alguns dias e meditar sobre o sentido de sua vida em uma perspectiva de esperança para o futuro poderá enfrentar com muito mais eficácia os desafios do dia-a-dia. As pesquisas no campo da psicologia da religião nos revelam que as pessoas com fé apresentam maior propensão a superar problemas psíquicos e até mesmo biológicos, assim podemos encontrar no fato religioso da Páscoa um motivo a mais para enfrentarmos os problemas do presente e nos projetarmos com esperança para o futuro a ser construído.

Experimentando uma Vida Nova

De fato, os maiores problemas psicológicos estão relacionados em como as pessoas enfrentam os problemas do presente que muitas vezes estão relacionados ao passado. Criamos um modo de vida tão voltado para as coisas materiais e perecíveis que temos dificuldade para nos projetarmos para o futuro sem considerarmos as possibilidades de nossa morte, ou da perda dos bens materiais. Constantemente, pessoas se aproximam dos consultórios psicológicos se queixando de que a vida parece não ter sentido porque não conseguem se projetar para o futuro. A ressurreição de Cristo, por um lado, celebrada pelos cristãos, representa que não importa qual a situação em que se encontra um ser humano, nada poderá lhe privar de sua esperança, pois nem mesmo a morte que representa o maior sofrimento para a existência humana é capaz de ditar o fim último de uma vida, pois ela foi vencida pela ressurreição de Cristo.
Não é possível saber cientificamente tudo sobre a realidade humana, muito menos sobre a realidade religiosa e espiritual, mas o que sim sabemos é que quando as pessoas têm esperança no futuro, elas se tornam mais leves, elas são capazes de sorrir, de se sentirem livres e isto as possibilita realizar seus projetos, construir laços afetivos saudáveis, até mesmo amar sem ter medo de não ser correspondido. Certamente há muitas pessoas ao redor do globo que não são cristãs e não conhecem o fato da ressurreição, mas para os que creem não se pode dizer que este acontecimento passe despercebido e não possa gerar frutos positivos para a saúde psíquica. Se a morte pode, de alguma forma ser vencida, e o caminho ensinado por Cristo para vencê-la foi a vivência do amor, então porque não empreender todas as nossas forças para viver o amor em nossas vidas? Se até mesmo as religiões não cristãs pregam este amor, e se de alguma forma experimentamos que o amor é realmente algo bom para nós, o que teríamos a perder se nos empenhássemos nesta busca?


*Por Élison Santos* Élison Santos, Psicólogo e Palestrante. Atende adultos e adolescentes e é Terapeuta de Casais em São José dos Campos. Realiza aconselhamento psicológico Online através do Skype. É especialista em Análise Existencial e Logoterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Curitiba.

Fonte: https://noticias.cancaonova.com/mundo/como-pascoa-afeta-nossa-visao-da-vida/

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Primeira parte: AS PORTAS DA PERCEPÇÃO.

As portas da percepção

A RELAÇÃO ENTRE O CRISTIANISMO (IGREJA AMERICANA NATIVA) COM O PEIOTE (Págs. 70-73).

O impulso para superar a personalidade autoconsciente é, como já disse, um anseio capital da alma. Quando, seja por que razão, os seres humanos veem baldados os seus esforços para superarem a si mesmos pelo culto, pelas boas ações e pela atividade intelectual, tornam-se propensos a recorrer às drogas substitutas da religião – o álcool e as “pílulas inocentes” no moderno Ocidente, o álcool e o ópio no Oriente, o haxixe no mundo maometano, o álcool e a maconha na América Central, o álcool e a coca nos Andes, o álcool e os barbitúricos nas regiões mais adiantadas da América do Sul. Em Poisons sacrés, evresses divines [Venenos sagrados, êxtases divinos], Philippe de Félice escreveu exaustivamente, e com riqueza de documentação, sobre os laços imemoriais que ligam a religião à ingestão de drogas. A seguir, ora resumindo, ora transcrevendo, apresento suas conclusões: 
O emprego, para fins religiosos, de substâncias tóxicas, é “extraordinariamente difundido [...] As práticas estudadas neste volume podem ser observadas em qualquer região da terra, tanto entre povos primitivos como no seio daqueles que já atingiram um elevado índice de civilização. Não estamos, pois, lidando com fatos excepcionais que poderiam ser, com razão, postos à margem; mas com um fenômeno geral e, dentro da mais ampla acepção da palavra, humano; com um tipo de fenômeno que não pode ser desprezado por quem quer que busque descobrir que é a religião e quais as necessidades profundas a que ela tem de satisfazer”.
Teoricamente, cada um de nós deveria ser capaz de encontrar a autotranscendência a partir de uma forma de religião pura ou aplicada. Mas, na prática, parece ser sumamente improvável que esse anseio pelo apogeu seja algum dia realizável. Há (e é fora de dúvida que sempre houve) homens e mulheres virtuosos e pios, para quem, infelizmente, apenas a piedade não basta. O falecido G. K. Chesterton, que escrevia com lirismo idêntico tanto sobre a bebida quanto sobre a fé, pode servir de eloquente exemplo desse grupo.
As igrejas modernas, excluídas umas poucas seitas protestantes, toleram o álcool; no entanto, mesmo as mais tolerantes jamais procuram converter a bebida ao Cristianismo – isto é, sacramentar seu uso. O pio alcoólatra vê-se forçado a manter, em compartimentos estanques, sua religião e seu substituto para ela. E talvez isso seja inevitável. A bebida não pode ser incluída na liturgia, a não ser nas religiões que não dêem valor ao decoro. O culto de Baco ou da divindade celta da cerveja eram festins ruidosos e dissolutos. Os ritos Cristãos são incompatíveis com a embriaguez, ainda que de cunho religioso. Isso não prejudica os fabricantes de bebidas, mas é muito mau para o Cristianismo. Um sem-número de pessoas deseja experimentar a autotranscendência, e gostaria de encontra-la no tempo. Mas “as ovelhas famintas voltam-se para o céu e não são atendidas”. Tomam parte nos ritos, escutam os sermões, repetem orações; mas sua sede não se aplaca. Desapontadas, voltam-se para a garrafa. Ao menos por certo tempo, e de certa forma, encontram o que querem. A igreja pode continuar a ser frequentada; mas já não será mais do que o Banco Musical do Erewhon* de Butler. (*Erewhon, anagrama de nowhere (“lugar algum”), é o título abreviado de uma novela fantástica de Samuel Butler, escrita em 1872, que descreve um país cujo povo vira-se obrigado a destruir todas as máquinas para não ser por elas destruído). Deus pode continuar a ser reconhecido como tal, mas Ele só será concedia divindade no campo verbalístico, apenas em sentido estritamente figurado. O verdadeiro objeto de culto é a garrafa, e a única experiência religiosa é aquele estado de desregramento e belicosa euforia que se segue à ingestão do terceiro aperitivo.
Vemos, pois, que o Cristianismo e o álcool não se misturam nem poderiam fazê-lo. Já não há tanta incompatibilidade com relação à mescalina. Isso tem sido demonstrado por várias tribos de índios, desde o Texas até o Estado de Wisconsin. Entre essas tribos, encontram-se algumas tribos filiadas à Igreja Americana Nativa, seita cujo principal rito é uma espécie de Ágape Cristão Primitivo ou Festa do Amor, em que fatias de peiote substituem o pão e o vinho do sacramento. Esses índios americanos encaram o cacto como preciosa dádiva de Deus aos índios e consideram seus efeitos manifestação do divino Espírito.
O professor J. S. Slotkin – um dos pouquíssimos homens brancos que, até hoje, participaram dos ritos de uma congregação peiotista – relata, falando de seus companheiros de ritual, que eles “em absoluto ficam narcotizados ou embriagados [...] Jamais perdem o ritmo ou balbuciam, como aconteceria com indivíduos inebriados pelo álcool ou por estupefacientes [...] São todos calmos, corteses e respeitam-se uns aos outros. Jamais estive em qualquer templo de homens brancos onde pudesse encontrar tanto respeito e religiosidade”. Poderíamos perguntar: “Que estariam esses devotos e bem-comportados peiotistas sentindo?”. Claro que não há de ser o brando sentimento de virtude que embala o comum dos frequentadores do ofício dominical, durante noventa minutos de solidão. Nem mesmo esses fervorosos sentimentos, inspirados pelo Criador, no Redentor, no Juiz e no Espírito Santo, que animam os piedosos. Para esses membros da Igreja Americana Nativa, a experiência religiosa é algo de mais direto e esclarecedor, de mais espontâneo, e tem muito menos de produto imperfeito da mente superficial e restrita. Por vezes (ainda segundo as observações colhidas pelo dr. Slotkin) têm visões que podem ser até do Próprio Cristo. De outras, escutam a voz do Grande Espírito. Ainda em outras se apercebem da presença de Deus, bem como de suas falhas pessoais, as quais terão de ser corrigidas para que possa ser cumprida Sua Vontade. As consequências práticas dessa abertura química das Portas para o Outro Mundo parecem ser excelentes. O dr. Slotkin testemunha que os peiotistas habituais são, em geral, mais diligentes, mais temperantes (muitos são completamente abstêmios) e mais pacíficos que os não-peiotistas. Uma árvore que apresente frutos tão bons não pode ser condenada como maléfica. Ao sacramentar o uso do peiote, os índios da Igreja Americana Nativa fizeram algo que é, a um só tempo, psicologicamente correto e historicamente respeitável. Nos primeiros séculos do Cristianismo, muitos ritos e festas pagãos foram, por assim dizer batizados e postos ao serviço da Igreja. Essas festas não tinham nada de edificantes, mas aliviavam uma certa fome psicológica; e, em vez de tentar suprimi-las, os primeiros missionários tiveram o bom senso de aceitá-los pelo que de útil possuíam – e incorporá-las ao código da nova religião. [...].

Primeira parte: AS PORTAS DA PERCEPÇÃO.

As portas da percepção

No limiar do pânico e da lucidez (Págs. 59-60).

“[...] Diante de uma cadeira que parecia um Juízo Final – ou, para ser mais preciso, ante um Juízo Final que, depois de longo tempo e com considerável dificuldade, pude reconhecer como sendo uma cadeira -, eu me senti, de uma hora para outra, no limiar do pânico. Aquilo, percebi repentinamente, estava indo muito longe. Longe demais, muito embora marchasse para uma beleza sempre maior, para um sentido cada vez mais profundo. O temor, analisando-o retrospectivamente, foi o de me ver esmagado, desintegrado sob uma pressão de realidade muito superior à que uma mente, acostumada a viver a maior parte do tempo em um confortável mundo de símbolos, talvez pudesse suportar. Na literatura da experiência religiosa, abundam referências aos sofrimentos e terrores que esmagam os que se defrontam, com demasiada rapidez, face a face com qualquer manifestação do Mysterium Tremendum. Em uma linguagem teológica, esse temor é função da incompatibilidade entre o egotismo do homem e a pureza divina; entre a mesquinhez auto agravada do homem e o Deus Infinito. Segundo Boheme e William Law, podemos dizer que a Divina Luz, em toda a sua intensidade, só pode ser percebida pelas almas pecadoras sob a forma de chamas do purgatório. Doutrina praticamente idêntica é a exposta no livro tibetano dos mortos, pelo qual a alma que que desprega foge atormentada da Serena Luz do Vazio, e até mesmo das Luzes menos intensas, indo lançar-se, precipitadamente, na confortadora escuridão da personalidade, reencarnando-se em um recém-nascido, transformando-se até em animal, em um infeliz fantasma ou indo ter ao inferno. Há de preferir qualquer coisa ao ígneo refulgir da implacável realidade – qualquer coisa!”.

Primeira parte: AS PORTAS DA PERCEPÇÃO.

Evangelho, Marta e Maria, Artigo

Os contemplativos e os ativos (Págs. 47-50).

[...] E, entretanto, minha pergunta continuava sem resposta. Como conciliar essa percepção aguçada com uma justa preocupação pelas relações humanas, com os deveres e as tarefas inadiáveis, para não mencionar a caridade e a piedade atuantes? A velha disputa entre ativos e contemplativos estava sendo renovada – e renovada, creio eu, com uma violência sem precedentes. Pois, até aquela manhã, eu só conhecera a contemplação sob suas formas mais humildes e encontradiças – a divagação do pensamento; a arrebatada abstração na poesia, na pintura ou na música; a paciente espera pela inspiração, sem a qual mesmo o mais prosaico escritor não pode pretender realizar coisa alguma; como vislumbres acidentais da natureza “de algo muito mais profundamente interligado”, no dizer de Wordsworth; como o silêncio sistemático que leva, por vezes; à noção de um “obscuro saber”. Mas, desta feita, conheci a contemplação em sua pujança. Em sua pujança, sim, mas não em toda a sua plenitude. Pois, quando esta é atingida, a estrada que leva a Maria inclui a de Marta* (*Marta e Maria, irmãs de Lázaro, citadas no Novo Testamento, Evangelho de São Lucas. Nas alegorias cristãs, Marta simboliza a vida ativa; Maria, a contemplativa.) e eleva a contemplação, por assim dizer, a seu mais alto poder. A mescalina nos abre o acesso a Maria, mas fecha a porta que leva a Marta. Ela nos permite chegar à contemplação, mas a uma contemplação que é incompatível com a ação. Nos intervalos entre suas revelações, quem toma mescalina é capaz de sentir que, embora de certo modo tudo tenha a sublimidade que devera ter, por outro lado há nisso qualquer coisa de errado. [...]. “[...] O Pai Nosso contém menos de cinquenta palavras, e seis delas são dedicadas a pedir a Deus que não nos deixe cair em tentação. O contemplativo-passivo deixa de fazer muitas coisas que teria de realizar; mas para se dispor a uma tal atitude, ele precisa abster-se de praticar uma série de ações que não deveriam ser levadas a efeito. O mal, acentuou Pascal, seria muito diminuído se os homens aprendessem a permanecer serenamente em seus aposentos. Mas o contemplativo cuja percepção haja sido esclarecida não precisará permanecer encerrado em seus aposentos. Poderá sair para seus afazeres, tão perfeitamente satisfeito em contemplar e em ser uma parte da divina Ordem das Coisas, que nunca ver-se-á tentado a entregar-se ao que Traherme chamou de “impuros Artifícios do mundo”. Quando nos sentimos como se fôssemos os únicos herdeiros do universo, quando “o mar corre em nossas veias (...) e as estrelas são nossas joias”, quando todas as coisas parecem infinitas e sagradas , que motivos poderemos ter para a cobiça ou a soberba, para fome de poder ou para as formas mais doentias de prazer? Os contemplativos não são propensos a se tornarem jogadores, alcoviteiros ou ébrios; como regra, não pregam a intolerância nem promovem guerras; não são levados ao roubo, à fraude ou à opressão dos fracos. [...].

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *