sexta-feira, 19 de abril de 2019

Logoterapia e Análise existencial - Livros em PDF




                                                 

terça-feira, 16 de abril de 2019

Robert D. Hare - Sem Consciência - 1ª Ed. 2013


Psicofarmacologia - Stahl 4ª Ed


 

domingo, 7 de abril de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: VIRTUDES TEOLOGAIS

Virtudes Teologais
EXPOSTA JÁ A TEORIA GERAL sobre as virtudes cristãs ou infusas e a correspondente aos dons do Espírito Santo, que as complementam elevando-as à sua máxima perfeição, vamos estudar agora cada uma das principais virtudes em seus três grupos fundamentais: teologais, cardeais, e derivadas destas últimas.
Comecemos, naturalmente, pelas virtudes teologais, que são, de longe, as mais importantes de todas as virtudes infusas.
Como se sabe, as virtudes teologais são unicamente três: fé, esperança e caridade. São as virtudes mais importantes da vida cristã, base e fundamento de todas as demais. Seu ofício é unir-nos intimamente a Deus como Verdade infinita (a fé), como suprema Bem-aventurança para nós mesmos (a esperança) e como sumo Bem em si mesmo (a caridade). São as únicas que estão em relação imediata com Deus, todas as demais se referem imediatamente a coisas distintas de Deus. Daí a suprema excelência das virtudes teologais sobre todas as demais.

I. A VIRTUDE DA FÉ
1. NOÇÃO

Em geral, se entende por fé o assentimento ou aceitação de um testemunho pela autoridade de que o dá. Se quem dá esse testemunho é um homem e cremos nele pela confiança que merece enquanto pessoa, temos fé humana; se quem dá esse testemunho é Deus e cremos n’Ele por sua autoridade divina, que não pode enganar-se nem nos enganar, temos a fé divina. Esta última é a primeira virtude teologal que estamos examinando.
Segundo estas noções, a fé teologal ou sobrenatural pode ser definida mais detalhadamente com a seguinte definição do Concílio Vaticano I:
“A Igreja a professa (a fé) como virtude sobrenatural, pela qual, sob inspiração de Deus e com a ajuda da graça, cremos ser verdade o que ele revela, não devido à verdade intrínseca das coisas conhecidas pela luz natural da razão, mas em virtude da autoridade do próprio Deus revelante, o qual não pode enganar-se nem enganar” (D 1789/ DH 3008).
Estudemos palavra por palavra esta magnífica definição, que nos dará um conhecimento cabal e muito completo do que é a virtude teologal da fé.
Virtude sobrenatural, quer dizer, infusa por Deus em nossa alma (entendimento), que rebaixa e transcende infinitamente toda a ordem natural, e seria impossível, por isso mesmo, adquiri-la somente pelas forças naturais.
Pela qual, sob inspiração de Deus e com ajuda da graça. Seria de todo impossível a fé sem a prévia noção e ajuda da graça; porque sendo, como acabamos de dizer, uma virtude sobrenatural que rebaixa e transcende infinitamente toda a ordem natural, o homem não poderia alcançá-la jamais abandonado às suas próprias forças naturais; é absolutamente necessário que a graça o mova e ajude a produzir o ato sobrenatural da fé. De onde seguem claramente duas coisas muito importantes: a) que a fé é um dom de Deus, totalmente gratuito e imerecido por parte dos do homem
e b) que os argumentos apologéticos que demonstram a credibilidade da religião católica podem nos conduzir até as portas da fé, mas não podem nos dar a fé, que em si mesma é uma realidade sobrenatural, que só pode ser efeito da livre doação de Deus mediante sua divina graça.
Cremos. É o ato próprio da fé. A fé não vê nada, se limita a crê-lo pela autoridade de quem dá o testemunho. Como se diz em teologia, a fé é de non visis, e aquele que exigisse a clara visão ou evidência intrínseca das verdades da fé demonstram não ter a menor ideia da natureza mesma da fé. A fé é incompatível com a visão, e por isso desaparecerá absolutamente no Céu ao ser substituída pela visão beatífica de Deus; o mesmo se dá neste mundo quando desaparece a fé humana em relação à existência de uma cidade, no mesmo instante em que pela primeira vez pisamos em seu solo.
Ser verdade, quer dizer, estamos firmemente convencidos e seguros da verdade de tudo quanto Deus se dignou revelar.
O que Ele revela. É o objeto material da fé, constituído por todo o conjunto das verdades reveladas.
Não devido à verdade intrínseca das coisas conhecidas pela luz natural da razão. Deixaria de ser fé sobrenatural caso se visse sua verdade intrínseca pela luz natural da razão. Sequer na fé humana se dá a visão de sua verdade intrínseca, pois é totalmente incompatível com a noção mesma da fé, fundada não na razão, mas no testemunho alheio.
Mas em virtude da autoridade do próprio Deus revelante. É o objeto formal, ou motivo da fé sobrenatural, que a específica e diferencia infinitamente de qualquer outra classe de fé.
O qual não pode enganar-se nem enganar. Em virtude dessa dupla impossibilidade, o assentimento sobrenatural da fé é firme e certo. Não há certeza física, nem matemática, nem metafísica que possa superar a certeza objetiva da fé sobrenatural. É a maior e mais absoluta de todas as certezas, já que todas as demais se fundam na aptidão natural de nosso entendimento para conhecer a verdade (ou seja, em algo puramente criado e finito), enquanto que a certeza da fé sobrenatural se funda na Verdade mesma de Deus, que é incriada e infinita. Impossível chegar a uma certeza maior.

[...].

II. A VIRTUDE DA ESPERANÇA
1. NOÇÃO

A esperança pode ser definida como “uma virtude teologal infundida por Deus na vontade, pela qual confiamos com plena certeza alcançar a vida eterna e os meios necessários para chegar a ela, apoiados no auxílio onipotente de Deus”.
Expliquemos um pouco a definição palavra por palavra.
a) É uma virtude teologal, porque – assim como a fé e a caridade – tem por objetivo o próprio Deus, que será nossa bem-aventurança eterna.
b) Infundida por Deus na vontade, pois seu ato próprio é certo movimento do apetite racional para o bem, que é o objetivo da vontade.
c) Pela qual confiamos com plena certeza. A esperança tende com absoluta certeza para seu objeto, não porque possamos saber com certeza que alcançaremos de fato a salvação eterna – a não ser por uma especial revelação de Deus (D 805/DH 1540) –, e sim porque podemos e devemos ter certeza de que, apoiados na onipotência auxiliadora de Deus (motivo formal quo da esperança), não pode antepor-se a nós nenhum obstáculo insuperável para a salvação.
d) Alcançar a vida eterna. É o objeto material primário da esperança. O objeto formal é o próprio Deus, enquanto bem-aventurança objetiva do homem, conotando a bem-aventurança subjetiva ou visão beatífica.
e) E os meios necessários para chegar a ela. É o objeto material secundário. Abarca todos os meios necessários para a salvação (graça, sacramentos, auxílios) e mesmo os bens naturais enquanto possam nos ser úteis para consegui-la.
f) Apoiados no auxilio onipotente de Deus. Esse é o objeto formal quo, ou seja, o motivo da esperança cristã: a onipotência auxiliadora de Deus, conotando a misericórdia e a fidelidade de Deus a suas promessas.
Não obstante, ainda que a potência auxiliadora de Deus seja o único motivo formal de nossa fé, podemos também, de algum modo, colocar nossa esperança em algumas outras coisas secundárias ou instrumentais que operam sob a ação principal de Deus. Tais são a humanidade adorável de Cristo que foi instrumento utilizado por Deus para nossa redenção; a Santíssima Virgem Maria, a quem invocamos na Salve Rainha com o doce nome de esperança nossa, e de quem esperamos que nos alcance de Deus a graça soberana da perseverança final; a intercessão dos anjos bem-aventurados do Céu; as orações dos justos na Terra, etc.

[...].

III. A VIRTUDE DA CARIDADE
1. NOÇÃO

A natureza íntima de uma coisa nos é dada a conhecer por sua definição, caso esteja bem feita. Vamos dar, em primeiro lugar, a definição completa e detalhada da virtude da caridade e, em seguida, examinaremos atentamente, palavra por palavra, cada um de seus elementos constitutivos. A definição soa assim:
A caridade é uma virtude teologal única, infundida por Deus na vontade, pela qual o justo ama a Deus por si mesmo com amor de amizade sobre todas as coisas, e a si mesmo e ao próximo por amor a Deus.
2
A caridade... A palavra caridade pode ser tomada em diversos sentidos. Pode ter, entre outros, os seguintes significados:a) O amor essencial com que Deus se ama a si mesmo e a todas as coisas por si mesmo. Se identifica, de certo modo, com a natureza mesma de Deus, segundo a sublime expressão de São João: “Deus é amor: quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4,16).
b) O amor pessoal no seio da Trindade Beatíssima, ou seja, o Espírito Santo em pessoa. Nesse sentido o usa a liturgia no hino de Pentecostes: “Fons vivus, ignis, caritas...”.
c) O amor de Deus em relação ao homem, principalmente na ordem sobrenatural, segundo Jeremias: “Eu te amo com amor de eternidade (in caritate perpetua)” (Jr 31,3), e São João: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou em nós: Deus enviou o se Filho único ao mundo, para que tenhamos a vida por meio dele” (1Jo 4,9).
d) O amor de benevolência, com que amamos sobrenaturalmente a Deus e ao próximo por Deus. Este é o sentido nos seguintes textos de São Paulo: “Quem nos separará do amor (caridade) de Cristo?” (Rm 8,25); “Se eu falasse as línguas dos homens e as dos anjos, mas não tivesse amor... eu nada seria” (1Cor 13, 1-2); “arraigados e fundados na caridade” (Ef 3,17); “suportai-vos uns aos outros na caridade” (Ef 4,2).
e) O amor de compaixão para com o próximo quando lhe socorremos por amor a Deus. Neste sentido qualificamos como caridosas todas as pessoas que dão esmolas, pois a esmola mesma é uma obra de caridade.
f) O hábito sobrenatural infundido por Deus na vontade de que já falamos na própria definição. É neste sentido que o empregamos aqui.
É uma virtude teologal. É virtude porque é evidentemente um ato bom e louvável em toda a extensão da palavra; e é teologal porque tem Deus como objeto próprio e imediato.
Única. A caridade, de fato, é uma virtude especificamente una em espécie, atômica, indivisível. Porque, mesmo que seu objeto material constitua objetos tão variados e diferentes entre si (Deus, nós e o próximo), o motivo do amor – que é a razão específica – é único: a divina Bondade em si mesma como objeto da bem-aventurança comum a Ele, a nós mesmos e ao próximo (cf. Suma Teológica, II-II,23,5).
Desta característica, do fato de que a caridade seja uma só virtude indivisível, mesmo recaindo sobre três objetos materiais tão diferentes, se desprendem duas consequências importantes:
1ª. O amor sobrenatural de nós mesmos ou do próximo por Deus tem o nível e a categoria de virtude teologal, porque tem sempre a Deus como motivo formal – que é a razão específica – mesmo sendo o objeto material distinto de Deus.
2ª. Quando nos amamos a nós mesmos ou ao próximo por algum motivo distinto de Deus (p. ex. por simpatia natural, companheirismo, compaixão de suas misérias, ou por simples parentesco natural, etc.) não fazemos um ato de caridade sobrenatural no sentido estrito da palavra, mas de uma simples virtude natural adquirida (p. ex. de filantropia, altruísmo, etc.) incomparavelmente inferior à caridade.
Infundida por Deus. Só Ele pode infundi-la em nós, já que, como virtude natural, o homem jamais poderia adquiri-la por suas próprias forças naturais. Deus a infunde no momento mesmo em que o pecador recebe a graça santificante (pelo batismo, a absolvição sacramental ou ato de perfeita contrição).
Na vontade. A caridade, como hábito infuso, reside na vontade, já que seu ato é um movimento de amor para com o sumo Bem, e o amor e o bem constituem precisamente o ato e o objeto da vontade (Ibid. II-II, 24,1).
Dessa doutrina se desprende uma consequência lógica muito importante, na qual o amor sensível não é necessário, nem tem nada a ver com a caridade sobrenatural, que é uma realidade suprassensível. Há grande caridade com pouco ou nenhum sentimento, e grande sentimento com pouca e até nenhuma caridade. Contudo, o amor sensível (“os consolos de Deus”) são também muito estimáveis e podem servir de incentivos para a intensificação do próprio amor divino e para as obras reclamadas por ele; com isso, todavia, não devemos nos apegar nem buscar a eles em si mesmos, o que supõe uma espécie de gula espiritual, como disse São João da Cruz.
Pela qual o justo. Dizemos o justo porque, mesmo a caridade se distinguindo realmente da graça santificante, ordinariamente estão sempre juntas. Um pecador pode fazer um ato de perfeita caridade sob a influência de uma graça atual, tendo por resultado a infusão da graça santificante na alma e a virtude na vontade.
Ama a Deus por si mesmo. Por Deus em si mesmo, entende-se a essência divina com todos os atributos e as três divinas pessoas. Mas note-se que o objeto formal da caridade (motivo quo na terminologia escolástica) é Deus enquanto sumo Bem; mas não considerado como objeto de sua bem-aventurança e da nossa. Amamos a Deus com amor de caridade, enquanto a Bondade divina, infinitamente amável em si mesma, está destinada também para nós mesmos: incoativamente
3 nesta vida pela graça e consumativamente4 na outra pela glória. É, simplesmente, um amor a Deus como amigo.
Como amor de amizade. À primeira vista parece que não se pode falar de verdadeira amizade entre Deus e o homem por razão da infinita distância existente entre ambos. A verdadeira amizade parece exigir certa igualdade ou semelhança de natureza, dignidade, nível social, etc. E assim nenhum mendigo pretende ser amigo do rei ou de uma pessoa de alta dignidade muito superior à sua.
Apesar desses inconvenientes, a caridade sobrenatural constitui uma verdadeira e própria amizade entre Deus e os homens. Porque a amizade não é outra coisa senão um certo amor de mútua benevolência, fundado sobre alguma comunicação de bens entre os amigos. Requer, por isso mesmo, três condições: primeira, que seja amor de benevolência, desejando o bem do amigo pelo amigo, sem buscar a própria utilidade, o que seria amor de concupiscência. Segunda, que o amor seja mútuo e a benevolência recíproca. Terceira, que haja comunicação de corações. Ora, a caridade cumpre essas três condições, porque:
i) Por ela amamos a Deus por si mesmo, com verdadeiro amor de benevolência; nos congratulamos por suas infinitas perfeições, desejamos e procuramos a glória externa de Deus, a honra, a obediência, a exaltação de seu nome, nos entristecemos e nos condoemos pelas ofensas e injúrias que lhe fazem.
ii) A caridade é o amor mutuo, porque lemos nos Provérbios: “Amo aqueles que me amam” (Pr 8,17); e São João: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23). Observamos que, por uma parte, os justos que amam a Deus lhe oferecem seus coração e todas as coisas; por outra, Deus se entrega ao justo, vem a ele e estabelece sua morada nele e se deixa gozar pelo conhecimento e amor com uma experiência inefável, a qual somente conhecem os que a vivem e que só “a vida eterna sabe” (São João da Cruz). Pela caridade, Deus nos muda e transforma em si mesmo, segundo diz São Paulo: “Mas quem adere ao Senhor torna-se com ele um só espírito” (1Cor 6,7). Finalmente, derrama sobre quem o ama deleites inenarráveis e infunde em seus corações aquela paz que “supera todo entendimento” (Fl 4,7) e que o mundo não pode dar.
iii) Há, finalmente, na caridade, verdadeira comunicação de bens, como acabamos de dizer claramente. E, ademais, com a caridade merecemos a futura comunicação de Deus na pátria pela qual gozaremos eternamente dele, visto tal como é em si mesmo; e então a amizade com Deus, iniciada aqui na Terra, se fará firme, imóvel e sempiterna.
Sobre todas as coisas. O prescreve assim a Sagrada Escritura, tanto no antigo como no Novo Testamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda tua força e com todo o teu entendimento; e teu próximo como a ti mesmo!” (Lc 10,27; cf. Dt 6,15). Essa totalidade de afeto com que se deve amar a Deus significa que não se pode amar a nenhuma outra coisa mais do que a Deus, nem tanto como a Deus. Por isso o pecado mortal – pelo qual o pecador prefere algum bem criado ao Bem supremo – é uma desordem monstruosa contra a divina caridade, que a destrói totalmente.
E a si mesmo e ao próximo. São os outros dois objetos a que se estende a matéria da caridade. Entre eles ocupa o primeiro lugar o amor devido a nós mesmos, por sua vez modelo e exemplo de amor que devemos ter pelo próximo.
Por Deus. É o motivo formal da caridade em todos seus aspectos e manifestações. A razão de amarmos a nós mesmos e ao próximo com amor de caridade há de ser sempre Deus, ou seja, a divina bondade em si mesma e como objeto de nossa comum bem-aventurança. Sem isto, a caridade, enquanto tal, desaparece, para dar lugar a uma simpatia ou amor puramente natural e humano, sem valor sobrenatural no plano da vida eterna. Págs. 179-183; 190-192; 200-208.

[...].


______________

1 “É pela graça que fostes salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós: é dom de DEUS!” (Ef 2,8).
2 Mantemos aqui a tradução da definição apresentada pelo autor, a fim de respeitar a ordem da exposição que se segue. No Catecismo da Igreja Católica de 1997 aparece da seguinte forma: “A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas, por si mesmo, e a nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus” (§ 1822) – NT.
3 (latim tardio inchoativus, do latim inchoo, -are, começar, empreender, construir)
adjetivo1. Que dá ou origina um começo. = INICIAL 2. [Gramática] Diz se do verbo que designa começo ou aumento progressivo de .ação. "incoativo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 2013, https://dicionario.priberam.org/incoativo [consultado em 27-02-2019].
Consumativo: 1. Designa o momento da consumação do crime, momento em que o ato se aperfeiçoa, se amolda ao tipo penal.

terça-feira, 19 de março de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: VIRTUDES CARDEAIS

VIRTUDES CARDEAIS

1. NOÇÃO

Como dissemos anteriormente, o nome de “cardeais” deriva do latim cardo, cardinis, a dobradiça ou gonzo da porta; porque, em efeito, sobre elas, como sobre as dobradiças, gira e descansa toda a vida moral humana e cristã.


2. NÚMERO

As virtudes são quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança. A prudência dirige o entendimento prático em suas determinações; a justiça aperfeiçoa a vontade de dar a cada um o que lhe corresponde; a fortaleza reforça o apetite irascível para tolerar o desagradável e enfrentar o que se deve fazer, apesar das dificuldades; e a temperança põe em ordem o reto uso das coisas aprazíveis e agradáveis.
O conjunto total das virtudes infusas teologais e morais poderia ser representado graficamente com uma imagem astronômica formada do seguinte modo:
a) Três grandes estrelas ou sóis com luz própria; fé, esperança e caridade.
b) Quatro grandes planetas com luz recebida do sol: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
c) Muitas virtudes satélites relacionadas com seus respectivos planetas, como derivadas ou anexas.
Estudadas as três virtudes estrelas ou sóis, vamos abordar agora o estudo dos quatro planetas, ou seja, das quatro virtudes cardeais, que, por sua vez, nos permitirão estudar seus correspondentes satélites ou virtudes derivadas, que se relacionam em algum com sua virtude cardeal correspondente.

I. A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA
1. NOÇÃO

A prudência é uma grande virtude que tem por objetivo ditar o que devemos fazer em cada caso particular. Como virtude natural ou adquirida foi definida por Aristóteles como: “A reta razão no agir”. Como virtude sobrenatural infusa pode ser definida como:
Uma virtude especial infundida por Deus no entendimento prático para o reto governo de nossas ações particulares ordenadas a um fim sobrenatural.
Expliquemos um pouco os termos da definição.
a) Uma virtude especial, distinta de todas as demais.
b) Infundida por Deus no entendimento prático. Como se sabe, a razão (ratio) ou entendimento, é uma das potências ou faculdades da alma (como a memória e a vontade). No entanto, o entendimento se subdivide em especulativo e prático. O especulativo se dedica à formulação teórica dos princípios nos quais se apoia a prudência, enquanto que o prático recai sobre os atos particulares ou concretos que deve realizar. A prudência, como virtude, recai precisamente sobre esses atos concretos que hão de se realizar: logo, reside no entendimento prático, não no especulativo.
c) Para o reto governo de nossas ações particulares. O ato próprio da virtude da prudência é ditar (em sentido perfeito, ou seja, intimado ou imperando) o que se deve fazer concretamente em um momento determinado hic et nunc, levando em conta todas as circunstâncias, depois de uma madura deliberação e conselho.
d) Ordenadas para um fim sobrenatural. É o objeto formal ou motivo próximo, que a distingue radicalmente da prudência natural ou adquirida, que só se dirige às coisas deste mundo.

2. IMPORTÂNCIA

É a mais importante de todas as virtudes morais depois da virtude da religião, como veremos em seu devido lugar. Sua influência se estende a todas as demais virtudes, assinalando-lhes o justo meio em que consistem todas elas, para que não se desviem por excesso ou por defeito em direção aos seus extremos desordenados. Também as próprias virtudes teologais necessitam do controle da prudência, não porque consistam no meio – como as morais –, mas por causa do sujeito e do modo de seu exercício, isto é, no seu devido tempo e tendo em conta todas as circunstâncias. Seria uma ilusão imprudente vagar o dia todo a exercitar as virtudes teologais, descuidando do cumprimento dos deveres de estado. Por isso se chama a prudência de auriga virtutum, porque dirige e governa as demais virtudes como um cocheiro que controla as rédeas de uma carruagem puxada por cavalos.
A importância e necessidade da prudência está manifesta em inúmeras passagens da Sagrada Escritura. O próprio Senhor Jesus Cristo nos adverte: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas”. (Mt 10,16). Sem a prudência, nenhuma virtude pode ser perfeita. Ademais, é útil para evitar o pecado, dando-nos a conhecer – por experiência – as causas e ocasiões do mesmo, mostrando-nos os remédios oportunos. Quantos pecados cometeríamos sem ela e quantos cometeremos se não seguirmos seus ditames!

[...].

II. VIRTUDE DA JUSTIÇA
1. NOÇÃO


Com frequência se emprega a palavra justiça na Sagrada Escritura como sinônimo de santidade: os justos são os santos. E assim disse Nosso Senhor Jesus Cristo no Sermão da Montanha: “Bem aventurados os que têm sede de justiça” (Mt 5,6), ou seja, de santidade. Mas em sentido estrito, como virtude especial, a justiça pode ser definida assim:
“A vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe corresponde estritamente”.
Expliquemos um pouco os termos da definição para conhecê-la melhor:
a) A vontade, entendendo por tal não a potência ou faculdade mesma (onde reside o hábito da justiça) mas seu ato, ou seja, a determinação da vontade de dar a cada um o que lhe corresponde.
b) Constante e perpétua, porque, como explica Santo Tomás, “isto o reclama a ideia de justiça, para a qual não basta queremos observá-la por algum tempo, num certo negócio; pois, é difícil encontrar quem queira agir sempre injustamente; mas, é preciso que tenhamos a vontade perpétua de observar sempre a justiça”
1. A palavra constante designa a perseverança firme no propósito; e a expressão perpétua, a intenção de guardá-la sempre.
c) De dar a cada um, ou seja, ao nosso próximo. A justiça requer sempre a alteridade, já que ninguém pode propriamente cometer injustiças contra si mesmo.
d) De dar o que corresponde, ou seja, o que se deve. Não se trata de uma esmola ou presente, mas do devido ao próximo, porque ele tem direito a isso.
e) Estritamente, ou seja, nem mais nem menos do que se deve. Se ficamos abaixo do devido estritamente (p. ex. pagando só dez reais a quem devemos doze) cometemos uma injustiça. Mas se ultrapassamos o devido (p. ex. dando vinte a que devemos apenas dez) não violamos o princípio da justiça (porque pagamos a mais) mas praticamos, em realidade, a liberalidade ou a esmola e não a justiça em sentido estrito.

[...].

3. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A justiça é uma das quatro grandes virtudes morais que ostentam o estatuto de cardeais, porque ao redor delas – como deve ser a dobradiça da porta – gira toda a vida moral.
Depois da prudência, a justiça é a mais excelente das virtudes cardeais, mesmo sendo inferior às virtudes teologais e algumas de suas derivadas, como a religião por exemplo, que tem um objetivo imediato mais nobre: o culto a Deus. Isto a aproxima das virtudes teologais ocupando o quarto lugar no conjunto total das virtudes infusas.
A justiça tem uma grande importância e é de absoluta necessidade, tanto na ordem individual como na social. Aperfeiçoa e ordena nossas relações com Deus e com o próximo; faz com que respeitemos mutuamente nossos direitos; proíbe a fraude e o engano; pratica a simplicidade, veracidade e gratidão mútua (virtudes satélites da justiça); regula as relações dos indivíduos particulares entre si, as de cada um com a sociedade e da sociedade com o indivíduo (justiça social). Ao ordenar todas as coisas, traz consigo a paz e o bem estar de todos, já que a paz não é outra coisa senão “a tranquilidade da ordem” segundo a magnífica definição de Santo Agostinho. Por isso, diz a Sagrada Escritura que a paz é obra da justiça: opus iustitiae, pax (Is 32,17); se bem que, como explica Santo Tomás, a paz é obra da justiça indiretamente, ou seja, enquanto remove os obstáculos opostos a ela (ut removens prohibens), mas a paz provém própria e diretamente da caridade, que é a virtude realizadora por excelência da união de todos os corações.
2
Em seu devido lugar, examinaremos brevemente o magnífico conjunto das partes potenciais ou virtudes derivadas, ou satélites da justiça, o que aumentará nossa estima por esta grande virtude cardeal.

[...].

III – A VIRTUDE DA FORTALEZA
1. NOÇÃO

A palavra fortaleza pode ser tomada em dois sentidos principais:
a) Enquanto significa, em geral, certa firmeza de ânimo ou energia de caráter. Nesse sentido não é virtude especial, mas uma condição geral que acompanha toda virtude, que, para ser verdadeiramente tal, deve ser praticada com firmeza e energia.
b) Para designar a terceira das virtudes cardeais. Nesse sentido pode ser definida como:
Uma virtude cardeal, infundida com a graça santificante, que enaltece o apetite irascível e a vontade para que não desistam de conseguir o bem árduo ou difícil, nem sequer diante do máximo perigo de vida corporal.
Expliquemos um pouco a definição:
i) Uma virtude cardeal... posto que vindica para si, de forma especial, uma das condições comuns a todas as demais virtudes, que é a firmeza em agir.
ii) infundida com a graça santificante... para distingui-la da fortaleza natural ou adquirida.
c) Que enaltece o apetite irascível e a vontade... A fortaleza reside, como em seu próprio sujeito, no apetite irascível, porque se exercita sobre o temor e a audácia que nele residem. Mas influencia também, por redundância, sobre a vontade para que possa escolher o bem árduo e difícil sem que lhe coloquem obstáculos às suas paixões.
iii) Para que não desistam de conseguir o bem árduo ou difícil... Como se sabe, o bem árduo é o objeto do apetite irascível. Ora, a fortaleza tem por objeto robustecer o apetite irascível, para que não desista de conseguir o bem difícil, por maiores que sejam as dificuldades e os perigos que se apresentem.
iv) Nem sequer frente o máximo perigo de vida corporal... Acima de todos os bens corporais, deve-se buscar sempre o bem da razão e da virtude, que é imensamente superior ao corporal; mas como entre os perigos e temores corporais o mais terrível de todos é a morte, a fortaleza robustece principalmente contra esses temores, como é evidente na vida dos mártires que não vacilaram em dar sua vida para conservar ou confessar a fé ou outra virtude sobrenatural. Por isso o martírio é o ato principal da virtude da fortaleza.

[...]

3. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A fortaleza é uma virtude muito importante e excelente, mesmo não sendo a máxima entre todas as virtudes cardeais. Porque o bem da razão – que é o objeto de toda virtude – pertence essencialmente à prudência; de maneira efetiva, à justiça; e só conservativamente (ou seja, removendo os impedimentos) à fortaleza e à temperança. E entre estas duas últimas prevalece a fortaleza, porque é mais difícil no caminho do bem superar os perigos da morte, do que os perigos procedentes das deleitações do tato, por sua vez regulados pela temperança. Conclui-se então que a ordem de perfeição entre as virtudes cardeais é a seguinte: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
Na vida espiritual e no caminho para a perfeição, a fortaleza, em seu duplo ato de atacar e resistir, é muito importante e necessária. Há no caminho da virtude grande número de obstáculos e dificuldades que é preciso superar com valentia e queremos chegar até os cumes da santidade. Para isso, é mister muita decisão em empreender o caminho da perfeição custe o que custar, muito valor para não se assustar ante a presença do inimigo; muita coragem para o atacar e vencer, e muita constância e paciência para levar o esforço até o fim, sem abandonar as armas em meio ao combate. Toda esta firmeza e energia deve ser proporcionada pela virtude da fortaleza, robustecida, por sua vez, pelo dom do Espírito Santo de mesmo nome: o dom da fortaleza, do qual falamos brevemente em outro ponto desta obra.

[...].

IV – A VIRTUDE DA TEMPERANÇA
1. NOÇÃO

A palavra temperança pode ser empregada em dois sentidos:
a) Para significar a moderação que impõe à razão em toda ação e paixão (sentido lato), em cujo caso não se trata de uma virtude especial e sim de uma condição geral, que deve acompanhar todas as virtudes morais.
b) Para designar uma virtude especial que constitui uma das quatro virtudes morais principais, chamadas cardeais (sentido estrito). Neste sentido pode ser definida:
Uma virtude sobrenatural que modera a inclinação aos prazeres sensíveis, especialmente do tato e do gosto, contendo-a dentro dos limites da razão iluminada pela fé.
Expliquemos um pouco a definição:
i) Uma virtude sobrenatural... (infusa), para distingui-la da temperança natural ou adquirida.
ii) Que modera a inclinação aos prazeres sensíveis... O próprio da temperança é refrear os movimentos do apetite concupiscível – onde reside –, diferente da fortaleza, que tem por missão excitar o apetite irascível na busca do bem honesto.
iii) Especialmente do tato e do gosto... Mesmo que a temperança deva moderar os prazeres sensíveis aos quais nos inclinam o apetite concupiscível, recai de maneira especial sobre os pecados próprios do tato e do gosto (luxúria e gula principalmente) que levam consigo a máxima deleitação – como necessários para a conservação da espécie ou do indivíduo – e são, por essa razão, mais aptos para arrastar o apetite caso não seja refreado por uma virtude especial que é a temperança estritamente dita. Principalmente recai sobre os deleites do tato, e secundariamente sobre os demais sentidos.
iv) Contendo-a dentro dos limites da razão iluminada pela fé. A temperança natural ou adquirida é regida unicamente pelas luzes da razão natural, e contém o apetite concupiscível dentro de seus limites racionais e humanos; a temperança sobrenatural ou infusa vai muito mais longe, posto que às luzes da simples razão natural são acrescentadas as luzes da fé, que têm exigências mais finas e delicadas.

2. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A temperança é uma virtude cardeal que possui várias outras derivadas ou satélites, e neste sentido é uma virtude excelente; mas, por ter como objeto a moderação dos atos do próprio indivíduo, sem nenhuma relação com os demais, ocupa o último lugar entre as virtudes cardeais.
Sem embargo, por ser a última das virtudes cardeais, a temperança é uma das virtudes mais importantes e necessárias na vida do cristão. A razão disso é a de que a temperança deve moderar, sustentando-os dentro da razão e da fé, dois dos instintos mais fortes e veementes da natureza humana, que facilmente se extraviariam sem uma virtude moderativa dos mesmos. A Divina Providência quis unir um deleite ou prazer àquelas operações naturais necessárias para conservação do indivíduo e da espécie; daí a veemente inclinação do homem aos prazeres do gosto e da geração, que possuem aquela finalidade alta, querida e pretendida pelo próprio Autor da natureza. Mas por brotar com veemência da própria natureza humana, tendem com grande facilidade a desgarrar-se fora dos limites do justo e do razoável – o que seja necessário para a conservação do indivíduo e da espécie, na forma e circunstâncias assinaladas por Deus e nada além disso –, arrastando consigo o homem para a zona do ilícito e do pecaminoso. Esta é a razão da necessidade de uma virtude infusa moderativa dos apetites naturais e da singular importância dessa virtude na vida cristã ou simplesmente humana.
Tal é o papel da temperança infusa. É ela que nos faz usar do prazer para um honesto e sobrenatural, na forma assinalada por Deus a cada um segundo seu estado e condição. E como o prazer é em si mesmo sedutor e nos arrasta facilmente para mais além dos limites justos, a temperança infusa inclina à mortificação inclusive de muitas coisas lícitas, para nos manter afastados do pecado e ter perfeitamente controlada e submetida a vida passional. Págs. 227-230; 234-238; 239-240,242; 243-246.

[...].


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1 SANTO TOMÁS, SUMA TEOLÓGICA II-II, 58,1 AD3. CF. AD 4.
2 SANTO TOMÁS, II-II, 29,3 AD 3.




quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

CD - Banda Dom (Ao Vivo) - Download





Faixas do CD:

01 - Permanecer No Amor
02 - Há Uma Oração
03 - A Volta
04 - O Amor Vai Falar
05 - Aos Pés De Tua Cruz
06 - Eu Vou Pelo Mundo (Part. Esp. Marcio Pacheco)
07 - Canção De Pedro
08 - A Medida Do Amor
09 - O Céu Em Você
10 - Seu Amor É Demais(Part. Esp. Rosa de Saron)
11 - Neste Altar
12 - Quanto tempo Você Tem?
13 - Olha Para mim
14 - Fiat (Faça-se)(Part. Esp. Laís Mota)
15 - Te Louvarei
16 - Coração Adorador
17 - Tudo É Do Pai
18 - Deus Do Meu Coração
19 - Deus É Dez



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: A EUCARISTIA (ÚLTIMA PARTE)

II. A EUCARISTIA COMO SACRIFÍCIO


[...].

1. NOÇÕES PRÉVIAS

Recordemos em primeiro lugar algumas noções dogmáticas em torno da santa Missa como sacrifício eucarístico.
1ª. A santa Missa é substancialmente o mesmo sacrifício da cruz, com todo seu valor infinito: a mesma Vítima, a mesma oblação e o mesmo Sacerdote principal. Entre a Missa e o sacrifício do Calvário não há mais do que uma diferença acidental: o modo de se realizar (cruento na cruz, incruento no altar). Assim o declarou a Igreja dogmaticamente no concílio de Trento.
1
2ª. A santa Missa, como verdadeiro sacrifício que é, realiza propriamente as quatro finalidades do mesmo: adoração, reparação, petição e ação de graças (D 948 e 950/ DH 1752 e 1753).
3ª. O valor da Missa é, em si mesmo, rigorosamente infinito, como também é o do Calvário que nela se faz presente. Mas seus efeitos, enquanto dependem de nós, se aplicam apenas na medida de nossas disposições interiores.
4ª. Cristo faz na santa Missa o triplo ofício de Sacerdote, Vítima e Altar.

2. FINS E EFEITOS DA SANTA MISSA

A santa Missa, como reprodução do sacrifício redentor, tem os mesmos fins e produz os mesmos efeitos que o sacrifício da cruz. São os mesmos fins e efeitos do sacrifício em geral, como ato mais importante da virtude da religião, porém em grau incomparavelmente superior. São os seguintes:
i) Adoração. O sacrifício da Missa rende a Deus uma adoração absolutamente digna d’Ele, rigorosamente infinita. Esse efeito se produz sempre, infalivelmente, ex opere operato, mesmo que a Missa seja celebrada por um sacerdote indigno e em pecado mortal. A razão é porque o valor latrêutico
2 ou de adoração depende da dignidade infinita do Sacerdote principal que o oferece e do valor da Vítima oferecida.
Recordem da ânsia atormentadora de glorificar a Deus experimentada pelos santos. Com uma só Missa poderiam aplacar para sempre sua sede. Com ela damos a Deus toda a glória e toda a honra que se deve a Ele em reconhecimento de sua soberana grandeza e supremo domínio; e isso do modo mais perfeito possível, em grau rigorosamente infinito. Por causa do Sacerdote principal e da Vítima oferecida, uma só Missa glorifica mais a Deus do que o glorificam no Céu, por toda a eternidade, todos os anjos, santos e bem-aventurados juntos incluindo a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus.
A razão é muito simples e evidente: a glória que proporcionarão a Deus durante toda a eternidade por todas as criaturas juntas será enorme, mas não infinita, porque não o pode ser: as criaturas não podem produzir nada de infinito. Obviamente, disso não se pode inferir que a Missa, para glorificar a Deus, valha mais do que o Céu, porque no Céu está também o próprio Cristo que agrega o seu valor infinito ao valor finito das criaturas.
A missa glorifica infinitamente a Deus, tanto como o Céu eterno! Em retorno a essa incomparável glorificação, Deus se inclina amorosamente às suas criaturas. Daí procede o imenso valor de santificação que encerra para nós o santo sacrifício da Missa.
· Consequência. Que tesouro é o da santa Missa! E pensar que muitos cristãos – a maior parte pessoas devotas – não se dão conta disso e preferem suas práticas rotineiras de devoção à sua incorporação a este sublime sacrifício, que constitui o ato principal da religião e culto da verdadeira Igreja de Jesus Cristo!
ii) Reparação. Depois da adoração, não há outro dever mais prioritário para com o Criador do que reparar as ofensas recebidas de nós. E também nesse sentido, o valor da santa Missa é absolutamente incomparável, já que com ela oferecemos ao Pai a reparação infinita de Cristo com toda sua eficácia redentora.
Durante o dia, está a Terra inundada pelo pecado; a impiedade e a imoralidade não perdoam coisa alguma. Por que não nos castiga Deus? Porque cada dia, cada hora, o Filho de Deus, imolado no altar, aplaca a ira de Seu Pai e desarma seu braço pronto para castigar.
Inúmeras são as fagulhas produzidas pelas chaminés dos navios; contudo, não causam incêndios, porque caem no mar e são apagadas pela água. Incontáveis são os crimes que diariamente sobem da Terra e clamam vingança ante o trono de Deus; não obstante isso, graças à virtude reconciliadora da Missa, se afogam no mar da misericórdia divina.
3
· Claro que esse efeito não se aplica a nós em toda sua plenitude infinita (bastaria uma só Missa para reparar, com grande superabundância, todos os pecados do mundo e liberar de suas penas a todas as almas do Purgatório), mas em grau limitado e finito segundo nossas disposições.

No entanto:
a) Alcança-nos – por si mesma, ex opere operato se não lhe colocamos obstáculos – a graça atual necessária para nos arrependermos de nossos pecados. Assim ensina expressamente o Concílio de Trento: “Aplacado por esta oblação, o Senhor, concedendo a graça e o dom da penitência, perdoa os crimes e os pecados, por grande que sejam” (D 940/D.H. 1743).
· Consequência. Nada pode fazer-se mais eficaz para obter de Deus a conversão de um pecador do que oferecer por essa intenção o santo sacrifício da Missa, rogando ao mesmo tempo ao Senhor que retire do coração do pecador os obstáculos para a obtenção infalível dessa graça.
b) Perdoa sempre, infalivelmente, se não houver obstáculo, ao menos parte da pena temporal a ser paga pelos pecados neste mundo ou no Purgatório. Daí que a santa Missa é o melhor sufrágio que se pode oferecer pelas almas do Purgatório (D 940 e 950/ DH 1743 e 1753). O grau e medida dessa remissão depende de nossas disposições, ao menos em relação aos nossos pecados próprios, porque no que se refere aos pecados alheios depende unicamente da vontade de Deus, ainda que também ajude muito a devoção de que diz a Missa ou a de quem a encomendou.
4
· Consequência. Nenhum sufrágio as almas do Purgatório aproveitam tão eficazmente como a aplicação do santo sacrifício da Missa. Nenhuma outra penitência sacramental os confessores podem impor a seus penitentes cujo valor satisfatório possa ser comparado ao de uma só Missa oferecida a Deus. Que doce Purgatório pode ser para a alma a santa Missa!
iii) Petição. Nossas necessidades são imensas em todas as ordens da vida, mas todas elas podem encontrar sua solução ao incorporar nossa indigente petição à oração onipotente de Jesus Cristo “sempre vivo para interceder por nós” (Hb 7,25). Cristo se oferece na santa Missa ao Pai para obtermos, pelo mérito infinito de sua oblação, todas as graças da vida divina que necessitamos. Ao incorporá-la à santa Missa, nossa oração não somente entra no caudaloso rio de nossas orações litúrgicas – que já lhe daria uma dignidade e eficácia especial ex opere operantes Ecclesiae –, mas também se confunde com a oração infinita de Cristo. O Pai O escuta sempre: “Eu sei que sempre me escutas” (Jo 11,42), e em atenção a Ele está disposto a nos conceder tudo quanto peçamos ou necessitemos.
E tenha-se em conta que o sacrifício da Missa, por ser de eficácia infinita, não se esgota nem diminui, por muitos que sejam os que participem dele a cada vez. O sol ilumina igualmente a uma ou a mil pessoas que se encontram em uma praça. Cada um daqueles que participam de uma Missa recebe por inteiro toda a sua eficácia, tendo por limitação apenas o grau de suas disposições pessoais, sem que a presença dos outros mil participantes lhe roube ou prejudique o mais minimamente: cada um dos participantes se aproveita da Missa inteira, como se só para ele a tivesse celebrado o Sacerdote. Por onde se vê o quão equivocados estão aqueles que exigem do sacerdote que aplique a Missa exclusivamente para eles ou seus próprios defuntos com exclusão de todos os demais.
· Consequência. Não há novena nem tríduo que se possa comparar à eficácia impetratória de uma só Missa. Quanta ignorância e desorientação entre os fiéis em torno do valor objetivo das coisas! Aquilo que não obtemos com a Missa, jamais obteremos por qualquer outro procedimento. É muito louvável o emprego de outros procedimentos abençoados e aprovados pela Igreja; é inquestionável que Deus conceda muitas graças através deles, mas coloquemos cada coisa em seu devido lugar. A Missa acima de tudo.
iv) Ação de Graças. Os imensos benefícios de ordem natural e sobrenatural recebidos por nós de Deus nos fizeram contrair perante Ele uma dívida infinita de gratidão. A eternidade inteira resultaria impotente para saldar essa dívida se não contássemos com outros meios além dos quais por nossa conta pudéssemos lhe oferecer. Mas está à nossa disposição um procedimento para liquidá-la totalmente com infinito saldo a nosso favor: o santo sacrifício da Missa. Por ela oferecemos ao Pai um sacrifício eucarístico, ou de ação de graças, que supera nossa dívida rebaixando-a infinitamente, porque é o próprio Cristo quem se imola por nós e em nosso lugar dá graças a Deus por seus imensos benefícios. E, ao mesmo tempo, é fonte de novas graças, porque o benfeitor gosta de ser correspondido.
Esse efeito eucarístico ou “de ação de graças” – pois esse é o significado da palavra eucarística – é produzido pela santa Missa por si mesma: sempre, infalivelmente, ex opere operato, independentemente de nossas disposições.
Tais são, em linhas gerais, as riquezas infinitas encerradas na santa Missa. Por isso os santos, iluminados por Deus, a tinham em grande apreço. Era o centro de sua vida, a fonte de sua espiritualidade, o sol resplandecente ao redor do qual giravam todas as suas atividades. O santo Cura d’Ars, São João Maria Vienney, falava com tal fervor e convicção da excelência da santa Missa, que chegou a conseguir que todos seus paroquianos a ouvissem diariamente participando ativamente dela.
Mas para obter de sua celebração ou participação o máximo rendimento santificador, é preciso insistir nas disposições necessárias por parte do sacerdote que a celebra e do simples fiel que a segue em companhia de toda a assembleia.

3. DISPOSIÇÕES PARA O SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA

Alguém disse que para celebrar ou participar dignamente em uma só Missa fariam falta três eternidades: uma para se preparar, outra para celebrá-la ou participar dela, e outra para dar graças. Sem chegar a tanto, é certo dizer que toda preparação será pouca por mais diligente e fervorosa que seja.
As principais disposições são de duas classes: externas e internas.
a) Externas. Para o sacerdote consistirão em perfeito cumprimento das rubricas e cerimônias que a Igreja lhe assinala.
5 Para o simples fiel, no respeito, modéstia e atenção com que deve participar ativamente da cerimônia.
b) Internas. A melhor é identificar-se com Jesus Cristo imolado no altar. Oferecer ao Pai a Jesus e oferecer-se a si mesmo n’Ele, com Ele e por Ele. Esta é a hora de pedir-lhe que nos converta em pão, para ser comido por nossos irmãos com nossa entrega total pela caridade. União íntima com Maria ao pé da Cruz; com São João, o discípulo amado; com o sacerdote celebrante, novo Cristo na terra (“Cristo outra vez”, como gostava de dizer uma alma iluminada por Deus). União a todas as Missas que se celebrem no mundo inteiro. Não peçamos nunca nada a Deus sem acrescentar, como preço infinito da graça que anelamos: “Senhor, pelo sangue adorável de Jesus, que neste momento está elevando em seu cálice um sacerdote católico, em algum canto do mundo”.
A santa Missa celebrada ou participada com essas disposições é um instrumento de santificação de primeira categoria, sem dúvida alguma o mais importante de todos. Págs. 170-178.


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1 “Com efeito, uma só e mesma é a Vítima, pois quem agora se oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que então se ofereceu na cruz; só o modo de oferecer é diferente”. (cruento ou incruento) (D 940/DH 1743).
2 De adoração, de louvor. Adoração do Santíssimo Sacramento, dos Católicos.
3 ARAMI, VIVE TU VIDA C.21.
4 Cf. SANTO TOMÁS, SUMA TEOLÓGICA, III,79,5; SUPPL.71,9.
5 Na sacristia de uma igreja se lê esta excelente recomendação ao sacerdote que se está revestindo com os ornamentos sacerdotais: “Procura celebrar esta missa como se fora a primeira, a última e a única de vida”.

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