quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: A EUCARISTIA (ÚLTIMA PARTE)

II. A EUCARISTIA COMO SACRIFÍCIO


[...].

1. NOÇÕES PRÉVIAS

Recordemos em primeiro lugar algumas noções dogmáticas em torno da santa Missa como sacrifício eucarístico.
1ª. A santa Missa é substancialmente o mesmo sacrifício da cruz, com todo seu valor infinito: a mesma Vítima, a mesma oblação e o mesmo Sacerdote principal. Entre a Missa e o sacrifício do Calvário não há mais do que uma diferença acidental: o modo de se realizar (cruento na cruz, incruento no altar). Assim o declarou a Igreja dogmaticamente no concílio de Trento.
1
2ª. A santa Missa, como verdadeiro sacrifício que é, realiza propriamente as quatro finalidades do mesmo: adoração, reparação, petição e ação de graças (D 948 e 950/ DH 1752 e 1753).
3ª. O valor da Missa é, em si mesmo, rigorosamente infinito, como também é o do Calvário que nela se faz presente. Mas seus efeitos, enquanto dependem de nós, se aplicam apenas na medida de nossas disposições interiores.
4ª. Cristo faz na santa Missa o triplo ofício de Sacerdote, Vítima e Altar.

2. FINS E EFEITOS DA SANTA MISSA

A santa Missa, como reprodução do sacrifício redentor, tem os mesmos fins e produz os mesmos efeitos que o sacrifício da cruz. São os mesmos fins e efeitos do sacrifício em geral, como ato mais importante da virtude da religião, porém em grau incomparavelmente superior. São os seguintes:
i) Adoração. O sacrifício da Missa rende a Deus uma adoração absolutamente digna d’Ele, rigorosamente infinita. Esse efeito se produz sempre, infalivelmente, ex opere operato, mesmo que a Missa seja celebrada por um sacerdote indigno e em pecado mortal. A razão é porque o valor latrêutico
2 ou de adoração depende da dignidade infinita do Sacerdote principal que o oferece e do valor da Vítima oferecida.
Recordem da ânsia atormentadora de glorificar a Deus experimentada pelos santos. Com uma só Missa poderiam aplacar para sempre sua sede. Com ela damos a Deus toda a glória e toda a honra que se deve a Ele em reconhecimento de sua soberana grandeza e supremo domínio; e isso do modo mais perfeito possível, em grau rigorosamente infinito. Por causa do Sacerdote principal e da Vítima oferecida, uma só Missa glorifica mais a Deus do que o glorificam no Céu, por toda a eternidade, todos os anjos, santos e bem-aventurados juntos incluindo a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus.
A razão é muito simples e evidente: a glória que proporcionarão a Deus durante toda a eternidade por todas as criaturas juntas será enorme, mas não infinita, porque não o pode ser: as criaturas não podem produzir nada de infinito. Obviamente, disso não se pode inferir que a Missa, para glorificar a Deus, valha mais do que o Céu, porque no Céu está também o próprio Cristo que agrega o seu valor infinito ao valor finito das criaturas.
A missa glorifica infinitamente a Deus, tanto como o Céu eterno! Em retorno a essa incomparável glorificação, Deus se inclina amorosamente às suas criaturas. Daí procede o imenso valor de santificação que encerra para nós o santo sacrifício da Missa.
· Consequência. Que tesouro é o da santa Missa! E pensar que muitos cristãos – a maior parte pessoas devotas – não se dão conta disso e preferem suas práticas rotineiras de devoção à sua incorporação a este sublime sacrifício, que constitui o ato principal da religião e culto da verdadeira Igreja de Jesus Cristo!
ii) Reparação. Depois da adoração, não há outro dever mais prioritário para com o Criador do que reparar as ofensas recebidas de nós. E também nesse sentido, o valor da santa Missa é absolutamente incomparável, já que com ela oferecemos ao Pai a reparação infinita de Cristo com toda sua eficácia redentora.
Durante o dia, está a Terra inundada pelo pecado; a impiedade e a imoralidade não perdoam coisa alguma. Por que não nos castiga Deus? Porque cada dia, cada hora, o Filho de Deus, imolado no altar, aplaca a ira de Seu Pai e desarma seu braço pronto para castigar.
Inúmeras são as fagulhas produzidas pelas chaminés dos navios; contudo, não causam incêndios, porque caem no mar e são apagadas pela água. Incontáveis são os crimes que diariamente sobem da Terra e clamam vingança ante o trono de Deus; não obstante isso, graças à virtude reconciliadora da Missa, se afogam no mar da misericórdia divina.
3
· Claro que esse efeito não se aplica a nós em toda sua plenitude infinita (bastaria uma só Missa para reparar, com grande superabundância, todos os pecados do mundo e liberar de suas penas a todas as almas do Purgatório), mas em grau limitado e finito segundo nossas disposições.

No entanto:
a) Alcança-nos – por si mesma, ex opere operato se não lhe colocamos obstáculos – a graça atual necessária para nos arrependermos de nossos pecados. Assim ensina expressamente o Concílio de Trento: “Aplacado por esta oblação, o Senhor, concedendo a graça e o dom da penitência, perdoa os crimes e os pecados, por grande que sejam” (D 940/D.H. 1743).
· Consequência. Nada pode fazer-se mais eficaz para obter de Deus a conversão de um pecador do que oferecer por essa intenção o santo sacrifício da Missa, rogando ao mesmo tempo ao Senhor que retire do coração do pecador os obstáculos para a obtenção infalível dessa graça.
b) Perdoa sempre, infalivelmente, se não houver obstáculo, ao menos parte da pena temporal a ser paga pelos pecados neste mundo ou no Purgatório. Daí que a santa Missa é o melhor sufrágio que se pode oferecer pelas almas do Purgatório (D 940 e 950/ DH 1743 e 1753). O grau e medida dessa remissão depende de nossas disposições, ao menos em relação aos nossos pecados próprios, porque no que se refere aos pecados alheios depende unicamente da vontade de Deus, ainda que também ajude muito a devoção de que diz a Missa ou a de quem a encomendou.
4
· Consequência. Nenhum sufrágio as almas do Purgatório aproveitam tão eficazmente como a aplicação do santo sacrifício da Missa. Nenhuma outra penitência sacramental os confessores podem impor a seus penitentes cujo valor satisfatório possa ser comparado ao de uma só Missa oferecida a Deus. Que doce Purgatório pode ser para a alma a santa Missa!
iii) Petição. Nossas necessidades são imensas em todas as ordens da vida, mas todas elas podem encontrar sua solução ao incorporar nossa indigente petição à oração onipotente de Jesus Cristo “sempre vivo para interceder por nós” (Hb 7,25). Cristo se oferece na santa Missa ao Pai para obtermos, pelo mérito infinito de sua oblação, todas as graças da vida divina que necessitamos. Ao incorporá-la à santa Missa, nossa oração não somente entra no caudaloso rio de nossas orações litúrgicas – que já lhe daria uma dignidade e eficácia especial ex opere operantes Ecclesiae –, mas também se confunde com a oração infinita de Cristo. O Pai O escuta sempre: “Eu sei que sempre me escutas” (Jo 11,42), e em atenção a Ele está disposto a nos conceder tudo quanto peçamos ou necessitemos.
E tenha-se em conta que o sacrifício da Missa, por ser de eficácia infinita, não se esgota nem diminui, por muitos que sejam os que participem dele a cada vez. O sol ilumina igualmente a uma ou a mil pessoas que se encontram em uma praça. Cada um daqueles que participam de uma Missa recebe por inteiro toda a sua eficácia, tendo por limitação apenas o grau de suas disposições pessoais, sem que a presença dos outros mil participantes lhe roube ou prejudique o mais minimamente: cada um dos participantes se aproveita da Missa inteira, como se só para ele a tivesse celebrado o Sacerdote. Por onde se vê o quão equivocados estão aqueles que exigem do sacerdote que aplique a Missa exclusivamente para eles ou seus próprios defuntos com exclusão de todos os demais.
· Consequência. Não há novena nem tríduo que se possa comparar à eficácia impetratória de uma só Missa. Quanta ignorância e desorientação entre os fiéis em torno do valor objetivo das coisas! Aquilo que não obtemos com a Missa, jamais obteremos por qualquer outro procedimento. É muito louvável o emprego de outros procedimentos abençoados e aprovados pela Igreja; é inquestionável que Deus conceda muitas graças através deles, mas coloquemos cada coisa em seu devido lugar. A Missa acima de tudo.
iv) Ação de Graças. Os imensos benefícios de ordem natural e sobrenatural recebidos por nós de Deus nos fizeram contrair perante Ele uma dívida infinita de gratidão. A eternidade inteira resultaria impotente para saldar essa dívida se não contássemos com outros meios além dos quais por nossa conta pudéssemos lhe oferecer. Mas está à nossa disposição um procedimento para liquidá-la totalmente com infinito saldo a nosso favor: o santo sacrifício da Missa. Por ela oferecemos ao Pai um sacrifício eucarístico, ou de ação de graças, que supera nossa dívida rebaixando-a infinitamente, porque é o próprio Cristo quem se imola por nós e em nosso lugar dá graças a Deus por seus imensos benefícios. E, ao mesmo tempo, é fonte de novas graças, porque o benfeitor gosta de ser correspondido.
Esse efeito eucarístico ou “de ação de graças” – pois esse é o significado da palavra eucarística – é produzido pela santa Missa por si mesma: sempre, infalivelmente, ex opere operato, independentemente de nossas disposições.
Tais são, em linhas gerais, as riquezas infinitas encerradas na santa Missa. Por isso os santos, iluminados por Deus, a tinham em grande apreço. Era o centro de sua vida, a fonte de sua espiritualidade, o sol resplandecente ao redor do qual giravam todas as suas atividades. O santo Cura d’Ars, São João Maria Vienney, falava com tal fervor e convicção da excelência da santa Missa, que chegou a conseguir que todos seus paroquianos a ouvissem diariamente participando ativamente dela.
Mas para obter de sua celebração ou participação o máximo rendimento santificador, é preciso insistir nas disposições necessárias por parte do sacerdote que a celebra e do simples fiel que a segue em companhia de toda a assembleia.

3. DISPOSIÇÕES PARA O SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA

Alguém disse que para celebrar ou participar dignamente em uma só Missa fariam falta três eternidades: uma para se preparar, outra para celebrá-la ou participar dela, e outra para dar graças. Sem chegar a tanto, é certo dizer que toda preparação será pouca por mais diligente e fervorosa que seja.
As principais disposições são de duas classes: externas e internas.
a) Externas. Para o sacerdote consistirão em perfeito cumprimento das rubricas e cerimônias que a Igreja lhe assinala.
5 Para o simples fiel, no respeito, modéstia e atenção com que deve participar ativamente da cerimônia.
b) Internas. A melhor é identificar-se com Jesus Cristo imolado no altar. Oferecer ao Pai a Jesus e oferecer-se a si mesmo n’Ele, com Ele e por Ele. Esta é a hora de pedir-lhe que nos converta em pão, para ser comido por nossos irmãos com nossa entrega total pela caridade. União íntima com Maria ao pé da Cruz; com São João, o discípulo amado; com o sacerdote celebrante, novo Cristo na terra (“Cristo outra vez”, como gostava de dizer uma alma iluminada por Deus). União a todas as Missas que se celebrem no mundo inteiro. Não peçamos nunca nada a Deus sem acrescentar, como preço infinito da graça que anelamos: “Senhor, pelo sangue adorável de Jesus, que neste momento está elevando em seu cálice um sacerdote católico, em algum canto do mundo”.
A santa Missa celebrada ou participada com essas disposições é um instrumento de santificação de primeira categoria, sem dúvida alguma o mais importante de todos. Págs. 170-178.


_______________


1 “Com efeito, uma só e mesma é a Vítima, pois quem agora se oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que então se ofereceu na cruz; só o modo de oferecer é diferente”. (cruento ou incruento) (D 940/DH 1743).
2 De adoração, de louvor. Adoração do Santíssimo Sacramento, dos Católicos.
3 ARAMI, VIVE TU VIDA C.21.
4 Cf. SANTO TOMÁS, SUMA TEOLÓGICA, III,79,5; SUPPL.71,9.
5 Na sacristia de uma igreja se lê esta excelente recomendação ao sacerdote que se está revestindo com os ornamentos sacerdotais: “Procura celebrar esta missa como se fora a primeira, a última e a única de vida”.

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *