terça-feira, 25 de junho de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: AS VIRTUDES DERIVADAS OU ANEXAS

1. NOÇÃO
Para entender perfeitamente o que são e o que significam as chamadas virtudes derivadas ou anexas das quatro virtudes cardeais, deve-se ter em conta que a primazia das virtudes cardeais se mostra precisamente na influência exercida sobre todas suas anexas e subordinadas, as quais são como participações derivadas da virtude principal, a qual lhes comunica seu modo, sua maneira de ser e sua influência. São as chamadas partes potenciais da virtude cardeal correspondente, encarregadas de desempenhar seu papel em matérias secundárias, reservando-se a matéria principal para a correspondente virtude cardeal. A influência da principal se manifesta nas subordinadas; quem tenha vencido a dificuldade principal, com maior facilidade vencerá as secundárias.
Mas cabe perguntar: a primazia da virtude cardeal sobre suas subordinadas se refere também à excelência intrínseca? Evidentemente que não. Dentro da justiça estão a religião e a penitência, que são mais excelentes por ter objetos mais nobres; a temperança pertence à humildade, que é mais perfeita como fundamento “ut removens prohibens” de todas as demais virtudes, etc, etc.
De todas as formas deve-se reservar a primazia para as virtudes cardeais, enquanto são dobradiças ou eixos das demais e realizam seu ofício de um modo mais perfeito que suas anexas. E assim, por exemplo, a justiça comutativa – que dá ao próximo o que se lhe deve estritamente – tem mais razão de justiça que a própria religião, já que é impossível dar a Deus estritamente o culto infinito que merece. A matéria ou objeto da alguma virtude anexa pode ser mais excelente que a da cardeal correspondente; mas o modo mais perfeito sempre corresponde à cardeal, porque só ela cumpre todas as condições exigidas para a cardealidade, e não as cumpre nenhuma de suas derivadas ou anexas.

2. NÚMERO
Como já dissemos, as virtudes derivadas ou anexas são muitas. Santo Tomás estuda Suma Teológica mais de cinquenta, e sem dúvida poderiam descobrir algumas mais. Nós vamos estudar muito brevemente as principais, agrupadas em torno da virtude cardeal correspondente.

1. A PRUDÊNCIA INFUSA E SUAS DERIVADAS
Três são as partes em que pode se dividir uma virtude cardeal:
1

i) Integrais, que são elementos que a integram ou a ajudam para seu perfeito exercício como tal virtude.

ii) Subjetivas, ou seja, as diversas espécies em que se subdivide.

iii) Potenciais, que são as virtudes derivadas ou anexas.

Vamos examiná-las em relação à prudência.

a) Partes integrais
São oito as partes integrais da prudência requeridas para seu perfeito exercício, cinco das quais pertencem a ela enquanto virtude intelectual ou cognoscitiva, e as outras três enquanto prática ou preceptiva. Vamos enumerá-las, dando entre parêntesis a referência da Suma Teológica, onde estão amplamente estudadas (II-II,49, 1-8).
1. Memória do passado (49,1), porque não há nada que oriente tanto para o que convém fazer como a recordação dos êxitos ou fracassos passados. A experiência é a mãe da ciência.
2. Inteligência do presente (49,2), para saber discernir (com as luzes da sindéreses e da fé) se o que nos propomos a fazer é bom ou mau, licito ou ilícito, conveniente ou inconveniente.
3. Docilidade (49,3) para pedir e aceitar o conselho dos Sábios e experimentados, já que, sendo infinito o número de casos que se pode apresentar na prática, ninguém pode presumir saber por si mesmo e resolver a todos.
4. Sagacidade (49,4) (chamada também solércia ou eustoquia), é a prontidão de espírito para resolver com rapidez por si mesmo os casos urgentes, nos quais não é possível se deter e pedir conselho.
5. Razão (49,5), que produz o mesmo resultado da anterior nos casos urgentes e dão tempo ao homem para resolvê-los por si mesmo depois de madura reflexão e exame.
6. Providência (49,6) que consiste em concentrar-se bem no fim distante que se tenta (providência, de procul videre, ver desde longe) para ordenar a ele os meios oportunos e prever as consequências que podem se seguir por atuar daquela determinada maneira.
7. Circunspecção (49,7), que é a atenta consideração das circunstâncias para julgar em vista delas se é ou não conveniente realizar tal ou qual ato. Há coisas que, consideradas em si mesmas, são boas e convenientes para o fim tentado, mas que, pelas circunstâncias especiais, resultariam contraproducentes ou perniciosas (p. ex. obrigar demasiadamente cedo um homem dominado pela ira a pedir perdão).
8. Cautela ou precaução (49,8), contra os impedimentos extrínsecos que podem ser obstáculos ou comprometer o êxito da empresa (evitando p. ex. o influxo pernicioso das más companhias).
Advertência prática. Em coisas de pouca importância se poderia prescindir de algumas destas condições. Mas, em se tratando de uma empresa de importância, não haverá juízo prudente se não se levar em conta todas elas. Daí a grande importância que têm sobre a prática a recordação e a frequente consideração. Quantas imprudências não cometeremos por não tomarmos essa pequena precaução!


b) Partes subjetivas
A prudência se divide em duas espécies fundamentais: pessoal ou monástica, e social ou de governo. Como seus próprios nomes indicam, a primeira serve para reger a si mesmo; a segunda se ordena ao governo dos demais. A primeira tem por objeto o bem pessoal; a segunda, o bem comum.
Da primeira já falamos sobre todos seus elementos integrais. A segunda admite várias subespécies, segundo as diversas divisões que podem se estabelecer dentre as muitas. E assim fala Santo Tomás de:
1. Prudência reinativa (50,1) é a que necessita o príncipe para governar o povo com justas leis visando o bem comum.
2. Prudência política ou civil (50,2), que deve possuir o povo para submeter-se às ordens e decisões do governante, cooperando para a consecução do bem comum e sem pôr-lhe nenhum obstáculo.
3. Prudência econômica ou familiar (50,3), que deve brilhar no chefe de família para governar retamente seu próprio lar.
4. Prudência militar, que deve ter o chefe de um exército para dirigi-lo em uma guerra justa em defesa do bem comum. 

c) Partes potenciais
Três são as partes potenciais ou virtudes anexas que se ordenam aos atos secundários, preparatórios ou menos difíceis.

1. Eubulia ou bom conselho (51, 1-2), que dispõe o homem a encontrar os meios mais aptos e oportunos para o fim pretendido; é uma virtude especial, distinta da providência, porque se refere a um objeto formalmente distinto. O próprio da eubulia é aconselhar, e o próprio da prudência é imperar ou ditar o que se deve fazer. Há quem saiba aconselhar e não saiba mandar.

2. Synesis ou bom senso prático (o que vulgarmente costuma-se chamar “sensatez” ou “bom senso”), que inclina a julgar retamente segundo as leis comuns e ordinárias. Se distingue da prudência e da eubulia pela missão judicativa, não imperativa ou conciliativa.

3. Gnome ou juízo perspicaz para julgar retamente segundo os princípios mais elevados do que os comuns e ordinários. Há casos insólitos ignorados pela lei ou nos quais não trata de obrigar por conta de circunstâncias especiais, cujo conhecimento supõe certa perspicácia especial, exigindo por si mesmo uma virtude especial. Se relaciona intimamente com a epiqueya (pertencente à justiça), a qual inclina, em circunstâncias especiais, a um afastamento da letra da lei para cumprir melhor seu espírito. Págs. 249 – 255.

[...].


Link para a continuação do post: TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: AS VIRTUDES DERIVADAS OU ANEXAS (PARTE 2)

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1  SANTO TOMÁS, SUMA TEOLÓGICA, II-II, 48, 1.

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