terça-feira, 8 de setembro de 2020

O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje (Parte 3)

O tratamento das nossas paixões
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São métodos de tratamento dispensado para os logismoi, (pensamentos e sentimentos instintivos), que prejudicam a todos os homens e mulheres, principalmente aos que aspiram viver uma vida espiritual íntegra para com Deus e os homens. [...] Para cada tipo de paixão, Evágrio aconselha um outro método. Os três instintos básicos – o comer, a sexualidade e a cobiça – são transformados por meio da ascese, do jejum e da esmola. A disciplina torna-se aqui um ótimo caminho para não se reprimir os instintos, mas formá-los para que possam estar à nossa disposição como forças em potencial. Superamos a tristeza quando nos afastamos da dependência do mundo, quando nos desprendemos daquilo a que estamos presos, quando nos libertamos interiormente. (GRÜN. Alselm, p. 83).
Sobre a ira, o que nos ajuda, antes de dormir, é refletir sobre ela e livrar-se dela, a fim de que ela não se fixe através do inconsciente no sonho, vindo a manifestar-se no dia seguinte como insatisfação difusa. Pois se nós, durante a noite, levarmos a ira conosco, perderemos o controle sobre nós mesmos e continuaremos sendo governados pela ira e pelo rancor a partir do inconsciente. É por isso que nos diz Evágrio: “Não deixes o sol se pôr sobre a cólera, senão os demônios virão durante teu descanso noturno, irão atormentar-te e, desse modo, haverão de tornar-te ainda mais covarde para a luta do dia seguinte. Pois as alucinações noturnas surgem comumente através da influência agitada da cólera. E não há nada que torne o homem mais apto a abandonar sua luta do que quando ele é incapaz de controlar suas emoções”. (EVÁGRIO. TratPrat 21).
Mas Evágrio nos adverte, sobretudo, contra os jogos de pensamentos com a cólera: “Não te entregues à cólera, querendo lutar em pensamentos com quem te aborreceu” (EVÁGRIO. TratPrat 23). Pois isto faz com que nossa alma se ofusque e nosso espírito fique opaco. Mas também devemos valer-nos de nossa cólera como uma força positiva, voltando-se contra os demônios, contra as tentações e contra os pensamentos que nos impedem de viver: “Devemos estar encolerizados quando encaramos os demônios e lutamos contra o divertimento” (EVÁGRIO. TratPrat 24).
Evágrio dá três conselhos em relação à acídia. O primeiro diz respeito à constância. Devemos decididamente permanecer em nossa cela e simplesmente suportar aquilo que acontece em nosso interior: “Aceita simplesmente o que a tentação te oferece. Antes de mais nada, encara esta tentação da acídia, pois ela é a maior de todas. Mas ela tem também como resultado uma maior purificação da alma. Fugir ou espantar-se diante de tais conflitos torna o espírito acanhado, covarde e medroso” (Evágrio. TratPrat 28).
O segundo conselho refere-se à oração: “Quando a acídia nos tenta é bom que, entre lágrimas, dividamos nossa alma em duas partes iguais: uma que anima e outra que é animada. Nós semeamos semente de uma esperança inabalável em nós quando cantamos com o rei Davi: Ó minha alma, por que estás aflita e tão inquieta dentro de mim? Espera em Deus, pois eu ainda haverei de agradecer-lhe, meu Deus e Salvador, a quem eu contemplo!” (Sl 42,6). (EVÁGRIO. TratPrat 27).
O método aqui recomendado por Evágrio é o método antirrético
1. Este método foi por ele desdobrado em seu livro intitulado Antirrheticon. Trata-se de um método que ajuda não só no caso da acídia, mas em toda e qualquer situação. Evágrio recolhe uma palavra da Bíblia contra cada pensamento que possa tornar-nos doentes e embaraçados diante da liberdade, do amor e da vida e a contrapõe a estas situações. Desse modo, uma pessoa que continuamente se repreende dos pecados de sua juventude e diz que com ela tudo está de cabeça para baixo, deve sempre de novo repetir a palavra de 2Cor 5,17 que diz: “Quem está em Cristo é uma nova criatura. O velho passou e um mundo novo se fez”. Esta palavra transforma pouco a pouco nossos sentimentos de tristeza e de autocompaixão. Ela nos põe em contato com a força positiva que está em nós, por meio do Espírito Santo que já está atuando em nós e que, como uma fonte, borbulha em nós, preparando-nos para que a partir disso possamos tomar novo ânimo. (GRÜN. Alselm, p. 86).
Contra a 
ambição Evágrio indica o remédio da recordação. Devemos recordar-nos de onde viemos, com quais paixões tivemos que lutar e como não foi mérito nosso que tenhamos vencido, mas, pelo contrário, foi Cristo quem nos amparou em nossas lutas. A recordação haverá de mostrar-nos que não temos garantia alguma de nossa vida ser bem-sucedida, mas que isso é antes fruto da graça divina. Evágrio diz que o demônio da soberba e da ambição sempre de novo haverá de aparecer em nós. E, principalmente, quando já tivermos feito consideráveis avanços dentro da ascese. O remédio mais eficaz é a contemplação. Quando nos tivermos unido a Deus através da contemplação, não terá mais valor o que as outras pensam a respeito de nós e não mais os definiremos a partir do reconhecimento e da aprovação, mas teremos encontrado nosso fundamento em Deus. (GRÜN. Alselm, págs. 86-87).

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O diálogo com os pensamentos é conveniente, sobretudo no caso do 
medo. Também o medo tem seu significado e quer me dizer algo. Pois sem ele eu também não possuiria medida, querendo constantemente exigir demais de mim. Todavia, o medo geralmente me bloqueia. Mas se converso com ele, é possível que me revele para uma atitude falsa em relação à vida. Não raro o medo provém de um ideal de perfeição. Eu tenho medo de cometer uma gafe, de cometer uma falha. Eu não me atrevo a falar no grupo por medo, porque eu poderia vir a gaguejar ou porque os outros poderiam achar isso ruim. Também sinto medo de ler, uma vez que poderia vir a me atrapalhar. Nestes casos, o medo revela sempre expectativas exageradas. Em última análise, é a soberba que provoca o medo. Assim, a conversa com meu medo poderia conduzir-me à humildade, isto é, à humilitas. E eu poderia reconciliar-me com meus limites, com minhas fraquezas e falhas, dizendo, por exemplo: “Posso cometer gafes. Não tenho obrigação de poder tudo”. (GRÜN. Alselm, págs. 91-92).
Porém, existem também medos que não indicam falsas atitudes de vida, mas têm necessariamente uma ligação com o ser humano. É o caso do medo da solidão, do medo da perda e do medo em relação à morte. Em cada pessoa existe uma parcela considerável de medo diante da morte. Em algumas pessoas chega ao ponto de tornar-se ameaçador. Neste momento seria importante conversar com o medo nestes termos: “Sim, é certo que um dia morrerei”. O medo pode me ajudar a reconciliar-me com a morte e a me convencer de que sou realmente mortal. Quando examino o medo a fundo, quando o admito, é possível que em meio ao medo eu experimente também uma profunda paz. O medo se transforma em serenidade, liberdade e paz. (GRÜN. Alselm, p. 92).

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Um outro método de abordar os nossos pensamentos e sentimentos, nossas paixões e necessidades, consiste em pensá-los até o fim, em imaginá-los até às últimas consequências e em permitir a representação das paixões. Desta maneira poderemos tirar-lhes a sua força. Força com que eles sempre de novo tendem a combater-nos. Talvez também acabemos por descobrir para onde as paixões realmente estão querendo nos conduzir. Não raro, por exemplo, as fantasias sexuais representam algo totalmente diverso: a ânsia de estar vivo, de abandonar-se, de entregar. Se eu continuamente lutar contra as fantasias sexuais e as reprimir, elas sempre retornarão. Todavia, se for capaz de pensar nelas até o fim e de senti-las, elas poderão transformar-se num impulso de vida, e até mesmo num impulso em direção a Deus. (GRÜN. Alselm, págs. 93-94).
Conta-se que pai Olímpio não fugiu da ideia de se casar e tudo pensou em seus mínimos detalhes. E mais: “Fez uma mulher de barro, olhou para ela e disse a si mesmo: ‘Vê, esta é tua esposa. De ora em diante precisarás trabalhar muito, a fim de sustenta-la’. E trabalhou muito. No dia seguinte, preparou novamente uma porção de barro e deu forma a uma filha, e disse para si mesmo: ‘Tua mulher deu à luz! Agora é necessário que trabalhes ainda mais para conseguires sustentar e vestir tua filha’. Fazia isto a ponto de extenuar-se e, então disse a si mesmo: ‘Não posso mais suportar o trabalho’. E disse ainda a si mesmo: ‘Se já não podes suportar o trabalho, então também não queiras uma esposa’. E, vendo Deus seu esforço, tirou-lhe a sua luta e ele alcançou tranquilidade” (Apot 572). [...]. Talvez nos pareça simplório o argumento de ele não desejar uma mulher apenas por causa do trabalho demasiado. O decisivo aqui, porém, é o seguinte: se, por um lado, Olímpio trata sem medo de sua necessidade de possuir uma mulher e não somente a representa na fantasia, mas chega mesmo a moldar uma mulher de barro e a encara realmente, por outro lado, no entanto, ele não fica parado na fantasia de querer dormir e viver com a mulher, mas também descreve para si as consequências. Apresenta o desejo em sua realidade, e, porque o desejo é pensado em sua realidade nua e crua, ele perde seu caráter ameaçador. É neste momento que pai Olímpio se torna capaz de encarar e tratar o desejo de modo sóbrio. (GRÜN. Alselm, págs. 94-95).

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Pessoas insatisfeitas com sua profissão necessitam ocupar-se realmente, nem que seja uma única vez, com a profissão desejada e experimentá-la para então poderem retornar saudavelmente ao estado atual com novo vigor e contentamento. O mesmo vale também para um marido, que possa ter-se apaixonado por uma outra mulher. Geralmente ele só conseguirá desprender-se de seus sonhos românticos quando representar concretamente para si mesmo como seria viver com esta mulher, abandonar tudo o que fez até o presente e estar dia após dia ao lado dela. Quando coloca seus sonhos dentro da realidade e realmente os admite, também será capaz de desligar-se deles. (GRÜN. Alselm, p. 95).
Evágrio fundamenta o método antirrético tanto a partir da prática de Davi como também da atividade de Jesus. Segundo uma de suas cartas, o intelecto precisaria conhecer primeiramente as intrigas enganadoras dos demônios. Este é o pressuposto para o conhecimento de Cristo, para a contemplação. O caminho para lá chegar passa pela luta com os demônios: “Por isso ele – o intelecto – deve ser destemido diante de seu adversário, como mostra o bem-aventurado Davi, apresentando palavras tiradas da boca dos demônios e então contestando-as. Com efeito, se os demônios dizem: ‘Quando ele há de morrer e seu nome desaparecer?’, ele diz: ‘Eu não morrerei, mas haverei de viver e anunciarei as obras do Senhor’. E, novamente, se os demônios dizem: ‘Foge e permanece nas montanhas como o pardal’, ele diz: ‘Pois ele é meu Deus e meu Salvador, meu refúgio vigoroso e eu não vacilarei’. Portanto, observa as palavras que se contradizem umas às outras e ama a vitória, imita Davi e presta atenção em ti mesmo!” (EVÁGRIO. CartDes 11).
método de Davi consiste em dividir sua alma em duas partes: entre a triste e a que anima, entre a que é doente e a que é saudável. Estas duas esferas da alma devem dialogar uma com a outra. A parte doente se manifesta por meio de objeções negativas tais como: “Eu não posso fazer isso, ninguém gosta de mim, ninguém se preocupa comigo, comigo sai tudo errado”. Contra tais pensamentos deve-se procurar uma palavra na Escritura. Evágrio fez isso, para seus irmãos, em seu livro Antirrheticon: “Entretanto, visto que durante os momentos de luta nós não encontramos com suficiente rapidez as palavras que devem ser ditas contra nossos inimigos, que são os odiados demônios, e uma vez que tais palavras se encontram dispersas nas Escrituras e é difícil encontrá-las, nós, repletos de zelo, as recolhemos das Escrituras. Desse modo, armados com elas, perseguimos vigorosamente os filisteus, perseverando na luta como homens fortes e soldados de nosso vitorioso Rei Senhor Jesus Cristo” (EVÁGRIO. Anti, prólogo).
O modelo para esta luta é o próprio Cristo. Pois, quando tentado pelo diabo, pronunciou palavras da Escritura contra suas objeções mentirosas: “O próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, tendo abandonado tudo para nos salvar, concedeu-nos o poder de andar por sobre serpentes e escorpiões e sobre todo tipo de poder do maligno. E, juntamente como todo seu ensinamento, nos transmitiu o que ele mesmo fez quando foi tentado por Satanás, para que, no momento da luta, quando os demônios saem à luta contra nós lançando seus projéteis, possamos enfrenta-los com as Sagradas Escrituras, para que os pensamentos perversos não permaneçam em nós, não subjuguem a alma pelos pecados que realmente ocorrem, não a manchem nem a deixem afundar-se na morte dos pecados... Sempre que na alma não existe pensamento apropriado para se opor ao maligno sem descanso e rapidamente, o pecado acaba tendo a supremacia” (EVÁGRIO. Anti, prólogo).

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1 Fundamentado no estoicismo, este método consiste, segundo Evágrio Pôntico, em recolher uma palavra bíblica contra cada pensamento ou sentimento negativo que possa vir a tornar-nos doentios. Para realizar isso, contudo, pressupõe-se que se tome conhecimento dos próprios pensamentos, sentimentos e paixões, a fim de se poder encontrar a palavra curativa adequada. Uma das referências principais é a obra de Evágrio intitulada Antirrheticon, que reúne textos bíblicos para os oito vícios que o homem deve combater para afugentar os demônios.



No capítulo 8, intitulado: A formação da vida espiritual, o autor enfatiza a importância como eles os monges, estruturam concretamente seu dia e que exercícios praticam para ter uma penitência e comunhão com o Senhor Jesus Cristo. “Pai Poimen disse: Encontramos três exercícios corporais no patriarca Pambo: jejuar durante o dia todo até à noite, calar e muito trabalho manual” (Apot 724). Com estes exercícios Pambo chegou à sua maturidade espiritual. A perseverança consequente nestas três coisas fez com ele fosse transformado. De forma semelhante fica sabendo Antão, por meio de um anjo, como sua vida poderia ser bem-sucedida. Quando, tomado de mau humor, pergunta ao anjo pelo que deve fazer, avista alguém que se parece com ele: “Ele estava sentado e trabalhava. Levantou-se do trabalho e orou, sentou-se novamente e trançou uma corda e aí levantou-se outra vez para orar. Eis que era um anjo do Senhor, enviado a fim de dar instrução e certeza a Antão. Ele ouviu o anjo dizer-lhe: ‘Procede assim e alcançarás a salvação’. Ao ouvir isso, foi tomado de grande alegria e coragem. E através deste modo de proceder ele encontrou a salvação” (Apot 1). [...].
Ao patriarca João atribuiu-se um outro exercício: “Conta-se que, ao regressar para casa depois da colheita ou depois de visitar anciãos, o patriarca João dedicava-se à oração, à meditação e à salmodia, até que seu pensamento voltasse à ordem que tinha ao princípio” (Apot 350). João não permite que as emoções despertadas pelo diálogo com seus confrades tenham livre curso. Em primeiro lugar, ele reserva um tempo para a oração, para que as emoções possam vir a esclarecer-se. Quando carregamos não elaboradas emoções para casa e ainda por cima as sufocamos com atividade excessiva – de qualquer espécie –, elas se estabelecem no inconsciente, criando em nós, a partir desse momento, uma insatisfação difusa. [...]. E aquele que dá livre curso aos seus pensamentos e sentimentos, sem confrontar-se com eles, é por eles interiormente contagiado. E assim, sem que o perceba, é governado pelos impulsos inconscientes e perde sua liberdade. (GRÜN. Alselm, p. 102).
A respeito do patriarca João conta-se ainda algo semelhante: “Certa vez, tendo ido à igreja de Scete e ouvindo como alguns dos irmãos disputavam entre si, voltou para a sua cela. Antes de entrar nela, rodeou-a por três vezes. Alguns dos irmãos que o haviam observado, mas não podendo imaginar por que havia feito isso, vieram até ele e o interrogaram. E ele lhes disse: ‘Meus ouvidos estavam cheios das disputas; fiz estas voltas a fim de purificá-los para, desta maneira, pode entrar em minha cela com serenidade’” (Apot 340).
Ao Pai Antão se atribui a seguinte sentença: “O monge deve, enquanto possível, dizer com confiança ao patriarca quantos passos ele dá, ou quanta água bebe em sua cela, a fim de estar seguro de não estar pecando” (MILLER. SabPad 40). A configuração exterior da vida é muito importante para os monges. Nela eles reconhecem se alguém está sadio ou não, se alguém realmente procura a Deus ou se procura a si mesmo. A ordem exterior põe o monge interiormente em ordem. Ela purifica seu pensamento, seus sentimentos e cria espaço para tornar-se também limpo e transparente interiormente. (GRÜN. Alselm, p. 103).
A espiritualidade dos primeiros monges tem a força de formar e transformar a vida. Hoje em dia, corremos o risco de escrever unicamente sobre a espiritualidade. E, no entanto, ela não se manifesta na vida concreta e não tem força de marcar a vida. Certa noite, quando me encontrava numa casa paroquial, o padre durante o jantar não sabia fazer outra coisa a não ser assistir televisão. Pensei comigo: amanhã ele poderá pregar o que ele bem quiser. Se a vida não vai bem, a pregação também não irá bem e a espiritualidade acaba ficando sem valor. A espiritualidade dos monges produziu uma cultura de vida. Ela nos desafia ainda hoje a nos deixarmos penetrar espiritualmente por ela, a cultivar uma vida espiritual que se torna visível também exteriormente. (GRÜN. Alselm, págs. 103-104).
Para os monges, o caminho para uma cultura da vida espiritual era sempre um exercício concreto. Havia, em geral, três conselhos que um pai espiritual dava a um jovem monge quando este lhe perguntava a respeito da via do verdadeiro monaquismo. “Certa vez, um irmão, que vivia com outros irmãos, perguntou a pai Bessarião: ‘O que devo fazer?’ Respondeu-lhe o ancião: ‘Cala e não te meças com os outros’” (Apot 165). [...]. Antão recomenda ainda outro exercício: “Pai Pambo perguntou a Pai Antão: ‘O que devo fazer?’ Retrucou-lhe o ancião: ‘Não construas sobre a tua própria justiça, nem te lamentes de algum acontecimento passado, e exercita a moderação de tua língua e de teu ventre’” (Apot 6). 
[...]. 
Aqui, ao lado da abstinência da língua e do ventre, do calar e do jejum, temos a humildade, que também é descrita em muitas outras sentenças dos patriarcas como o caminho régio para Deus. A humildade é considerada pelos monges como “a virtude mais elevada, pois faz com que o ser humano possa erguer-se até de um abismo, mesmo que o pecador seja como um demônio” (N 558). O terceiro exercício consiste no interessante conselho de não arrepender-se de alguma coisa do passado. [...]. Somente quem se arrepende consegue alcançar o perdão. E isso está certamente correto. Às vezes, porém, pensamos demonstrar algum agrado a Deus, tornando-nos tão contritos a ponto de falar mal de nós mesmo e acusar-nos através do arrependimento. Neste particular, o patriarca Antão dá-nos um outro conselho: O que passou, passou! Isso vale para os acontecimentos passados, pois não devemos ficar meditando insistentemente sobre nosso passado. [...]. O que precisamos é prestar menos atenção em nós mesmos e em nossas falhas, e mais em Deus: “Pois Deus é maior do que nosso coração; e ele sabe tudo” (1Jo 3,20).

[...]

Assim pai Paulo de Gálata fala de si mesmo e do seu exercício diário: “Tenho sempre estas três coisas presente no espírito: calar, humildade de espírito e dizer para mim mesmo: Eu não tenho nenhuma preocupação” (EthColl 13,66). Aqui nos deparamos novamente com o calar, tão aconselhado pelos monges; deparamo-nos também com a humildade como atitude fundamental da pessoa religiosa. Um dos padres monásticos é até capaz de dizer: “Onde não há humildade, também não há Deus” (Arm II 279 A). A humildade é a condição prévia para poder experimentar a Deus. Sem a humildade, corremos não só o perigo de fazer cobranças a Deus como também de submetê-lo aos nossos pensamentos e vontades. (GRÜN. Alselm, págs. 105-106).
O terceiro exercício consiste na despreocupação. O padre monástico a exercita dizendo sempre de novo: “Eu não tenho preocupação”. Ele precisa dizer esta palavra com clareza para si mesmo, toda vez que em seu coração surgem pensamentos de preocupação. Pois não existe ser humano destituído de preocupação. Segundo o modo de pensar de Martin Heidegger, a preocupação constitui mesmo o existencial fundamental do ser humano. O ser humano é essencialmente alguém que se preocupa. Pois, enquanto sustento que “não tenho nenhuma preocupação”, é possível que o sentimento se transforme e cresça em mim a fé em Deus. Aqui, portanto, se indica um caminho para exercitar-se na fé em Deus. (GRÜN. Alselm, p. 106). [...]
Hoje em dia, muitos psicólogos recomendam que a pessoa se encoraje com palavras positivas e frase de confiança – algo como acontece no exercício de relaxamento. Tudo isto, porém, sempre o fizeram os monges de outrora. Para os primeiros monges, a vida espiritual também significava a arte de uma vida saudável. Não é por acaso que os monges alcançaram idades tão avançadas. Sua ascese não era uma ascese de negação da vida, mas, pelo contrário, uma ascese que fomentava e promovia a vida. A dietética, isto é, a arte uma vida saudável, tarefa mais importante da antiga medicina, também foi incorporada pelos monges em sua vida espiritual. Eles compreenderam que o caminho espiritual consiste na arte de uma vida saudável. E não há vida espiritual saudável sem que haja também um estilo de vida saudável. [...] e é a partir dela que puderam recomendar uma saudável alternância entre oração e trabalho, entre vigília e sono, entre refeição e jejum, entre solidão e convivência, como norma de vida saudável. Pois é através da ordem exterior que o homem entra em ordem também interiormente. (GRÜN. Alselm, págs. 106-107). [...].

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