sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Segunda e última parte: CÉU E INFERNO

Psicologia, Céu e inferno, Aldous Huxley, livro
Na segunda parte do livro: Céu e inferno, veremos o autor se utilizar de algumas figuras de linguagem, para ilustrar o quanto a nossa mente, possui regiões ainda a serem “desbravadas”, semelhante segundo o texto: “qual a terra de há um século, nossa mente ainda possui suas misteriosas Áfricas e Amazônias, seus ignotos bornéus”. (pág. 85). [...]. “A mente humana é composta do que poderemos chamar de um Velho Mundo de seu consciente e, para além de um mar divisório, de uma série de Novos Mundos – as não muito longínquas Virgínias e Carolinas de seu subconsciente coletivo, com sua flora de símbolos e suas tribos de hábitos nativos; e além, muito além, do outro lado de vasto oceano, finalmente os antípodas da consciência cotidiana – o mundo da Experiência visionária”. (pág. 86).
Um pouco mais a frente na página posterior, ele indaga a respeito de como se chegar ou transportar-se “do Velho para o Novo Mundo, do continente das vacas e dos cavalos familiares para o do canguru e do ornitorrinco”. (pág. 87). “Existem dois métodos para isso. Nenhum dos dois é perfeito, mas ambos são suficientemente eficientes, fáceis e seguros para justificar sua adoção por aqueles que sabem o que estão fazendo. No primeiro caso, a alma é transportada para seu longínquo destino por meio de uma droga – a mescalina ou o ácido lisérgico. No segundo, o veículo é de natureza psicológica, e a passagem para os antípodas da mente se faz pelo hipnotismo. Ambos os métodos transportam a percepção para a mesma região, mas a droga possui maior alcance e leva seus passageiros até mais longe, no interior da terra incógnita”. (pág. 87).
“Como e por que produz a hipnose tais efeitos? Não o sabemos, mas isso tampouco nos interessa, no caso presente. [...]. Quanto aos efeitos fisiológicos da mescalina, já possuímos algumas noções. Ela, possivelmente (pois ainda não temos certeza), interfere com os sistemas enzimáticos que regulam o funcionamento do cérebro. Tal atuação diminui a eficiência deste instrumento destinado a dirigir a mente para os problemas da vida na superfície de nosso planeta. Essa redução do que podemos chamar de eficiência biológica do cérebro parece permitir o acesso de certas classes de acontecimentos mentais ao consciente, acontecimentos esses que são normalmente eliminados por não possuírem valor, do ponto de vista da sobrevivência. [...]. Uma pessoa sob a influência da mescalina ou do ácido lisérgico deixará de ter visões se receber uma grande dose de ácido nicotínico. Isso explica a eficiência do jejum como produtor de visões. Reduzindo a taxa de açúcar disponível, o jejum reduz a eficiência biológica do cérebro e torna assim possível o acesso ao consciente de material desprovido de valor, do ponto de vista da sobrevivência. Além do mais, causando uma deficiência de vitaminas, remove do sangue aquele conhecido eliminador de visões – o ácido nicotínico. Outro inibidor das visões é a experiência rotineira, diária, perceptiva. Os psicologistas experimentais chegaram à conclusão de que, se confinarmos um homem a um “ambiente restrito”, onde não haja luz, ruído ou odores, e se mergulharmos em banho tépido, onde haja apenas um objeto quase imperceptível que ele possa tocar, o paciente em breve começará a “ver coisas”, “ouvir coisas” e a ter estranhas sensações no corpo”. (págs. 87 – 88).
Resumidamente, o autor conclui que os visionários, desejam chegar ao que ele denominou de antípodas da mente, não é só por objetivo de torturar o corpo para expiar pecados, mas [...]“Milarepa, em sua caverna no Himalaia, e os anacoretas da Tebaida seguiram, em essência, o mesmo método e atingiram, de modo geral, os mesmos resultados. Um milhar de quadros das Tentações de Santo Antônio dão testemunho da eficiência da dieta limitada e do ambiente restrito. É evidente que o ascetismo possui uma dupla motivação. Não é só por pretender expiar culpas passadas e evitar punições futuras que homens e mulheres torturam seus corpos; é também porque anseiam por visitar os antípodas da mante e fazer um pouco de vigelegiatura visionária. Sabem, empiricamente, e louvando-se em informações de outros ascetas, que o jejum e o ambiente confinado transportá-lo-ão aonde quer que desejem ir. Sua autopunição poderá ser a porta do paraíso. (Mas ela também pode se transformar – e este é um ponto que será examinado posteriormente – na porta para as regiões infernais)”. (pág. 89).
As experiências possuem uma regularidade, mas que são estranhas, mas com um ponto singular, que há neles é a experiência da luz. Tudo é muito iluminado “e parece possuir um fulgor que emana de si mesmo”. (pág. 89). A respeito dos sonhos para nós seres humanos, apresentarem ser preto e branco ele nos diz, “[...] o professor Calvin Hall, que tem coligido informações sobre muitos milhares de sonhos, diz-nos que cerca de dois terços de todos eles são em preto-e-branco”. A conclusão é, escreve o dr. Hall, “de que a presença da cor nos sonhos não nos proporciona qualquer informação sobre a personalidade do individuo.”[...] a explicação concernente é “o que é real é colorido; o que é fruto de nossa imaginação, associado ao poder criador de nosso intelecto, é desprovido de cores”. (págs. 90 – 91).
Todos os relatos descritos por experiências com visões, preservados em todas as culturas tradicionais, sobre os diversos mundos – “os mundos habitados pelos deuses, pelos espíritos dos mortos, pelo homem em seu primitivo estado de inocência”. (pág. 97). Há em todas as descrições “induzidas ou espontâneas” e “países de fadas da religião e do folclore” a semelhança conforme o relato do livro, de uma luz sobrenatural, de intensa cor, tais são as características de todos os outros mundos e idades áureas. Outro ponto a ser destacado, é que o brilho sobrenatural está ligado há uma beleza ingente, que não se pode descrevê-lo de tão inefável beleza. Alguns dos lugares, que as citarei suscintamente, para não me alongar nas narrativas são: 1) na tradição greco-romana o belíssimo jardim das Hesrépides, os campos Elísios e a radiosa ilha de Leuke, para a qual Aquiles foi transportado. 2) Menon foi para outra ilha iluminada, lá para o Levante. 3) Ulisses e Penélope viajaram na direção oposta com Circe, na Itália. 4) Ainda mais para o Oriente ficavam as ilhas da Bem-Aventurança, citadas em primeiro lugar por Hesíodo, e de cuja existência havia tanta certeza, ainda no sé. I a.C., que Sertório planejou enviar, da Espanha, uma frota para descobri-las. 5) Existem menções no folclore dos celtas e, do outro lado do mundo, no dos japoneses, ilhas encantadas maravilhosas. 6) Avalon , no extremo ocidental e, Horosain, no extremo oriental, se situa a terra de Uttarakuru – o outro mundo dos hindus. 7) Há uma citação no livro de Ezequiel na Bíblia, sobre o Jardim do Éden. 8) Outra descrição, é aferida no folclore dos celta e teutões; onde se fala muito pouco de pedras preciosas, mas que possuem outra substância que, para eles, era igualmente maravilhosa – o vidro. 9) Os gauleses possuíam uma terra bem-aventurada a que a descreveram de Ynisvitrin – a ilha do vidro; e um dos nomes do reino dos mortos dos germânicos era Glasberg – terra do vidro. Também o Apocalipse se refere ao Mar de Vidro.
Por este motivo que em todos os relatos antigos para os visionários, havia pedras preciosas, ouro, luz intensa e prédios, edifícios de uma cor sobrenatural, e é claro, as paisagens existentes com muitas árvores de um verdor arrebatador, frutos de um intenso brilho e cor, e dos rios azuis lindíssimos que banham estes paraísos. Estes atributos encontrados nestas visões elevavam a mente, para um êxtase ou arrebatamento da alma. A descrição a seguir, mostrará que os homens se influenciaram com estes relatos, condicionando na arquitetura de templos, igrejas, entre outros edifícios, vidraças coloridos, peças de ouro, prata de um polimento que enleva os circunspectos que os frequentam. Deixarei para citar, em outro momento particular, o que o livro, nos esclarece sobre a iniciativa de se utilizarem, pedras, peças polidas, vidros etc., nos diferentes edifícios, inclusive, nas visões em que há discrições do mesmo. Mas agora, farei uma explanação citatória, referente às paisagens na concepção do autor e de William Blake, “Blake, por exemplo, viu paisagens visionárias “de uma perfeição que vai além de tudo o que a Natureza mortal e transitória possa produzir” e “infinitamente mais perfeitas e ordenadas que quaisquer coisas jamais vistas por olhos humanos”. Eis uma descrição desse panorama visionário, feita por Blake em uma das reuniões em casa da sra. Aders: “Outro dia, à tardinha, andando a pé, cheguei a um prado e vi, em seu canto mais afastado, um curral de ovelhas. Num plano mais próximo, o solo estava coberto de flores; e tanto o curral repleto de juncos como seus lanudos inquilinos possuíam uma estranha beleza pastoral. Mas, quando voltei a olhar, já não havia mais rebanho vivo, e sim belas esculturas”. Representada com o auxilio das tintas, essa visão poderia, creio eu, lembrar a beleza inexcedível de um dos mais vigorosos esboços a óleo de Constable, que representa um animal no mágico estilo realista do carneiro aureolado de Zurbarán, hoje exposto no Museu de San Diego. Mas Blake jamais produziu qualquer coisa que, mesmo de longe, lembrasse um tal quadro. Ele se contentava em falar e escrever sobre os panoramas que divisava em suas visões e em se concentrar em seus desenhos do Querubim”. (págs. 115 – 116).
Mais a frente fará algumas elucubrações sobre alguns artistas que pintavam paisagens ou que enfim, que estas pinturas causavam enlevo, dos quais cita, Rousseau o Aduaneiro, de paisagens Sung, de longínquas montanhas, nuvens e torrentes [...]. Cita ainda, Claude Monet, sobre a obra os Nenúfares, quando conversava com Roger Fry – dizendo – “de serem tão horrivelmente desordenados, tão desprovidos de um plano de composição adequado. Estavam totalmente errados, do ponto de vista artístico. E, no entanto, ele se via forçado a admitir, e no entanto... E no entanto, devo acrescentar agora, eles eram arrebatadores”. (pág. 120).
O autor para finalizar o livro, faz um antagonismo diante dos fenômenos visionários. Se existem por um lado à visão do paraíso, por outro lado, ocorrerá para alguns a experiência angustiante do inferno. “Só me dediquei, até este momento, à experiência visionária bem-aventurada, a sua interpretação em termos de teologia e a sua tradução em arte. Mas nem sempre essa experiência é celestial. Por vezes ela é terrível. Há inferno do mesmo modo com há céu. [...]. A partir de então ele o autor fará um comentário sobre uma paciente de esquizofrenia, “mas a pobre Renée – a vitima da esquizofrenia – a iluminação é infernal: um intenso clarão elétrico sem uma sombra, ubíquo e implacável. Tudo o que, para o visionário são, é uma fonte de alegria, traz a Renée tão-somente pavor e um tétrico sentimento de irrealidade. O sol estival é maligno; o brilho das superfícies polidas não sugere gemas, e sim maquinaria e chapas esmaltadas; a intensidade de existência que anima cada objeto, quando examinado de perto e abstraído seu aspecto utilitário, é sentida como uma ameaça. E há, ainda, o horror infinito. Para o visionário são, a percepção do infinito em um finito particular é uma revelação de sublime imanência; para Renée, isso era uma comprovação do que ela chama o sistema – vasto mecanismo cósmico, que existe unicamente para produzir crime e castigo, solidão e irrealidade”. (pág. 124).
[...] A experiência visionária negativa é, frequentemente, seguida de sensações corpóreas de natureza bastante especial e característica. As visões felizes são, via de regra, associadas a uma sensação de separação do corpo, a um sentimento de despersonalização. (É, sem dúvida, esse sentimento que possibilita aos índios que praticam o culto do peiote usar a droga, não apenas como um atalho para atingir o mundo das visões, mas também como instrumento para criar uma solidariedade afetiva dentro do grupo de participantes.) Mas, quando as experiências visionárias são terríveis e o mundo se transfigura para pior, a individualização é intensificada e o visionário negativo sente-se preso a um corpo que parece tornar-se cada vez mais denso, mais comprimido, até que acaba por sentir-se reduzido à condição de torturada consciência de um aglutinado de matéria compacta, não maior que uma pedra que pudesse ser contida entre as mãos. Um pouco mais à frente nas próximas páginas, Huxley irá explanar sobre o tema inferno, com suas peculiaridades, que são o castigo e a opressão. Citará os pecadores de Dante que eram enterrados na lama, encerrados em troncos de árvores, aprisionados em blocos de gelo. (pág. 126). Ele comentará, que o inferno que sofreram, era psicologicamente verdadeiro; e dirá que muitas das punições que sofreram são experimentadas pelos esquizofrênicos. Não me alongarei sobre o assunto, pois oportunamente o quero citá-lo integralmente para um post posterior, com o tema: “o pecador arrependido e o fariseu”, mas, para encerrar o assunto desta última parte, ele faz uma análise do virtuoso, que é o racionalista e moralista, o associando ao fariseu. Justificando que, “o fariseu é um homem virtuoso; mas sua virtude é de uma espécie compatível com as emoções negativas. Suas experiências visionárias têm, pois, maiores possibilidades de serem infernais que bem-aventuradas”. (pág. 127).

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