segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: A EUCARISTIA

A EUCARISTIA É O MAIS EXCELENTE e sublime de todos os sacramentos, o fim para o qual se ordenam todos eles, o centro da vida cristã, o meio mais eficaz e poderoso para remontarmos à mais alta santidade nos cumes mais elevados da união transformadora com Deus.
Como se sabe, a eucaristia oferece dois aspectos que se complementam mutuamente. Pode-se considerá-la como sacramento (a segunda comunhão) e como sacrifício (a santa Missa). Vamos examinar separadamente esses dois aspectos igualmente santificadores.


I. A EUCARISTIA COMO SACRAMENTO

Examinaremos sua eficácia santificadora, as disposições para comungar, a ação de graças, a comunhão espiritual e a visita ao Santíssimo.

1. EFICÁCIA SANTIFICADORA DA EUCARISTIA

Entre todos os exercícios e práticas de piedade, não há nenhum cuja eficácia santificadora possa se comparar à digna recepção do sacramento da eucaristia. Nela recebemos não somente a graça, mas também o Manancial e a Fonte mesma de onde brota. Ela deve ser, em seu duplo aspecto de sacramento e de sacrifício, o centro de convergência de toda a vida cristã. Toda ela deve girar em torno da eucaristia.
Omitimos aqui – por não permitir outra coisa o escopo desta obra – uma multidão de questões dogmáticas e morais relativas à eucaristia. Recordemos, não obstante, em forma de breves pontos, algumas ideias fundamentais que convêm ter sempre muito presentes.
1ª. A Santidade consiste em participar de maneira cada vez mais plena e perfeita da vida divina que nos é comunicada pela graça.
2ª. Essa graça brota – como de sua Fonte única para o homem – do Coração de Cristo, no qual reside a plenitude da divindade e da graça.
3ª. Cristo se dá a nós na eucaristia como alimento para nossas almas. Mas, diferente do alimento material, não somos nós quem assimilamos a Cristo, mas é Cristo quem nos diviniza e nos transforma em si mesmo. Na eucaristia o cristão alcança sua máxima cristificação, que consiste na santidade segundo a sublime fórmula de São Paulo.
4ª. A comunhão, ao dar a nós Cristo inteiramente, coloca à nossa disposição todos os tesouros de santidade, de sabedoria e de ciência encerrados n’Ele. Com ela, pois, a alma recebe um tesouro rigorosa e absolutamente infinito, que se lhe entrega em propriedade.
5ª. Juntamente com o Verbo Encarnado – com seu corpo, alma e divindade – nos são dadas na eucaristia as outras duas pessoas da Santíssima Trindade, Pai e o Espírito Santo, em virtude do infalível mistério da circuminsessão, que as faz inseparáveis, posto que as três possuem uma só e mesma essência e natureza. Nunca tão perfeitamente como depois de comungar, o cristão se converte em templo e sacrário da divindade. Em virtude desse divino e inefável contato com a Santíssima Trindade, a alma – e, por redundância, o próprio corpo do cristão – se faz mais sagrada que o ostensório, o cibório e mais ainda do que as próprias espécies sacramentais, que contêm a Cristo – certamente –, mas sem lhe tocar e nem receber d’Ele nenhuma influência santificadora.
6ª. A união eucarística nos associa de uma maneira misteriosa, porém real, à vida íntima da Santíssima Trindade. Na alma de quem acaba de comungar, o Pai engendra seu Filho unigênito, e de ambos procede essa corrente de amor, verdadeira torrente de chamas, que é o Espírito Santo. O cristão, depois de comungar, deveria cair em êxtase de adoração e de amor, limitando-se unicamente a desejar ser levado pelo Pai ao Filho e pelo Filho ao Pai na mesma unidade do Espírito Santo. Nada de devocionários, nem cânticos, nem fórmulas rotineiras de ação de graças; um simples movimento de amor abrasador e de íntima e entranhável adoração, que poderia se traduzir na simples fórmula do Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto...
7ª. Dessa forma, a união eucarística já é o Céu começado, o “cara a cara em meio às trevas”
(Santa Elisabete da Trindade). No Céu não faremos outra coisa, ou essa, pelo menos, será fundamental.
Essas ideias são fundamentais, e elas por si só, bem assimiladas, bastariam para nos dar o tom e a norma de toda a nossa vida cristã, a qual deve ser essencialmente eucarística. Para um maior aproveitamento, precisemos um pouco mais sobre a preparação e ação de graças, cuja importância é capital para obter da eucaristia o máximo rendimento santificador.

2. DISPOSIÇÕES PARA COMUNGAR

Contra os exageros e rigores jansenistas, que exigiam disposições quase inexequíveis para se atrever a comungar, o grande pontífice São Pio X, no decreto Sacra Tridentina Symodus de 20 de dezembro de 1905, dirimiu para sempre a controvérsia ao determinar que para receber a comunhão frequente e até mesmo diária se requer unicamente estar na graça de Deus e ter retidão de intenção (ou seja, que não se comungue por vaidade ou rotina e sim para agradar a Deus). Se recomenda também estar limpo de pecados veniais, mas não é absolutamente necessário porque a comunhão ajudará a vencê-los. É conveniente também contar com o conselho do confessor, uma diligente e fervorosa participação e ação de graças. Nada mais.

[...].

3. PREPARAÇÃO PRÓXIMA PARA COMUNGAR

Quatro são as disposições próximas que devem exercitar em si a alma fervorosa, implorando-as de Deus com humildade e perseverante insistência:
a) Fé viva. Cristo exigia sempre como condição indispensável antes de conceder uma graça, mesmo do tipo material (milagre). A eucaristia é, por antonomásia
2, o mysterium fidei, já que nada nela é perceptível pela razão natural e nem pelos sentidos. Santo Tomás recorda em sua bela oração Adoro te devote que “na cruz se ocultou unicamente a divindade, mas no altar desaparece inclusive a humanidade santa: Latet simul et humanitas”. Isso exige de nós uma fé viva impregnada de adoração.
Não só neste sentido – de assentimento vivo ao mistério eucarístico – a fé é absolutamente indispensável, mas também em função da virtude vivificante do contato com Jesus. Temos de considerar em nossas almas a lepra do pecado e repetir com a fé via do leproso no Evangelho: “Senhor, se queres, tens o poder de purificar-me” (Mt 8,2); ou como o cego de Jericó – menos desafortunado com a privação da luz material do que nós, com a cegueira de nossa alma: “Senhor, que eu veja!” (Lc 18,41).
b) Humildade profunda. Jesus Cristo lavou os pés de seus apóstolos antes de instituir a Eucaristia para dar-lhes exemplo (Jo 13, 15). Se a Santíssima Virgem se preparou para receber em suas entranhas virginais o Verbo de Deus com aquela profunda humildade que a fez exclamar: “Eis aqui a serva do Senhor” (Lc 1,38), o que devemos fazer em semelhante conjuntura? Não importa que tenhamos nos arrependido perfeitamente de nossos pecados e nos encontremos atualmente em estado de graça. A culpa foi perdoada, o reparo da pena também (caso tenhamos feito a devida penitência), mas o fato histórico de ter cometido aquele pecado não desaparecerá jamais. Não esqueçamos que, independente do grau de santidade possuído por nós, se alguma vez cometemos em nossa vida só um pecado mortal, quer dizer que já fomos resgatados do inferno e somos ex-presidiários de Satanás. O cristão que tenha cometido na vida passado algum pecado mortal deveria estar sempre aterrado em humildade. Pelo menos, ao nos aproximarmos da comunhão, repitamos por três vezes, com sentimento de profunda humildade e vivo arrependimento, a fórmula sublime do centurião “Domine, nom sum dignus ut intres sub tectum meum” (Mt 8,8).
c) Confiança ilimitada. É preciso que a recordação de nossos pecados nos leve à humildade, mas não ao abatimento, que seria uma forma disfarçada de orgulho. Jesus Cristo é grande em sua misericórdia e sempre perdoa; ele acolheu com infinita ternura a todos os pecadores que se aproximaram e pediram perdão. Jamais alterou a condição: é o mesmo Evangelho. Aproximemo-nos d’Ele com humildade e reverência, mas também com imensa confiança em sua bondade e misericórdia. É o Pai, o Pastor, o Médico, o amigo divino, que quer nos aproximar de seu Coração palpitante de amor. A confiança o rende e vence: não pode resistir a ela, pois lhe rouba o Coração...
d) Fome e sede de comungar. Essa é a disposição que mais diretamente afeta a eficácia santificadora da Eucaristia. Essa fome e sede de receber Jesus sacramentado, que procede do amor e quase se identifica com ele, dilata a capacidade da alma e a dispõe a receber a graça sacramental em grandes proporções. A quantidade de água colhida de uma fonte depende em cada caso do tamanho do copo que se leva. Se nos preocupássemos em pedir ardorosamente ao Senhor essa fome e sede da Eucaristia e procurássemos fomentá-la com todos os meios ao alcance, muito rapidamente nos tornaríamos santos. Santa Catarina de Siena, Santa de Tereza de Jesus, Santa Micaela do Santíssimo Sacramento e outras muitas almas santas tinham uma fome e sede de comungar tão devoradoras, que teriam se exposto aos maiores sofrimentos e perigos em troca de não perder um só dia divino alimento que as sustentava. Devemos observar nessas disposições não somente um efeito, mas também uma das mais eficazes causas de sua excelsa santidade. A eucaristia recebida com tão ardoroso desejo aumentava a graça em suas almas em grau incalculável, fazendo-as avançar a passos largos pelos caminhos da santidade.
Em realidade, casa uma de nossas comunhões deveria ser mais fervorosa que a anterior, aumentando nossa própria fome e sede. Porque cada nova comunhão aumenta caudal de nossa graça santificante – a um maior capital, a maiores interesses –, e nos dispõe, em consequência, a receber o Senhor no dia seguinte com um amor, não só igual, senão muito maior que o da véspera. Aqui, como em todo processo de vida espiritual, a alma deve avançar com movimento uniformemente acelerado, algo como uma pedra que cai com maior rapidez à medida que se aproxima do solo.
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4. A AÇÃO DE GRAÇAS

Para o grau de graça que o sacramento por si mesmo (ex opere operato) nos há de aumentar, é mais importante a preparação para receber a eucaristia do que a ação de graças após tê-la recebido. Esse efeito ex operato é produzido pelo sacramento somente uma vez no momento mesmo de recebê-lo. Por essa razão, o efeito está diretamente relacionado com as disposições atuais da alma de quem se aproxima da comunhão e não pelas disposições que se possam obter depois.
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De qualquer forma, a ação de graças também é importante, ainda que o aumento da graça não se produza então ex opere operato, mas em virtude das novas disposições de quem comunga (ex opere operantes), podendo se repetir muitas vezes durante a própria ação de graças. Com razão dizia Santa Tereza a suas monjas: “não percais tão boa ocasião de tratar vossos interesses, como é o momento depois da Comunhão”.5 Cristo está presente em nosso coração e nada Ele deseja tanto como encher-nos de bendições.

[...].

5. COMUNHÃO ESPIRITUAL

Um grande complemento da comunhão sacramental que prolonga sua influência e assegura sua eficácia é a chamada “comunhão espiritual”. Consiste essencialmente em um ato de fervoroso desejo de receber a eucaristia e dar no Senhor um abraço apertado, como se realmente tivesse acabado de entrar em nosso coração. Essa prática piedosa, bendita e fomentada pela Igreja, é de grande eficácia santificadora e tem a vantagem, ademais, de se poder repetir muitas vezes ao dia (algumas pessoas se associam à oração da Ave-Maria ao dar a hora no relógio). Nunca se exaltará o suficiente essa excelsa prática, mas que se evite cuidadosamente a rotina e a pressa, que poriam tudo a perder. 

6. A VISITA AO SANTÍSSIMO

É outra excelente prática que não omitirão um só dia as pessoas desejosas de se santificar. Consiste em passar um tempinho – repetido várias vezes ao dia, se for possível – aos pés do Mestre encerrado no Sacrário. Se se pratica uma só vez ao dia, a hora mais oportuna é o entardecer, quando a lampadinha do Santíssimo começa a prevalecer sobre a luz da tarde que se esvai. Nessa hora misteriosa, tudo convida ao recolhimento e ao silêncio, que são excelentes disposições para ouvir a voz do Senhor no mais íntimo da alma. O melhor procedimento para realizar a visita é deixar expandir livremente o coração em fervoroso colóquio com Jesus. Não faz falta ser eloquente e letrada para isso, mas unicamente amar muito ao Senhor e ter n’Ele a confiança de uma criança em seu amantíssimo pai. Os livros – como excelente de Santo Alfonso de Ligório – podem ajudar um pouco a certas almas que se distraem facilmente, mas de nenhum modo poderão suplantar a espontaneidade e o ardor de uma alma que abre amplamente seu coração aos eflúvios de amor que emanam de Jesus Cristo sacramentado. Págs. 155-164; 167-169.



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1 Jogo de palavras do autor deriva possivelmente do trecho da carta n. 177 escrita por Ir. Elisabete da Trindade: “... Siento tanto amor en mi alma, es como un océano en el cual me sumerjo, me pierdo; es mi visión de la tierra, esperando la luz cara a cara” (L. 177). O autor, ao utilizar o termo “trevas” se refere à nossa condição atual sobre a Terra, na qual esperamos as luzes celestiais provenientes da visão beatifica de Deus. Cf. SOR ISABEL DE LA TRINIDADE, OBRAS COMPLETAS. Trad. Manuel Ordóñez Villarroel, Monte Carmelo, Burgos 2004 – NT.
2 Substantivo Feminino. ESTILÍSTICA/RETÓRICA. Variedade de metonímia que consiste em substituir um nome de objeto, entidade, pessoa etc. por outra denominação, que pode ser um nome comum (ou uma perífrase), um gentílico, um adjetivo etc., que seja sugestivo, explicativo, laudatório, eufêmico, irônico ou pejorativo e que caracterize uma qualidade universal ou conhecida do possuidor ( Aleijadinho por 'Antônio Francisco Lisboa'; a Rainha Santa por 'Isabel, rainha de Portugal, esposa de D. Dinis'; o Salvador por 'Jesus Cristo'; o príncipe da romana eloquência, por 'Cícero'; o mantuano por 'Vergílio'; um borgonha, por 'um vinho da Borgonha' etc.), ou vice-versa ( um romeu por 'um homem apaixonado'; tartufo por 'hipócrita' etc.).
3 Recorda-nos lindamente Santo Tomás: “O movimento natural (p. ex. o de uma pedra ao cair) é mais acelerado quanto mais se aproxima do término. O contrário ocorre com o movimento violento (p. ex. o de uma pedra lançada para cima). Ora, graça inclina ao modo da natureza. Logo os que estão em graça, quanto mais se aproximam do fim, tanto mais devem crescer”(In epist. Ad Heb. 1,25).
4 Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, SUMA TEOLÓGICA III, 80,8 , AD 6.
5 SANTA TEREZA, CAMINO, 34,10.

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