domingo, 16 de maio de 2021

A ESQUIZOFRENIA E A ESPIRITUALIDADE (PARTE 2)

Esquizofrenia; Espiritualidade

VIDA E MILAGRES DE SÃO BENTO. CAPÍTULOS: IV E X.

1) O monge divagante: Reconduzido à salvação

Em um dos mosteiros que construíra ao redor, havia certo monge que não conseguia ficar em oração. Logo que os irmãos se inclinavam nesse exercício, saía e punha-se a revolver na mente vadia coisas mundanas e transitórias. Admoestado várias vezes por seu abade, foi por fim conduzido ao homem de Deus, que lhe increpou com veemência a insensatez; de volta, porém, ao seu mosteiro, mal conseguiu observar por dois dias a admoestação do homem de Deus; já ao terceiro, recaindo no velho hábito, entrou de novo a vaguear na hora da oração. Quando isto foi contado ao servo de Deus pelo pai do mosteiro, respondeu aquele:

- "Irei eu mesmo, e pessoalmente o emendarei".

O homem de Deus foi, com efeito, ao dito mosteiro, e na hora marcada, quando os irmãos depois da salmodia se entregavam à oração, observou que o monge que não podia ficar rezando, era arrastado por um negrinho, que o puxava pela orla do hábito.
À vista disso, Bento perguntou secretamente ao abade do mosteiro, Pompeiano, e ao servo de Deus, Mauro:

- Não vedes, então, quem é que puxa esse monge?"

Responderam que não. Ao que retorquiu:

- "Oremos para que vejais também vós a quem é que esse monge segue".

Depois de dois dias de oração, Mauro monge o viu, ao passo que Pompeiano, pai do mosteiro, não o conseguiu. Ora, no dia seguinte, saindo do oratório depois do ofício, o homem de Deus topou com o dito monge em pé do lado de fora, e aí com uma vara bateu-lhe de rijo, por causa da cegueira de seu coração. Desde esse dia o monge nunca mais se deixou induzir pelo pretinho, permanecendo sossegado na prática da oração, e o antigo inimigo não mais se atreveu a dominar-lhe o pensamento, como se fora ele mesmo que levara as pancadas.

2) O incêndio imaginário da cozinha

Então ao homem de Deus pareceu oportuno cavarem a terra naquele mesmo sítio. Ora, sucedeu que, cavando muito fundo, os irmãos encontraram um ídolo de bronze. Atiraram-no logo para longe, indo o mesmo cair por acaso na cozinha; em consequência, viu-se de repente sair fogo do lugar, e pareceu aos olhos de todos que o prédio da cozinha era devorado pelas chamas. Como, jogando água para apagar o fogo, fizeram grande vozerio, o homem de Deus, atraído pelo ruído, aproximou-se.
Considerando, então, que o fogo estava somente nos olhos dos irmãos e não nos seus, baixou logo a cabeça em oração, e, chamando a si os irmãos que via iludidos pelo incêndio fantástico, admoestou-os a persignarem os olhos para que percebessem estar ileso o edifício da cozinha, e deixassem de ver as chamas imaginárias que o antigo inimigo lhes sugeria.


VIDA E CONDUTA DE SANTO ANTÃO – DESCRITO POR SANTO ATANÁSIO


1) Necessidade de conhecermos suas astúcias

“Sabemos que os demônios não foram criados como demônios. Deus não faz nada mau. Também eles foram criados bons, mas, decaídos da sabedoria celeste e precipitados na terra, desviaram os gentios por meio de ficções. Invejam a nós, cristãos, e movem tudo para nos fechar o acesso ao céu, a fim de que não subamos para o lugar do qual caíram. Por isso temos necessidade de orações e da ascese para, mediante o carisma do discernimento dos espíritos, recebido pelo Espírito Santo podermos conhecer o que diz respeito a eles, quais dentre eles são menos maus, quais piores, a especialidade de cada um, e como cada um é vencido e rejeitado. Muitas são, com efeito, suas velhacarias e suas manobras insidiosas. Sabiam-no bem o bem-aventurado apóstolo e seus colaboradores, que diziam: ‘Não ignoramos as intenções dele’ (2Cor 2,11). A experiência de suas tentações deve servir para nos ajudarmos mutuamente a nos precavermos. Tendo deles alguma experiência, eu vos falo como a meus filhos”.

2) Por permissão divina é que o demônio pôde provar Jó

“Se alguém, pensando na história de Jó, objeta: por que então o diabo, saindo contra ele, pôde fazer tudo, tirar-lhe as riquezas, matar os filhos e ferir a ele mesmo com chaga maligna? (Jó 1,15-22; 2,7). Que reconheça: o diabo não era forte, mas Deus lhe entregou Jó, para que o provasse.
Precisamente porque nada podia, o demônio pediu esse poder e, tendo-o recebido, agiu. O exemplo confirma que é necessário desprezar o inimigo, já que, ainda quando quer, nada pode contra um homem justo. Se tivesse o poder, não o teria pedido. E o pediu não só uma, mas duas vezes, o que manifesta sua fraqueza e impotência. Não é surpreendente que nada pudesse contra Jó. Só pôde destruir seu rebanho com a permissão divina. Os demônios não têm poder nem mesmo sobre os porcos. No evangelho está escrito que rogaram ao Senhor: ‘Permite-nos passar para a manada de porcos’ (Mt 8,31). Se não têm poder sobre os porcos, por razão muito mais forte não o têm contra o homem, feito à imagem de Deus”.

3) Experiências pessoais de Antão

“Quereria calar-me e nada dizer do que me concerne, contentar-me com o que precede. Mas, para que não penseis que não faço mais que dizer essas coisas, para que creiais que as conto por experiência e com verdade, por isso, ainda sob o risco de ser insensato (mas o Senhor, que está ouvindo, conhece a pureza de meu coração e que falo não por mim mesmo, mas por amor de vós e por vosso projeto), as maquinações do demônio que vi, digo-as novamente. Quantas vezes me proclamaram bem-aventurado, mas os amaldiçoava em nome do Senhor. Quantas vezes me anunciaram a enchente do rio, e lhes dizia: ‘E que proveito isso vos traz?’ Às vezes, vieram ameaçadores e me cercaram como soldados armados; outras vezes, encheram a casa de cavalos, de animais ferozes e de serpentes. Quanto a mim, salmodiava: ‘Uns confiam em carros, outros em cavalos; nós, porém, invocamos o nome de Javé nosso Deus’ (Sl 19,8) e por meio das orações, foram postos em fuga pelo Senhor. Às vezes vieram nas trevas, com aparências de luz, e disseram: ‘Viemos alumiar para ti, Antão’; eu, fechando os olhos, orava, e logo a luz dos ímpios se apagava. Alguns meses depois, vieram como que salmodiando e recitando palavras das escrituras, mas ‘eu, como o surdo, não escutava’ (Sl 37,14). Às vezes abalavam a minha cela; eu rezava, permanecendo imóvel na alma. Depois disso, voltavam, faziam ruído, assobiavam, dançavam. Como rezasse e permanecesse deitado, salmodiando comigo mesmo, logo começavam a se lamentar e chorar, como se desfalecessem; mas eu glorificava o Senhor, que quebrava sua audácia e seu furor, e fazia deles um exemplo”.

4) Como ele repelia os demônios

“Certa vez um demônio muito alto me apareceu e ousou dizer-me: ‘Sou o poder de Deus, sou a providência. Que queres que te conceda?’ Então soprei com mais força contra ele; tendo invocado o nome de Cristo, pus-me a bater nele, e parece-me que, de fato, bati. Ao ouvir o nome de Cristo, logo esse grande (demônio) desapareceu com todos os seus demônios. Então, quando eu jejuava, o astuto voltou sob a aparência de monge, trazendo pães, e me aconselhou, dizendo: ‘Come e cessa com esses grandes trabalhos; também tu és homem, e vais enfraquecer’. Refletindo em sua astúcia, levantei-me para orar. Ele não suportou, deixou-me e parece ter saído pela porta como fumaça. Quantas vezes, no deserto, fez aparecer ouro diante de mim, para me tentar ao menos a tocá-lo e olhá-lo. Salmodiava contra ele, e tudo desaparecia. Muitas vezes seus golpes me feriram, e eu dizia: ‘Nada me separará do amor de Cristo’ (Rm 8,35). Depois disso se bateram muito mais entre si. Não era eu que os fazia cessar e os abatia, mas o Senhor, que disse: ‘Vi satanás cair do céu como um relâmpago’ (Lc 10,18).
Mas eu, meus filhos, lembrando-me da palavra do apóstolo (1Cor 4,6), apliquei isso a mim, para que aprendais a não desfalecer na ascese, a não temer as magias do diabo e de seus demônios”.

5) Cuidar muito da alma e muito pouco do corpo

Antão, segundo seu costume, segregando-se em seu próprio mosteiro, fortalecia sua ascese. Todos os dias suspirava, pensando nas moradas do céu, desejando-as e meditando quão efêmera é a vida humana. Quando devia comer ou dormir ou cuidar de outras necessidades do corpo, sentia vergonha, pensando na parte espiritual da alma. Muitas vezes, estando para tomar a refeição com os numerosos outros monges, lembrando-se do alimento espiritual, recusava-se e se afastava, considerando vergonhoso que o vissem comendo com os outros, e ia comer retirado, por necessidade. Muitas vezes, também, comia com seus irmãos; sentia vergonha, mas se consolava, aproveitando a ocasião para palavras úteis. É necessário, dizia, aplicar todo o tempo livre à alma, não ao corpo, reservar ao corpo pouco tempo, por necessidade, mas consagrar todo o resto à alma, a procurar seu bem, para que ela não seja atraída pelas voluptuosidades do corpo, e para que o corpo seja reduzido à servidão por ela; é a recomendação do Senhor: “Não busqueis o que comer ou beber; e não vos inquieteis. Vosso Pai sabe que tendes necessidade disso. Pelo contrário, buscai o seu reino, e essas coisas vos serão acrescentadas” (Lc 12,29-31).

6) Doentes e possessos recorrem a Antão

Muitas vezes anunciava visitantes e o motivo de sua vinda vários dias antes, às vezes até com um mês de antecedência. Uns vinham somente para vê-lo, outros, porque doentes ou atormentados pelos demônios. Não consideravam faina nem pena a fadiga de viagem cujo proveito cada um verificava na volta. E ele, agraciado com essas profecias e visões, pedia que ninguém o admirasse, que admirasse, antes, o Senhor, que concede a nós, homens, a graça de conhecê-lo segundo nossas forças.

7) Durante viagem de barco, Antão livra um possesso

Outra vez, descendo aos mosteiros exteriores, foi convidado a subir num barco e a orar com os monges. Somente ele sentiu horrível odor muito penetrante. As pessoas a bordo diziam que o barco transportava peixe e produtos salgados, donde o odor. Ele dizia que o odor era outro. Enquanto ainda falava, um jovem, possesso do demônio, que subira antes no navio e se mantinha oculto, deu um grito. Conjurado em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, o demônio saiu, e o homem ficou curado. Todos reconheceram então que o mau cheiro vinha dele.

8) Levam-lhe possesso furioso, ele o cura

Veio a ele outro homem, de família ilustre, possesso de demônio tão terrível que o energúmeno ignorava que estivesse perto de Antão e comia os próprios excrementos. As pessoas que o levaram pediam a Antão que intercedesse por ele. Cheio de simpatia por esse jovem, Antão orou e passou toda a noite velando com ele. Subitamente, ao despontar da aurora, o jovem se atira sobre Antão e o ataca.
Seus companheiros se indignaram. Antão lhes disse: “Não vos irriteis contra esse jovem. Não é ele quem faz isso, mas o demônio que o domina. Amaldiçoei esse demônio e lhe ordenei que fugisse para lugares áridos. Ele o fez enfurecido. Glorificai, pois, o Senhor. O fato de o jovem ter-se atirado contra mim é para vós sinal de que o demônio saiu”. A essas palavras de Antão, o jovem ficou são, voltou a ser bem comportado como antes e abraçou o ancião, dando graças a Deus.

9) Antão, em êxtase, se vê morto. Defendem-no os anjos contra os demônios

Os numerosos monges atestavam a uma só voz muitas outras belas coisas. Não tão admiráveis, aliás, que outras não o possam ser ainda mais. Certo dia, antes da refeição, estando de pé para orar, pela nona hora, viu-se arrebatado em espírito. Coisa espantosa, de pé, viu-se fora de si como que conduzido através dos ares por algumas pessoas, em seguida viu outras, amargas e cruéis, de pé no ar e querendo impedi-lo de subir. Defendendo-o seus condutores, os outros perguntaram se lhes estava sujeito e quiseram fazê-lo prestar contas desde seu nascimento. Os guias de Antão se opuseram, dizendo aos adversários: “O Senhor perdoou as faltas cometidas desde seu nascimento, podeis pedir lhe contas das que cometeu depois que se fez monge e se consagrou ao Senhor”. Os adversários o acusavam, mas nada podiam provar. A rota ficou livre e sem obstáculos. Antão se viu então voltar, de pé diante de si, e de novo ele mesmo. Esquecendo a comida, passou o resto do dia e a noite em gemidos e na oração. Admirava por quais lutas e fadigas é necessário passar para atravessar os ares, e se lembrava do que diz o apóstolo sobre o “príncipe do poder do ar” (Ef 2,2). O inimigo tem o poder de combater e impedir aqueles que sobem através (dos ares).
Antão fazia, portanto, esta exortação principalmente: “Por isso deveis vestir a armadura de Deus, para poderdes resistir aos dias maus, para que o adversário fique confuso, não tendo nenhum (mal) que dizer contra nós” (Ef 6,13; Tt 2,8). Nós, que aprendemos isso, lembremo-nos do texto do Apóstolo: “Se no corpo ou fora do corpo, não sei; Deus o sabe” (2Cor 12,2). Mas Paulo foi arrebatado até o terceiro céu, e tendo ouvido palavras inefáveis, desceu. Antão se viu subir no ar e combater até que o caminho aparecesse livre.



Referências

BÍBLIA Católica Ave Maria. [S. l.], 2021. Disponível em: https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-lucas/8/. Acesso em: 16 maio 2021.

DICIONÁRIO informal. [S. l.], 2021. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/acrossofia/. Acesso em: 16 maio 2021.

GOMES, ANA FLÁVIA SALGADO RODRIGUES et al. ESQUIZOFRENIA: A EVOLUÇÃO DO DIAGNÓSTICO E OS TRATAMENTOS UTILIZADOS NO BRASIL. Esquizofrenia; diagnóstico; tratamentos , Paraíso, Ponte Nova, Minas Gerais, ano 2019, v. 28, ed. 2, p. 15-19, Setembro, Novembro 2019. Disponível em: https://www.mastereditora.com.br/periodico/20191115_074607.pdf. Acesso em: 30 abr. 2021.

PATRÍSTICA: Contra os pagãos | A encarnação do Verbo | Apologia ao imperador Constâncio | Apologia de sua fuga | Vida e conduta de S. Antão. 1. ed. [S. l.]: PAULUS Editora, 2014. 257 p. v. 18.

TAMMINGA, Carol. Esquizofrenia. [S. l.], 2018. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/esquizofrenia-e-transtornos-relacionados/esquizofrenia. Acesso em: 16 maio 2021.

VIDA e Milagres de São Bento. 1. ed. [S. l.]: EDITORA FAMÍLIA CATÓLICA, 2018. 68 p.

 

A ESQUIZOFRENIA E A ESPIRITUALIDADE


Esquizofrenia; Espiritualidade
Vivendo pela fé. “É por isso que não desfalecemos. Ainda que o ser humano exterior se decomponha em nós, o ser humano  interior se renova dia a dia. A presente aflição, momentânea e leve, nos dá um peso de glória incalculável. Por isso não olhamos para as coisas visíveis, mas para as invisíveis. As coisas visíveis são temporais; as invisíveis, eternas”. 2Cor 4: 16-18

A esquizofrenia está classificada dentre os transtornos mentais como um dos mais incapacitantes, o que gera muito sofrimento para o paciente e, para a família que tem a responsabilidade de garantir os cuidados necessários daquele que é acometido por esta doença. Os que já estudaram sobre esta psicopatologia, compreende que esta doença mental não tem uma explicação teórica exata para a sua causa, pois todas as referências teóricas de diversos autores, explanam hipóteses sem nenhuma exatidão cientifica. Em síntese, esta doença tem origem em questões: genéticas e ambientais. Contudo, não se encontrou nenhum artigo, ou texto que fala especificamente sobre a espiritualidade, como um fator para os sintomas psicóticos.

Não têm como contestarmos que a prevenção e o tratamento nos casos dos transtornos psicológicos, sejam exclusivamente realizadas
 por psicólogos e psiquiatras. No entanto, não há nada que proíba de questionarmos, através da leitura dos Evangelhos e, dos livros dos monges beneditinos, pois segundo o que se consta, eles observavam pessoas com psicoses e outras doenças aos quais identificavam estes sintomas, como sendo oriundos dos demônios. É irrefutável que a ciência é baseada em fatos empíricos, mas não podemos refutar as experiências de homens que serviram a Deus, e que possuíam uma "sabedoria transcendente", como se nomeia na terminologia: acrossofia1. Portanto, não podem ser explicados pela ciência, pois são discernidos espiritualmente através da sabedoria divina, que Deus os concedeu. Pois façamos a seguinte pergunta, quantos indivíduos que foram diagnosticados por esta psicopatologia, e que apesar de muitas mediações psiquiátricas, continuaram a padecer por infindáveis anos em clínicas psiquiátricas?

A pergunta retórica é óbvia, pois ao fazermos um apurado dos casos de pessoas diagnosticadas com esta doença mental, pouquíssimas conseguiram retornar à vida normal e com qualidade após o diagnóstico, psicoterapias e tratamento psicofarmacológico. O que se consta, com o prognóstico da doença, é que a pessoa terá de conviver durante muito tempo de sua vida com os sintomas crônicos, através de um tratamento precoce e continuado. 
Diante do que foi dito, trarei uma breve descrição sobre o que é a Esquizofrenia e às suas características sintomáticas, segundo o que dizem os especialistas.

O que é a Esquizofrenia?
A esquizofrenia caracteriza-se por psicose (perda do contato com a realidade), alucinações (percepções falsas), delírios (crenças falsas), discurso e comportamento desorganizados, embotamento afetivo (variação emocional restrita), déficits cognitivos (comprometimento do raciocínio e da solução de problemas) e disfunção ocupacional e social. [...].
Sintomas
Conforme nos diz Lima, o transtorno tem nas suas principais características , alterações na afetividade, comportamento, vontade, percepção, insight, linguagem, relações interpessoais, vida escolar, ocupacional, entre outros. [...]. Ao que tange o conteúdo do pensamento dos esquizofrênicos, se verifica que há fragmentação, com a perda das associações lógicas, que se expressa de forma incoerente, vaga, circunstancial e repetitiva. E da mesma maneira, a percepção do paciente se mostra alterada e a principal alteração perceptivo são alucinações: auditivas – escuta vozes sem haver ninguém por perto; até alucinações visuais, ( visões fantasiosas); olfativas (odores incomuns); ou táteis (sensações de formigamento pelo corpo).
Além dos distúrbios apresentados, os indivíduos esquizofrênicos também podem ter ilusões (percepção de objetos reais de modo distorcido) ou despersonalização (sensação de que o seu corpo está sofrendo modificações). Também são observados distúrbios motores, tais com catatonia (alterações intensas da motricidade caracterizadas por imobilidade e comportamento indiferente ao ambiente), movimentos estereotipados (repetitivos e sem propósito), atividades motoras incontroláveis e agitação, sendo as duas últimas as mais frequentes, segundo Alves.
Os sintomas da esquizofrenia se classificam como positivos e negativos. Os positivos são “caracterizados por distorção do funcionamento normal de funções psíquicas” como discorre Alves. Esses sintomas são delírios, alucinações, pensamentos incoerentes, agitação psicomotora e afeto incongruente. Já os sintomas negativos, segundo Alves e Silva, se caracterizam pela perda das funções psíquicas, como deficiências intelectuais e de memória, pobreza de discurso, embotamento afetivo, incapacidade de sentir prazer (anedonia), isolamento social e falta de motivação.

Depois de descrever o que é a Esquizofrenia e seus sintomas, utilizarei o Evangelho para justificar o tema. Lucas, Cap. 8:26-39:

"Navegaram para a região dos gerasenos, que está defronte da Galileia. Mal saltou em terra, veio-lhe ao encontro um homem dessa região, possuído de muitos demônios; há muito tempo não se vestia nem parava em casa, mas habitava no cemitério. Ao ver Jesus, prostrou-se dian­te dele e gritou em alta voz: “Por que te ocupas de mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Rogo-te, não me atormentes!” Porque Jesus ordenara ao espírito imundo que saísse do homem. Pois há muito tempo que se apoderara dele, e guardavam-no preso em cadeias e com grilhões nos pés, mas ele rompia as cadeias e era impelido pelo demônio para os desertos. Jesus perguntou-lhe: “Qual é o teu nome?”. Ele res­pondeu: “Legião!”. (Porque eram muitos os demônios que nele se ocultavam.) E pediam-lhe que não os mandasse ir para o abismo. Ora, andava ali pastando no monte uma grande manada de porcos; rogaram-lhe os demônios que lhes permitisse entrar neles. Ele permitiu. Saíram, pois, os demônios do homem e entraram nos porcos; e a manada de porcos precipitou-se pelo despenhadeiro, impetuosamente no lago, e afogou-se. Quando aqueles que os guardavam viram o acontecido, fugiram e foram contá-lo na cidade e pelo campo. Saíram eles, pois, a ver o que havia ocor­rido. Chegaram a Jesus e acharam a seus pés, sentado, vestido e calmo, o homem de quem haviam sido expulsos os demônios; e, tomados de medo, ouviram das testemunhas a narração desse exorcismo. Então, todo o povo da região dos gerasenos rogou a Jesus que se retirasse deles, pois estavam possuídos de grande temor. Jesus subiu à barca, para regressar. Nesse momento, pedia-lhe o homem, de quem tinham saí­do os demônios, para ficar com ele. Mas Jesus despediu-o, dizendo: “Volta para casa, e conta quanto Deus te fez”. E ele se foi, publicando por toda a cidade essas grandes coisas..."


Nestes versículos, observamos o que acontece quando alguém está sendo atormentado pelo inimigo de nossas almas, seu estado psíquico é alterado, tanto que nem é mais a sua pessoa a exercer o poder sobre seu corpo, sua fala e seu raciocínio. E ao ser questionado por Jesus Cristo, ele se declara legião, pois são muitos demônios a agirem sobre ele. Através desta descrição, podemos tirar lições ao fazermos um paralelo entre o antes e o depois da sua conversão, quando vivia preso espiritualmente e após à sua libertação. Precedente ao milagre da libertação por Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o Gadareno encontrava-se em total destruição: moral, física, intelectual e emocional, pois vivia nos cemitérios, não se vestia, não se banhava, nem se alimentava direito, e etc. Todos que tentavam segurá-lo preso sob correntes, ele destruía as correntes de ferro, afastava-se da comunidade voltando ao lugar onde se achava.

Conclui-se que o propósito fundamental dos demônios é de nos destruir, e para que isso aconteça é necessário que sejamos escravizados através do pecado. Pois a sua “meta” é atingir o homem atacando primeiramente a razão, ou a sua mente, para que enfim, tenha total domínio sobre esta pessoa. Quando isto acontece, perdemos a riqueza mais essencial e que pertencia somente a nós, como dádiva divina: a nossa paz, liberdade e a prerrogativa de vivermos dignamente, como filhos e filhas de Deus Pai. Após o gadareno ter sido liberto pelo Nosso Senhor, a legião de espíritos impuros, são deslocados para a vara de porcos, assim a manada é precipitada ao precipício atirando-se sobre o mar. O homem por fim é liberto, e está recuperado de sua sanidade mental, está vestido e conversa tranquilamente, todos que o conheciam ficam perplexos por sua plena recuperação. É óbvio que trarei outros textos para darem ênfase ao artigo, mas somente neste texto do Evangelho de Lucas, já poderíamos afirmar, que os males ou doenças, muitas delas têm origem espiritual, portanto, já podemos assertivamente tirar nossas dúvidas de como o mundo espiritual está vinculado ao nosso mundo físico, quando nos referimos aos que atuam de maneira salutar e Salvífica em nós, Deus e os (Anjos) Espíritos de luz; quanto para o mal, Satanás e os espíritos das trevas para os males, perdição e destruição das almas.

Mais à frente, citarei trechos hagiográficos dos antigos monges, que tiveram lutas e provas espirituais contra o inimigo do homem, e que as venceram através da fé em Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Os textos são dos livros: Vida e Milagres de São Bento e da Patrística Vol. 18: Vida e Conduta de Santo Antão, escrito por Santo Atanásio. Teria outros escritos Bíblicos e histórias relatadas dos monges, porém, ficaria extenso demais, portanto, descreverei os principais eventos ou manifestações "fantasiosas" e perniciosas do mal, e que eram logo desmascarados ou repelidos pelos monges através da oração, penitência, jejum e expurgação do mal. Reitero novamente, que este artigo não é uma refutação à medicina, pois ela foi inspirada por Deus aos seres humanos para auxiliar-nos na cura, nos cuidados e na prevenção das doenças. Apenas destaco as evidências de que certas doenças existentes, em particular o que estamos nos referindo neste artigo, a esquizofrenia; possui indícios de relação com os espíritos malignos. Se verificarmos os conteúdos: sombrios e sobrenaturais, que fazem parte do comportamento psicótico de certos pacientes esquizofrênicos, a despeito do tratamento psicológico tradicional, não surtir os efeitos esperados, podemos inferir categoricamente que a sua origem está na espiritualidade.

OUVIR O TEXTO PRINCIPAL?


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1 A suprema sabedoria; a sabedoria que só pertence a Deus.


Link para a continuação do post: A Esquizofrenia e a espiritualidade (PARTE 2).

domingo, 28 de março de 2021

Livros: Coleção da Patrística - Paulus Editora - PDF

Patrística; Livros





 OBS. CONTÉM 42 VOLUMES E OBRAS COMPLEMENTARES. 


Álbum: Anjos de Resgate 20 sucessos

Anjos de Resgate 20 sucessos




sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

CONFISSÕES: SANTO AGOSTINHO

Na leitura do livro: 
Confissões de Agostinho, me chamaram a atenção os capítulos: 12 ao 15 do quarto livro, que gostaria de compartilhar para os que se interessam pelo tema, decorrente do drama humano vivido por Santo Agostinho. Em síntese, os capítulos tratam sobre a distorção do que as pessoas consideram 'belo e atraente', e do que é belo de fato, pois a beleza das coisas somente tem significado, quando Deus está presente nas suas criaturas. Outro ponto a ser colocado é que Deus fez todas as coisas perfeitas, inclusive a alma do homem, que por decisão própria, a corrompe seguindo às paixões carnais da luxúria e devassidão; é por estes motivos e outros similares, que muitas pessoas são levadas para caminhos que levarão à morte. Agostinho nos diz, que para livrar-se de tal mal, teria que se deixar humilhar por Deus, pois somente assim encontraria paz e alegria genuínos, numa vida de comunhão com Deus que lhe traria sentido; ao invés de deixar-se “amar” e influenciar por homens e mulheres de fama e prestígio.

CAPÍTULO XII - O amor em Deus

Se te agradam os corpos, louva a Deus neles, e dirige teu amor para teu artífice, para não o desagradar nas mesmas coisas que te agradam. Se te agradam as almas, ama-as em Deus, porque, embora mutáveis, se fixas nele, terão estabilidade; de outro modo, passariam e pereceriam. Ama-as, pois, nele, e arrasta contigo até ele quantas almas puderes, dizendo-lhes: “Amemo-lo”. Porque ele criou estas coisas, e não está longe; ele não as fez para depois ir embora, mas dele procedem e nele estão. E ele está onde aprecia a verdade: no mais íntimo do coração; mas o coração errante se afastou dele.
Voltai, pecadores, ao coração, e ligai-vos àquele que é vosso criador. Firmai-vos nele, e estareis firmes; descansai nele, e estareis descansados. Para onde ides por esses ásperos caminhos? Para onde ides? O bem que amais, dele procede, mas só é bom e suave quando se dirige a ele; porém, será justamente amargo se, abandonando a Deus, amardes injustamente o que dele procede. Por que continuai por caminhos difíceis e trabalhosos? O descanso não está onde o buscais. Buscais a vida feliz na região das trevas: não está lá. Como achar a vida bem-aventurada onde nem sequer há vida?
Ele, nossa vida real veio até nós; sofreu nossa morte, e a suplantou com a abundância de sua vida; com voz de trovão clamou para que voltássemos a ele, para o lugar escondido de onde veio até nós, passando primeiro pelo seio de uma virgem, onde se desposou com ele a natureza humana, carne mortal, para não ficar sempre mortal.
Dali, como o esposo que sai do tálamo, deu saltos como um gigante, para correr seu caminho. E não se deteve; correu clamando com suas palavras, com suas obras, com sua própria morte, com sua vida, com sua descida aos ínferos e com sua ascensão, clamando para que voltássemos a ele. Se ele se afastou de nossa vista, foi para que entremos em nosso coração, e ali o encontremos; se partiu, ainda está conosco. Não quis ficar por muito tempo entre nós, mas não nos abandonou. Retirou-se de onde nunca se afastou, pois o mundo foi criado por ele, e no mundo estava, e ao mundo veio para salvar os pecadores. E a ele se confessa minha alma, a ele que a cura e contra quem pecou. Filhos dos homens, até quando sereis duros de coração? Será possível que, depois de ter a vida descido até vós, não queirais subir e viver? Mas para onde subis, quando vos ergueis e abris vossa boca no céu? Descei para subir, para subir até Deus, já que caístes levantando-vos contra Deus. Dize-lhes isto, minha alma, para que chorem neste vale de lágrimas, e assim os arrebates contigo para Deus, pois, ao dizer estas palavras ardendo em chamas de caridade, é o espírito divino que te inspira.

CAPÍTULO XIII - O problema do belo

Então eu ignorava tais coisas – e por isso amava belezas terrenas. Caminhava para o abismo, dizendo a meus amigos: “Será que amamos algo que não é belo? E que é o belo? E que é a beleza? Que é que nos atrai e apega às coisas que amamos? Pois, com certeza, se nelas não houvesse certa graça e formosura, não nos atrairiam.
E eu observava e via que num mesmo corpo uma coisa era o todo, harmonioso e belo, e outra o que lhe era conveniente, sal aptidão de se ajustar de maneira perfeita a alguma coisa como, por exemplo, a parte do corpo em relação ao conjunto, o calçado em relação ao pé, e outras similares. Esta consideração brotou em minha alma do íntimo de meu coração, e escrevi alguns livros sobre o belo e o conveniente, creio que dois ou três – tu o sabes, Senhor – pois já me esqueci, e não os tenho mais porque se me extraviaram não sei como.

CAPÍTULO XIV - Razões de uma dedicatória

Mas, meu Senhor e meu Deus, qual o motivo de dedicar esses livros a Hiério, orador de Roma? Não o conhecia, apreciando-o apenas pela fama de sua doutrina, que era grande, e por alguns ditos seus, que ouvira, e que me agradaram. Mas dele gostava principalmente porque ele agradava aos outros, que lhe tributavam grandes elogios, admirados de que um sírio, educado na eloquência grega, chegasse a orador admirável na latina, e grande conhecedor de todos os assuntos, ligados à filosofia. Assim, ouve-se louvar a um homem, e, embora ausente, começasse a amá-lo. Entrará o amor no coração do que ouve pela boca do que louva? É certo que não, mas o amor de um se inflama com amor do outro.  
Por isso se ama ao que é louvado; mas só quando se está persuadido de que o louvor vem de coração sincero, ou quando o louvor é inspirado pelo amor.
Assim pois amava eu então aos homens, pelo juízo dos homens, e não pelo teu, meu Deus, em quem ninguém se engana. Contudo, por que não o louvava como se louva a uma auriga famoso ou a um caçador afamado pelas aclamações do povo, mas de modo mais distinto e mais ponderado, tal como eu gostaria de ser louvado?
Certamente, eu não gostaria de ser louvado e amado como os comediantes, embora eu também os ame e louve; antes, preferiria mil vezes, permanecer desconhecido a ser louvado dessa maneira, e mesmo ser odiado a ser amado assim. De que modo convivem em uma alma gostos tão vários e diversos? Como é que amo em outro o que rejeitaria e afastaria para longe de mim, sendo ambos homens? Aprecia-se um bom cavalo, sem que se queira ser um cavalo, se isso fosse possível. Mas de um histrião não se pode dizer o mesmo, pois tem a mesma natureza que nós. Logo, amo em um homem o que teria horror de ser, embora também eu seja homem?
Grande abismo é o homem, cujos cabelos tu, Senhor, tens contados; e não se perde um sem que tu o saibas; e, contudo, mais fáceis de contar são seus cabelos que suas paixões e os movimentos de seu coração. Mas aquele orador era do número dos que eu amava a ponto de desejar ser como ele; mas eu andava errante por meu orgulho e era arrastado por toda espécie de vento, embora em segredo fosse governado por ti. E como sei, e como te confesso com tanta certeza que o amava mais por amor dos que o louvavam do que pelos méritos que lhe valiam esses louvores?
Se em vez de o louvarem aquelas mesmas pessoas o criticassem, e se me contassem dele as mesmas coisas, mas com censura e desprezo, certamente não me entusiasmaria por ele; não obstante, os fatos não seriam diferentes e nem o homem outro, mas unicamente os sentimentos dos narradores. Eis onde jaz enferma a alma que ainda não se apoiou na firmeza da verdade. É levada e trazida, atirada e rechaçada, segundo os sopros das línguas que ventam dos peitos dos que opinam! E de tal modo a luz lhe é toldada, que não distingue a verdade, apesar de estar ela à nossa vista.
Para mim era importante que aquele homem conhecesse minhas palavras e meus trabalhos. Se ele os aprovasse, me entusiasmaria ainda mais por ele; mas se os reprovasse, meu coração fútil e vazio de tua firmeza, se lastimaria. Contudo, meu prazer era pensar e refletir no problema do belo e do conveniente, assunto do livro que lhe dedicara, admirando-o na minha imaginação, mesmo que ninguém mais o louvasse.

CAPÍTULO XV - Os primeiros livros

Mas não atinava com a chave de tuas artes em tão grandes obras, ó Deus onipotente, único criador de maravilhas. Vagava minha alma pelas formas corpóreas, e definia o belo como o que agrada por si mesmo, e o conveniente como o que agrada por sua acomodação a outra coisa, e apoiava essa distinção com exemplos tomados dos corpos.
Daqui passei à natureza da alma, mas o falso conceito que tinha das coisas espirituais não me permitia perceber a verdade. A própria força da verdade saltava-me aos olhos, mas logo eu afastava da realidade incorpórea meu espírito inquiridor, voltando-me para as figuras, as cores e as grandezas materiais. E como não podia ver nada semelhantes na alma, julgava que tampouco seria possível ver minha alma.
Mas, como eu amava a paz da virtude, e aborrecia a discórdia do vício, notava naquela certa unidade e nesta certa desunião; parecia-me que residisse nessa unidade a alma racional, a essência da verdade e do sumo bem. Na desunião, via eu não sei que substância de vida irracional e a natureza do sumo mal, que não era apenas substância, mas também verdadeira vida. Todavia não procedia de ti, meu Deus, de quem procedem todas as coisas. E chamava àquela unidade mônada, como alma sem sexo, e a esta multiplicidade díada, como a ira nos crimes, a concupiscência nas paixões, sem saber o que dizia. Ignorava então, ainda não havia aprendido que o mal não é substância alguma, nem que nosso espírito não é o bem soberano e imutável.
Assim como se cometem crimes quando o movimento do espírito é vicioso e se atira insolente e turbulento, e se cometem infâmias quando o afeto da alma, fonte dos prazeres carnais, é imoderado, assim os erros e falsas opiniões contaminam a vida se a alma racional está viciada, como estava a minha então. Ignorava que ela deveria ser ilustrada por outra luz para participar da verdade, por não ser da mesma essência da verdade, porque tu, Senhor, alumiarás minha lâmpada; tu, meu Deus, iluminarás minhas trevas, e todos participamos de tua plenitude, porque és a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo, e porque em ti não há mudança nem a momentânea obscuridade. Eu me esforçava para me aproximar de ti, mas tu me repelias para que experimentasse a morte, pois resistes aos soberbos. E que maior soberba haveria que afirmar, com inaudita loucura, que eu era da mesma natureza que tu? Porque, sendo eu mutável, e reconhecendo-me tal – pois, se queria ser sábio, era para fazer-me de menos para mais perfeito – preferia, contudo, julgar mutável a ti do que não ser o que tu és. Eis aqui por que era repelido, e por que resistias à minha soberba cheia de vento.
Eu não imaginava mais que formas corpóreas; carne, acusava a carne; espírito errante, não conseguia voltar para ti, nem em mim, nem nos corpos; não eram sugeridas por tua verdade, mas imaginadas por minha vaidade, de acordo com os corpos. E dizia aos pequeninos teus fiéis concidadãos, dos quais eu, ignaro, ainda exilado, dizia-lhes eu, tagarela inepto: “Por que a alma, criatura de Deus, se engana?” Mas não queria que dissessem: “E por que Deus se engana?” E defendia antes que tua substância imutável era obrigada a errar, para não confessar que a minha, mutável, se desencaminhara espontaneamente, ou que era castigada pelo erro.
Teria eu vinte e seis ou vinte e sete anos quando escrevi essas coisas, revolvendo dentro de mim apenas imagens corporais, cujo ruído aturdia os ouvidos do meu coração. Buscava eu aplicá-los – ó doce verdade – à tua melodia interior, quando meditava sobre o belo e o conveniente. Meu desejo era estar diante de ti, e ouvir tua voz, e alegrar-me intensamente com a voz do esposo, mas não o podia, porque o alarido do meu erro me arrebatava para fora e, sob o peso de minha soberba, caía no abismo. Pois ainda não davas gozo e alegria a meus ouvidos, nem exultavam meus ossos, porque ainda não haviam sido humilhados.


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje

Mantendo a morte diariamente diante dos olhos
:
São Bento em sua regra, aconselha os monges a manterem diariamente a morte diante dos olhos. [...]. Os monges viviam na consciência de sua morte. E isso os tornava mais vivos e presentes. O pensar na morte liberta-os de todo medo. Um jovem monge perguntou a um patriarca nestes termos: ‘“Por que o medo toma conta de mim quando saio sozinho durante a noite?’ Disse-lhe o ancião: Porque a vida deste mundo ainda possui valor para ti’” (EVÁGRIO. OitPens 190). [...]. (pág.109).
Em muitas palavras dos monges sentimos uma profunda ânsia e desejo da morte. Mas esta ânsia e desejo da morte, para estar ao lado do Senhor, confere aos monges ‘uma surpreendente jovialidade, de modo que um deles ouviu esta pergunta: ‘Por que acontece que tu nunca estás triste? E ele respondeu: ‘Porque desejo e espero morrer todo dia’. Um outro disse: ‘A pessoa que mantém a morte diante dos olhos por todo o tempo supera facilmente a tristeza e a estreiteza da alma’” (RANKE-HEINEMANN, Mönchtum... 30). Assim, o exercício de manter a morte diariamente diante dos olhos é expressão da ansiedade e do desejo de “estar com nosso Senhor no paraíso” (RANKE-HEINEMANN, Mönchtum... 41).
Para os monges, à ansiedade e desejo da morte associa-se também uma expressiva espera da parusia. A expectativa pela escatologia iminente dos primeiros cristãos se acende novamente entre os monges. Escreve Rufino “que os monges esperam por seu pai ou uma tropa por seu rei, ou ainda como um servo fiel por seu senhor e libertador. Num outro lugar diz: ‘Eles não queriam mais preocupar-se com a vestimenta e com a alimentação, mas, entre hinos, esperavam unicamente pela parusia de Cristo’” (Assim, o exercício de manter a morte diariamente diante dos olhos é expressão da ansiedade e do desejo de “estar com nosso Senhor no paraíso” (RANKE-HEINEMANN, Mönchtum... 41)., Mönchtum... 32). A leveza que podemos perceber em muitos padres do deserto está ligada certamente a esta espera da parusia. E é a partir dela que Evágrio pode comparar o monge a uma “águia altaneira” (EVÁGRIO. OitPens 51). Por esperar pelo Senhor, o monge torna-se livre das preocupações mundanas, do julgamento e das expectativas dos homens. A serenidade jovial, a liberdade, a confiança e a sinceridade para com o momento presente forjam o monge que anseia pelo Senhor. (pág. 110).

[...]

A psicossíntese, elaborada por Roberto Assagioli, desenvolveu o método da des-identificação1. Observo meus pensamentos e meus sentimentos; meu medo, por exemplo. Sinto o medo, mas nesta hora coloco-me por detrás dele como uma testemunha imóvel e como um si-mesmo intocável e inatingível. Esse núcleo interior, o si-mesmo espiritual – como o chama Assagioli -, não é atingido pelo medo e pelos sentimentos que se imprimam no meu domínio emocional. A des-identificação me liberta da obrigação de ter de realizar a tarefa com perfeição. A des-identificação é, segundo a psicologia transpessoal, a verdadeira terapia. [...]. (pág. 111).
O método da des-identificação evidencia-se também numa outra sentença dos patriarcas: “Um irmão aproximou-se do patriarca Macário o Egípcio e lhe disse: ‘Pai, dize-me uma palavra! Como posso alcançar a salvação?’ E o ancião lhe ensinou: ‘Olha para a sepultura e zomba dos mortos. Então, o irmão dirigiu-se até lá, zombou e atirou pedras. Em seguida, ele retornou e contou ao ancião o que havia feito. Este, porém, lhe perguntou: ‘E eles não te disseram nada?’ Respondeu então ele: ‘Não!’ Então o ancião lhe disse: ‘Volta lá amanha e louva-os!’ Retornando para junto do ancião, lhe contou: ‘Eu os louvei!’ Então o ancião lhe perguntou: ‘Eles não responderam nada?’ O irmão lhe respondeu: ‘Não!’ Aí o ancião lhe ensinou: ‘Sabes o quanto tu os insultastes e eles não te responderam nada; sabes também o quanto tu os louvaste e eles não te disseram nada. É assim que tu também deves ser se quiseres alcançar a salvação. Sê como um cadáver, não observes nem a injustiça dos homens nem seu elogio, mas sê como os mortos; então, haverás de ser salvo!’” (Apot 476). (págs. 111-112).
A primeira vista, este método parece ser algo macabro, como se nós devêssemos ser insensíveis como os mortos. Na realidade, porém, o objetivo é que superemos o plano da identificação com o elogio e a repreensão, isto é, que exercitemos a des-identificação. Nossa vida somente será bem-sucedida – diz-nos esta sentença dos patriarcas -, quando deixarmos de depender do elogio e da repreensão. E é desse modo que nunca estamos próximos de nós mesmos. [...]. (GRÜN. Alselm, pág. 112).
Tornar-se como os mortos não significa ser destituído de sentimentos. Mas significa o que acontece no batismo, isto é, que nós morremos para o mundo. O mundo, quer dizer, as pessoas com suas expectativas e pretensões, com suas normas e julgamentos não têm poder algum sobre nós. Vivemos num outro limiar. Vivemos numa realidade espiritual a qual o mundo não possui poder algum. E isso nos torna livres. Se constantemente dependermos do elogio, sempre continuaremos insatisfeitos. Pois somos insaciáveis em nossa ânsia por elogio. (GRÜN. Alselm, pág. 112-113).

[...].

Devemos estar mortos sobretudo para o nosso próximo. “Certa vez, o patriarca Poimen contou o seguinte: Um irmão perguntou ao patriarca Moisés de que modo uma pessoa poderia tornar-se morta para seu próximo. O ancião lhe respondeu: ‘Se o homem não se tornar em seu coração como alguém que jaz na sepultura há três dias, não chegará a esta atitude espiritual’” (Apot 506).
E ao patriarca Moisés atribui-se a seguinte sentença: “A pessoa deve estar morta para seu colega, de modo a não vir a condená-lo em algum assunto” (Apot 508). Estar morto para o próximo significa, antes de mais nada, renunciar a condená-lo. Eu não tenho direito de julgar os outros. O estar-morto para o próximo, no entanto, pode também significar que eu me torno independente dos problemas dos outros e que não me identifico com suas dificuldades. Isso naturalmente não deve tornar-se algo desumano como se não tivéssemos nenhum interesse pelo outro. Muitas das sentenças dos patriarcas – em que algum patriarca conversa de coração cheio com seu consulente e o consola e anima – mostram que, para os monges, não está em jogo rigidez ou insensibilidade, mas distância interior. [...]. (GRÜN. Alselm, pág. 113).
Num primeiro momento, estes conselhos nos parecem estranhos. Porém, no fundo, trata-se do cumprimento das palavras de Jesus: “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só; mas se morrer, produz muito fruto. Quem ama sua vida, acabará perdendo-a; mas quem odiar sua vida neste mundo, vai guardá-la para a vida eterna” (Jo 12,24s.). Precisamos desprender-nos de nós mesmos e de nossas ideias sobre a vida, pois assim há de abrir-se um novo espaço para novas possibilidades para nós. Precisamos desprender-nos do outro, pois assim será possível um verdadeiro relacionamento. Quando, numa amizade, uma pessoa se prende demais a outra, com o passar do tempo o relacionamento se tornará impossível. Uma amizade só poderá subsistir enquanto um se desprende do outro, enquanto um deixa o outro livre e vice-versa. Segundo nos diz também a psicologia, o desprender-se é a condição prévia e fundamental para uma vida plenamente realizada. (GRÜN. Alselm, pág. 115).
O capítulo 10: A contemplação como caminho de cura, nos diz, que “é em vão, obter a cura interior através da mera disciplina”. O lidar com os pensamentos e os exercícios concretos são um bom auxílio para as paixões se aquietarem e a alma se tornar saudável. Mas só a contemplação produz a verdadeira cura. Assim o experimentaram os monges, assim o descreveu Evágrio Pôntico.
A contemplação é a oração pura, é a oração continuada, a oração acima dos pensamentos e sentimentos, a oração de união com Deus. Evágrio não se cansa em descrever a oração como o presente mais belo com que Deus nos agraciou. A dignidade humana consiste em unir-se a Deus por meio da oração.

[...].

Pela oração, o homem deve libertar-se primeiramente de suas paixões e, sobretudo, da ira e das preocupações. Mas aí ele deve também deixar para trás de si os pensamentos piedosos. Não deve apenas pensar em Deus, mas unir-se a ele. Evágrio não se cansa de dizer ao escrever sobre isso: “Quando uma pessoa já se tiver libertado das paixões perturbadoras, isto ainda não significa que ela também já esteja em condição de rezar verdadeiramente. Pois é possível que ela apenas conheça os pensamentos mais puros, porém deixa-se seduzir a pensar sobre eles, e com isso está muito distante de Deus” (EVÁGRIO. SobreOra 55).
“O Espírito Santo tem compaixão de nossas fraquezas e frequentemente vem em nosso auxílio, mesmo que nós não sejamos dignos dele. Se ele nos procura, enquanto lhe oramos por amor à verdade, ele nos inunda e nos ajuda a nos desprendermos de todos os raciocínios e pensamentos que nos mantêm presos a nós mesmos, conduzindo-nos assim à oração espiritual” (EVÁGRIO. SobreOra 62).
“Vigia para que durante tua oração não te prendas a nenhuma apresentação, mas permaneças em profundo silêncio. Somente assim é que Deus, compadecido dos ignorantes, haverá de visitar um homem insignificante com tu e presentear-te com o maior de todos os dons que é a tua oração” (EVÁGRIO. SobreOra 69).
Segundo Evágrio, é por meio da contemplação que alcançamos o estado da mais profunda paz. Descobrimos em nós um espaço do puro calar. E é aí que Deus mesmo habita em nós. Evágrio chama a este espaço – que é o espaço de silêncio em nós – de “lugar de Deus” ou “visão de paz”. Numa carta a um amigo escreve ele: “Se o intelecto, por meio da graça de Deus, foge destas coisas (isto é, das paixões) e se desprende do seu homem velho, então sua própria situação durante o tempo da oração lhe parece uma safira ou da cor do céu. É o que a Escritura chama de lugar de Deus e que os antigos viram no monte Sinai. A Escritura também chama este lugar de visão de paz, onde a pessoa contempla em si mesma aquela paz que é mais sublime que toda compreensão e que guarda e protege nosso coração. Pois num coração puro é forjado um outro céu, cuja visão é luz e cujo lugar é espiritual, e em que, de maneira maravilhosa, pode ser avistado o conhecimento dos entes – isto é, das coisas. Pois também os santos anjos se reúnem perto daqueles que lhes são dignos” (EVÁGRIO. CartDes 39).
É por meio da oração que o homem vê sua própria luz. E é por esta luz que ele descobre a sua própria natureza, que é toda reluzente e tem parte na luz de Deus. Neste lugar de Deus, no lugar da paz no interior da alma, tudo é silêncio e aí só Deus habita. Aí tudo é curado. É também aí que, no amor de Deus, todas as feridas que a vida possa nos ter infligido são cicatrizadas. Aí desaparecem todos os pensamentos em relação às pessoas que nos feriram. Nossas paixões não têm aí nenhum acesso; aí também os homens não podem nos atingir-nos com suas expectativas, opiniões e preconceitos. Pois é aí que nos unimos a Deus, mergulhamos em sua luz, em sua paz, em seu amor. Esta é a meta do caminho espiritual. (GRÜN. Alselm, pág. 118).

[...].

“A oração verdadeira torna o monge semelhante aos anjos, uma vez que ele anseia insistentemente por ver seu Pai que está no céu” (EVÁGRIO. SobreOra 113). “Bem-aventurada é aquela alma que, rezando sem dispersão, deseja e anseia sempre mais profundamente a Deus” (EVÁGRIO. SobreOra 118). Desejas rezar verdadeiramente? Então mantém-te afastado das coisas deste mundo. Seja tua pátria o céu. Já não deves viver somente com palavras, mas através de ações angelicais e com conhecimento sempre mais profundo de Deus” (EVÁGRIO. SobreOra 142). Se queres rezar de maneira perfeita, deixa de lado tudo o que tem a ver com a carne, de modo que, enquanto estiveres rezando, tua visão não se turve” (EVÁGRIO. SobreOra 128). E ainda: “Se te entregares à oração, deves deixar para trás tudo quanto de causa alegria, pois somente então alcançarás a oração pura” (EVÁGRIO. SobreOra 153).

[...].

No último capítulo: A mansidão como sinal do homem espiritual, nos diz que, “a finalidade do caminho espiritual não está em ser penitente ou asceta, através do jejum perseverante, no homem consequente, mas naquele que se dispõe a viver a mansidão”. Evágrio sempre de novo exalta a mansidão como o sinal do homem espiritual. Ele nos convida a tornar-nos mansos como Moisés, do qual diz a Escritura: “Ele era o mais manso de todos os homens” (Nm 12,3).
“Peço-vos eu: ninguém ponha sua confiança somente na abstinência! Pois não é possível construir uma casa com uma única pedra, nem é possível completar uma construção com um só tijolo. Um asceta encolerizado é semelhante a um bosque ressequido e sem frutas em tempo de outono, sendo por isso duplamente atrofiado e desenraizado. Um homem encolerizado não verá o despontar da estrela matutina, mas irá até um lugar de onde não poderá mais voltar, uma terra tenebrosa e sombria onde não brilha nenhuma luz e onde não é possível avistar nenhuma vida humana. A abstinência reprime somente o corpo, mas a mansidão transforma o intelecto em vidente!” (EVÁGRIO. CartDes 27).
Evágrio fala continuamente que a ascese sozinha não é suficiente para o caminho espiritual. A mansidão é tão decisiva que só ela é capaz de transformar o coração do homem, tornando-o aberto para Deus. (GRÜN. Alselm, pág. 121). [...]. Na carta 56, Evágrio nos apresenta ainda uma outra comparação: “Aquele que se abstém de comida e bebida, mas em cujo interior se agita a cólera não corrigida, é semelhante a um navio que se encontra no meio do mar e é governado pelo demônio da cólera”.
Evágrio também vê concretizada em Davi e Jesus a mansidão que nós devemos seguir: “Dize-me: por que a Escritura, quando quis exaltar Moisés, deixou de lado todos os sinais milagrosos e pensou unicamente na mansidão? [...] Ela exalta unicamente isso: que Moisés era o mais manso de todos os homens. [...] Foi também por ela que suplicou Davi quando pensou na virtude da mansidão para se tornar digno dela ao falar: ‘Senhor, lembra-te de Davi e de toda a sua mansidão!’ Ele nem mesmo chegou a perceber que seus joelhos haviam se enfraquecido por causa do jejum e que sua carne (por falta de óleo) esmorecera, e que se mantivera vigilante e se tornara como um pardal que voa de um lado para outro no telhado, e falou: ‘Ó Senhor, lembra-te de Davi e de toda a sua mansidão!’ Procuremos também nós merecer a mansidão daquele que disse: ‘Aprendei de mim, pois sou manso e humilde de coração’, para que ele nos ensine seus caminhos e nos reanime no reino dos céus” (EVÁGRIO. CartDes 56).
A mansidão é, para Evágrio, a fonte do conhecimento de Cristo. Sem mansidão podemos ler quanto quisermos a Bíblia e exercitar-nos na mais rigorosa das asceses, mas nunca entenderemos o mistério de Cristo. Evágrio escreve o seguinte a um de seus discípulos: “Acima de tudo, porém, não esqueças a mansidão e a prudência, pois elas purificam a alma e nos indicam o conhecimento de Cristo”. (EVÁGRIO. CartDes 34).
O conhecimento de Cristo é uma outra expressão para a contemplação. Sem mansidão não existe nenhuma contemplação verdadeira. Evágrio escreve a Rufino nestes termos: “Com efeito, estou convencido de que tua mansidão tornou-se para ti um motivo de grande conhecimento. Pois nenhuma virtude sozinha produz a mansidão, razão pela qual também Moisés foi louvado para ter sido ele o mais manso de todos os homens. E também eu rezo, a fim de tornar-me e poder ser chamado discípulo da mansidão” (EVÁGRIO. CartDes 36).
A mansidão é, portanto, um sinal de que nós compreendemos a Cristo e de que o estamos seguindo. [...]. Um homem manso torna-se um homem que atrai e interessa a muitas outras pessoas. Ele já não precisa persuadir os hereges para a fé a partir de sua ortodoxia; ele não tem necessidade de evangelizá-los. Sua mansidão é um testemunho suficiente de Cristo. Quem encontra sua mansidão, encontra a Cristo e haverá de reconhecê-lo através dela. A mansidão e a misericórdia são os critérios de uma espiritualidade autêntica. [...]. Somente quando os homens se tiverem tornado mansos e passarem a tratar seus semelhantes com misericórdia, somente então passarão a anunciar uma espiritualidade que seja ao modo de ser de Cristo. Por mais piedosas que se mostrem todas as demais formas de espiritualidade, ainda provêm do espírito do próprio medo e da repressão das paixões. É neste ponto que poderemos aprender dos primeiros monges a desenvolver uma espiritualidade que corresponda ao espírito de Cristo. (GRÜN. Alselm, pág. 123).



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1 Segundo o dicionário de psicologia Dorch, a psicossíntese é “um conceito formado para completar ou contrapor-se à psicanálise, para designar todas as medidas da psicoterapia. O encontro de si mesmo e possibilidades abertas de desenvolvimento se consideram mais importantes do que a última explicação causal”. Para um maior aprofundamento da psicossíntese de Roberto Assagioli (1888-1974), sugiro o artigo recentemente publicado: “Roberto Assagioli, ideatore della psicosintesi”. Antonianum, Ano 72, abr.-jun. de 1997, fasc. 2, p. 303-316.

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje (Parte 3)

O tratamento das nossas paixões
:
São métodos de tratamento dispensado para os logismoi, (pensamentos e sentimentos instintivos), que prejudicam a todos os homens e mulheres, principalmente aos que aspiram viver uma vida espiritual íntegra para com Deus e os homens. [...] Para cada tipo de paixão, Evágrio aconselha um outro método. Os três instintos básicos – o comer, a sexualidade e a cobiça – são transformados por meio da ascese, do jejum e da esmola. A disciplina torna-se aqui um ótimo caminho para não se reprimir os instintos, mas formá-los para que possam estar à nossa disposição como forças em potencial. Superamos a tristeza quando nos afastamos da dependência do mundo, quando nos desprendemos daquilo a que estamos presos, quando nos libertamos interiormente. (GRÜN. Alselm, p. 83).
Sobre a ira, o que nos ajuda, antes de dormir, é refletir sobre ela e livrar-se dela, a fim de que ela não se fixe através do inconsciente no sonho, vindo a manifestar-se no dia seguinte como insatisfação difusa. Pois se nós, durante a noite, levarmos a ira conosco, perderemos o controle sobre nós mesmos e continuaremos sendo governados pela ira e pelo rancor a partir do inconsciente. É por isso que nos diz Evágrio: “Não deixes o sol se pôr sobre a cólera, senão os demônios virão durante teu descanso noturno, irão atormentar-te e, desse modo, haverão de tornar-te ainda mais covarde para a luta do dia seguinte. Pois as alucinações noturnas surgem comumente através da influência agitada da cólera. E não há nada que torne o homem mais apto a abandonar sua luta do que quando ele é incapaz de controlar suas emoções”. (EVÁGRIO. TratPrat 21).
Mas Evágrio nos adverte, sobretudo, contra os jogos de pensamentos com a cólera: “Não te entregues à cólera, querendo lutar em pensamentos com quem te aborreceu” (EVÁGRIO. TratPrat 23). Pois isto faz com que nossa alma se ofusque e nosso espírito fique opaco. Mas também devemos valer-nos de nossa cólera como uma força positiva, voltando-se contra os demônios, contra as tentações e contra os pensamentos que nos impedem de viver: “Devemos estar encolerizados quando encaramos os demônios e lutamos contra o divertimento” (EVÁGRIO. TratPrat 24).
Evágrio dá três conselhos em relação à acídia. O primeiro diz respeito à constância. Devemos decididamente permanecer em nossa cela e simplesmente suportar aquilo que acontece em nosso interior: “Aceita simplesmente o que a tentação te oferece. Antes de mais nada, encara esta tentação da acídia, pois ela é a maior de todas. Mas ela tem também como resultado uma maior purificação da alma. Fugir ou espantar-se diante de tais conflitos torna o espírito acanhado, covarde e medroso” (Evágrio. TratPrat 28).
O segundo conselho refere-se à oração: “Quando a acídia nos tenta é bom que, entre lágrimas, dividamos nossa alma em duas partes iguais: uma que anima e outra que é animada. Nós semeamos semente de uma esperança inabalável em nós quando cantamos com o rei Davi: Ó minha alma, por que estás aflita e tão inquieta dentro de mim? Espera em Deus, pois eu ainda haverei de agradecer-lhe, meu Deus e Salvador, a quem eu contemplo!” (Sl 42,6). (EVÁGRIO. TratPrat 27).
O método aqui recomendado por Evágrio é o método antirrético
1. Este método foi por ele desdobrado em seu livro intitulado Antirrheticon. Trata-se de um método que ajuda não só no caso da acídia, mas em toda e qualquer situação. Evágrio recolhe uma palavra da Bíblia contra cada pensamento que possa tornar-nos doentes e embaraçados diante da liberdade, do amor e da vida e a contrapõe a estas situações. Desse modo, uma pessoa que continuamente se repreende dos pecados de sua juventude e diz que com ela tudo está de cabeça para baixo, deve sempre de novo repetir a palavra de 2Cor 5,17 que diz: “Quem está em Cristo é uma nova criatura. O velho passou e um mundo novo se fez”. Esta palavra transforma pouco a pouco nossos sentimentos de tristeza e de autocompaixão. Ela nos põe em contato com a força positiva que está em nós, por meio do Espírito Santo que já está atuando em nós e que, como uma fonte, borbulha em nós, preparando-nos para que a partir disso possamos tomar novo ânimo. (GRÜN. Alselm, p. 86).
Contra a 
ambição Evágrio indica o remédio da recordação. Devemos recordar-nos de onde viemos, com quais paixões tivemos que lutar e como não foi mérito nosso que tenhamos vencido, mas, pelo contrário, foi Cristo quem nos amparou em nossas lutas. A recordação haverá de mostrar-nos que não temos garantia alguma de nossa vida ser bem-sucedida, mas que isso é antes fruto da graça divina. Evágrio diz que o demônio da soberba e da ambição sempre de novo haverá de aparecer em nós. E, principalmente, quando já tivermos feito consideráveis avanços dentro da ascese. O remédio mais eficaz é a contemplação. Quando nos tivermos unido a Deus através da contemplação, não terá mais valor o que as outras pensam a respeito de nós e não mais os definiremos a partir do reconhecimento e da aprovação, mas teremos encontrado nosso fundamento em Deus. (GRÜN. Alselm, págs. 86-87).

[...].

O diálogo com os pensamentos é conveniente, sobretudo no caso do 
medo. Também o medo tem seu significado e quer me dizer algo. Pois sem ele eu também não possuiria medida, querendo constantemente exigir demais de mim. Todavia, o medo geralmente me bloqueia. Mas se converso com ele, é possível que me revele para uma atitude falsa em relação à vida. Não raro o medo provém de um ideal de perfeição. Eu tenho medo de cometer uma gafe, de cometer uma falha. Eu não me atrevo a falar no grupo por medo, porque eu poderia vir a gaguejar ou porque os outros poderiam achar isso ruim. Também sinto medo de ler, uma vez que poderia vir a me atrapalhar. Nestes casos, o medo revela sempre expectativas exageradas. Em última análise, é a soberba que provoca o medo. Assim, a conversa com meu medo poderia conduzir-me à humildade, isto é, à humilitas. E eu poderia reconciliar-me com meus limites, com minhas fraquezas e falhas, dizendo, por exemplo: “Posso cometer gafes. Não tenho obrigação de poder tudo”. (GRÜN. Alselm, págs. 91-92).
Porém, existem também medos que não indicam falsas atitudes de vida, mas têm necessariamente uma ligação com o ser humano. É o caso do medo da solidão, do medo da perda e do medo em relação à morte. Em cada pessoa existe uma parcela considerável de medo diante da morte. Em algumas pessoas chega ao ponto de tornar-se ameaçador. Neste momento seria importante conversar com o medo nestes termos: “Sim, é certo que um dia morrerei”. O medo pode me ajudar a reconciliar-me com a morte e a me convencer de que sou realmente mortal. Quando examino o medo a fundo, quando o admito, é possível que em meio ao medo eu experimente também uma profunda paz. O medo se transforma em serenidade, liberdade e paz. (GRÜN. Alselm, p. 92).

[...].

Um outro método de abordar os nossos pensamentos e sentimentos, nossas paixões e necessidades, consiste em pensá-los até o fim, em imaginá-los até às últimas consequências e em permitir a representação das paixões. Desta maneira poderemos tirar-lhes a sua força. Força com que eles sempre de novo tendem a combater-nos. Talvez também acabemos por descobrir para onde as paixões realmente estão querendo nos conduzir. Não raro, por exemplo, as fantasias sexuais representam algo totalmente diverso: a ânsia de estar vivo, de abandonar-se, de entregar. Se eu continuamente lutar contra as fantasias sexuais e as reprimir, elas sempre retornarão. Todavia, se for capaz de pensar nelas até o fim e de senti-las, elas poderão transformar-se num impulso de vida, e até mesmo num impulso em direção a Deus. (GRÜN. Alselm, págs. 93-94).
Conta-se que pai Olímpio não fugiu da ideia de se casar e tudo pensou em seus mínimos detalhes. E mais: “Fez uma mulher de barro, olhou para ela e disse a si mesmo: ‘Vê, esta é tua esposa. De ora em diante precisarás trabalhar muito, a fim de sustenta-la’. E trabalhou muito. No dia seguinte, preparou novamente uma porção de barro e deu forma a uma filha, e disse para si mesmo: ‘Tua mulher deu à luz! Agora é necessário que trabalhes ainda mais para conseguires sustentar e vestir tua filha’. Fazia isto a ponto de extenuar-se e, então disse a si mesmo: ‘Não posso mais suportar o trabalho’. E disse ainda a si mesmo: ‘Se já não podes suportar o trabalho, então também não queiras uma esposa’. E, vendo Deus seu esforço, tirou-lhe a sua luta e ele alcançou tranquilidade” (Apot 572). [...]. Talvez nos pareça simplório o argumento de ele não desejar uma mulher apenas por causa do trabalho demasiado. O decisivo aqui, porém, é o seguinte: se, por um lado, Olímpio trata sem medo de sua necessidade de possuir uma mulher e não somente a representa na fantasia, mas chega mesmo a moldar uma mulher de barro e a encara realmente, por outro lado, no entanto, ele não fica parado na fantasia de querer dormir e viver com a mulher, mas também descreve para si as consequências. Apresenta o desejo em sua realidade, e, porque o desejo é pensado em sua realidade nua e crua, ele perde seu caráter ameaçador. É neste momento que pai Olímpio se torna capaz de encarar e tratar o desejo de modo sóbrio. (GRÜN. Alselm, págs. 94-95).

[...].

Pessoas insatisfeitas com sua profissão necessitam ocupar-se realmente, nem que seja uma única vez, com a profissão desejada e experimentá-la para então poderem retornar saudavelmente ao estado atual com novo vigor e contentamento. O mesmo vale também para um marido, que possa ter-se apaixonado por uma outra mulher. Geralmente ele só conseguirá desprender-se de seus sonhos românticos quando representar concretamente para si mesmo como seria viver com esta mulher, abandonar tudo o que fez até o presente e estar dia após dia ao lado dela. Quando coloca seus sonhos dentro da realidade e realmente os admite, também será capaz de desligar-se deles. (GRÜN. Alselm, p. 95).
Evágrio fundamenta o método antirrético tanto a partir da prática de Davi como também da atividade de Jesus. Segundo uma de suas cartas, o intelecto precisaria conhecer primeiramente as intrigas enganadoras dos demônios. Este é o pressuposto para o conhecimento de Cristo, para a contemplação. O caminho para lá chegar passa pela luta com os demônios: “Por isso ele – o intelecto – deve ser destemido diante de seu adversário, como mostra o bem-aventurado Davi, apresentando palavras tiradas da boca dos demônios e então contestando-as. Com efeito, se os demônios dizem: ‘Quando ele há de morrer e seu nome desaparecer?’, ele diz: ‘Eu não morrerei, mas haverei de viver e anunciarei as obras do Senhor’. E, novamente, se os demônios dizem: ‘Foge e permanece nas montanhas como o pardal’, ele diz: ‘Pois ele é meu Deus e meu Salvador, meu refúgio vigoroso e eu não vacilarei’. Portanto, observa as palavras que se contradizem umas às outras e ama a vitória, imita Davi e presta atenção em ti mesmo!” (EVÁGRIO. CartDes 11).
método de Davi consiste em dividir sua alma em duas partes: entre a triste e a que anima, entre a que é doente e a que é saudável. Estas duas esferas da alma devem dialogar uma com a outra. A parte doente se manifesta por meio de objeções negativas tais como: “Eu não posso fazer isso, ninguém gosta de mim, ninguém se preocupa comigo, comigo sai tudo errado”. Contra tais pensamentos deve-se procurar uma palavra na Escritura. Evágrio fez isso, para seus irmãos, em seu livro Antirrheticon: “Entretanto, visto que durante os momentos de luta nós não encontramos com suficiente rapidez as palavras que devem ser ditas contra nossos inimigos, que são os odiados demônios, e uma vez que tais palavras se encontram dispersas nas Escrituras e é difícil encontrá-las, nós, repletos de zelo, as recolhemos das Escrituras. Desse modo, armados com elas, perseguimos vigorosamente os filisteus, perseverando na luta como homens fortes e soldados de nosso vitorioso Rei Senhor Jesus Cristo” (EVÁGRIO. Anti, prólogo).
O modelo para esta luta é o próprio Cristo. Pois, quando tentado pelo diabo, pronunciou palavras da Escritura contra suas objeções mentirosas: “O próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, tendo abandonado tudo para nos salvar, concedeu-nos o poder de andar por sobre serpentes e escorpiões e sobre todo tipo de poder do maligno. E, juntamente como todo seu ensinamento, nos transmitiu o que ele mesmo fez quando foi tentado por Satanás, para que, no momento da luta, quando os demônios saem à luta contra nós lançando seus projéteis, possamos enfrenta-los com as Sagradas Escrituras, para que os pensamentos perversos não permaneçam em nós, não subjuguem a alma pelos pecados que realmente ocorrem, não a manchem nem a deixem afundar-se na morte dos pecados... Sempre que na alma não existe pensamento apropriado para se opor ao maligno sem descanso e rapidamente, o pecado acaba tendo a supremacia” (EVÁGRIO. Anti, prólogo).

[...]

____________

1 Fundamentado no estoicismo, este método consiste, segundo Evágrio Pôntico, em recolher uma palavra bíblica contra cada pensamento ou sentimento negativo que possa vir a tornar-nos doentios. Para realizar isso, contudo, pressupõe-se que se tome conhecimento dos próprios pensamentos, sentimentos e paixões, a fim de se poder encontrar a palavra curativa adequada. Uma das referências principais é a obra de Evágrio intitulada Antirrheticon, que reúne textos bíblicos para os oito vícios que o homem deve combater para afugentar os demônios.



No capítulo 8, intitulado: A formação da vida espiritual, o autor enfatiza a importância como eles os monges, estruturam concretamente seu dia e que exercícios praticam para ter uma penitência e comunhão com o Senhor Jesus Cristo. “Pai Poimen disse: Encontramos três exercícios corporais no patriarca Pambo: jejuar durante o dia todo até à noite, calar e muito trabalho manual” (Apot 724). Com estes exercícios Pambo chegou à sua maturidade espiritual. A perseverança consequente nestas três coisas fez com ele fosse transformado. De forma semelhante fica sabendo Antão, por meio de um anjo, como sua vida poderia ser bem-sucedida. Quando, tomado de mau humor, pergunta ao anjo pelo que deve fazer, avista alguém que se parece com ele: “Ele estava sentado e trabalhava. Levantou-se do trabalho e orou, sentou-se novamente e trançou uma corda e aí levantou-se outra vez para orar. Eis que era um anjo do Senhor, enviado a fim de dar instrução e certeza a Antão. Ele ouviu o anjo dizer-lhe: ‘Procede assim e alcançarás a salvação’. Ao ouvir isso, foi tomado de grande alegria e coragem. E através deste modo de proceder ele encontrou a salvação” (Apot 1). [...].
Ao patriarca João atribuiu-se um outro exercício: “Conta-se que, ao regressar para casa depois da colheita ou depois de visitar anciãos, o patriarca João dedicava-se à oração, à meditação e à salmodia, até que seu pensamento voltasse à ordem que tinha ao princípio” (Apot 350). João não permite que as emoções despertadas pelo diálogo com seus confrades tenham livre curso. Em primeiro lugar, ele reserva um tempo para a oração, para que as emoções possam vir a esclarecer-se. Quando carregamos não elaboradas emoções para casa e ainda por cima as sufocamos com atividade excessiva – de qualquer espécie –, elas se estabelecem no inconsciente, criando em nós, a partir desse momento, uma insatisfação difusa. [...]. E aquele que dá livre curso aos seus pensamentos e sentimentos, sem confrontar-se com eles, é por eles interiormente contagiado. E assim, sem que o perceba, é governado pelos impulsos inconscientes e perde sua liberdade. (GRÜN. Alselm, p. 102).
A respeito do patriarca João conta-se ainda algo semelhante: “Certa vez, tendo ido à igreja de Scete e ouvindo como alguns dos irmãos disputavam entre si, voltou para a sua cela. Antes de entrar nela, rodeou-a por três vezes. Alguns dos irmãos que o haviam observado, mas não podendo imaginar por que havia feito isso, vieram até ele e o interrogaram. E ele lhes disse: ‘Meus ouvidos estavam cheios das disputas; fiz estas voltas a fim de purificá-los para, desta maneira, pode entrar em minha cela com serenidade’” (Apot 340).
Ao Pai Antão se atribui a seguinte sentença: “O monge deve, enquanto possível, dizer com confiança ao patriarca quantos passos ele dá, ou quanta água bebe em sua cela, a fim de estar seguro de não estar pecando” (MILLER. SabPad 40). A configuração exterior da vida é muito importante para os monges. Nela eles reconhecem se alguém está sadio ou não, se alguém realmente procura a Deus ou se procura a si mesmo. A ordem exterior põe o monge interiormente em ordem. Ela purifica seu pensamento, seus sentimentos e cria espaço para tornar-se também limpo e transparente interiormente. (GRÜN. Alselm, p. 103).
A espiritualidade dos primeiros monges tem a força de formar e transformar a vida. Hoje em dia, corremos o risco de escrever unicamente sobre a espiritualidade. E, no entanto, ela não se manifesta na vida concreta e não tem força de marcar a vida. Certa noite, quando me encontrava numa casa paroquial, o padre durante o jantar não sabia fazer outra coisa a não ser assistir televisão. Pensei comigo: amanhã ele poderá pregar o que ele bem quiser. Se a vida não vai bem, a pregação também não irá bem e a espiritualidade acaba ficando sem valor. A espiritualidade dos monges produziu uma cultura de vida. Ela nos desafia ainda hoje a nos deixarmos penetrar espiritualmente por ela, a cultivar uma vida espiritual que se torna visível também exteriormente. (GRÜN. Alselm, págs. 103-104).
Para os monges, o caminho para uma cultura da vida espiritual era sempre um exercício concreto. Havia, em geral, três conselhos que um pai espiritual dava a um jovem monge quando este lhe perguntava a respeito da via do verdadeiro monaquismo. “Certa vez, um irmão, que vivia com outros irmãos, perguntou a pai Bessarião: ‘O que devo fazer?’ Respondeu-lhe o ancião: ‘Cala e não te meças com os outros’” (Apot 165). [...]. Antão recomenda ainda outro exercício: “Pai Pambo perguntou a Pai Antão: ‘O que devo fazer?’ Retrucou-lhe o ancião: ‘Não construas sobre a tua própria justiça, nem te lamentes de algum acontecimento passado, e exercita a moderação de tua língua e de teu ventre’” (Apot 6). 
[...]. 
Aqui, ao lado da abstinência da língua e do ventre, do calar e do jejum, temos a humildade, que também é descrita em muitas outras sentenças dos patriarcas como o caminho régio para Deus. A humildade é considerada pelos monges como “a virtude mais elevada, pois faz com que o ser humano possa erguer-se até de um abismo, mesmo que o pecador seja como um demônio” (N 558). O terceiro exercício consiste no interessante conselho de não arrepender-se de alguma coisa do passado. [...]. Somente quem se arrepende consegue alcançar o perdão. E isso está certamente correto. Às vezes, porém, pensamos demonstrar algum agrado a Deus, tornando-nos tão contritos a ponto de falar mal de nós mesmo e acusar-nos através do arrependimento. Neste particular, o patriarca Antão dá-nos um outro conselho: O que passou, passou! Isso vale para os acontecimentos passados, pois não devemos ficar meditando insistentemente sobre nosso passado. [...]. O que precisamos é prestar menos atenção em nós mesmos e em nossas falhas, e mais em Deus: “Pois Deus é maior do que nosso coração; e ele sabe tudo” (1Jo 3,20).

[...]

Assim pai Paulo de Gálata fala de si mesmo e do seu exercício diário: “Tenho sempre estas três coisas presente no espírito: calar, humildade de espírito e dizer para mim mesmo: Eu não tenho nenhuma preocupação” (EthColl 13,66). Aqui nos deparamos novamente com o calar, tão aconselhado pelos monges; deparamo-nos também com a humildade como atitude fundamental da pessoa religiosa. Um dos padres monásticos é até capaz de dizer: “Onde não há humildade, também não há Deus” (Arm II 279 A). A humildade é a condição prévia para poder experimentar a Deus. Sem a humildade, corremos não só o perigo de fazer cobranças a Deus como também de submetê-lo aos nossos pensamentos e vontades. (GRÜN. Alselm, págs. 105-106).
O terceiro exercício consiste na despreocupação. O padre monástico a exercita dizendo sempre de novo: “Eu não tenho preocupação”. Ele precisa dizer esta palavra com clareza para si mesmo, toda vez que em seu coração surgem pensamentos de preocupação. Pois não existe ser humano destituído de preocupação. Segundo o modo de pensar de Martin Heidegger, a preocupação constitui mesmo o existencial fundamental do ser humano. O ser humano é essencialmente alguém que se preocupa. Pois, enquanto sustento que “não tenho nenhuma preocupação”, é possível que o sentimento se transforme e cresça em mim a fé em Deus. Aqui, portanto, se indica um caminho para exercitar-se na fé em Deus. (GRÜN. Alselm, p. 106). [...]
Hoje em dia, muitos psicólogos recomendam que a pessoa se encoraje com palavras positivas e frase de confiança – algo como acontece no exercício de relaxamento. Tudo isto, porém, sempre o fizeram os monges de outrora. Para os primeiros monges, a vida espiritual também significava a arte de uma vida saudável. Não é por acaso que os monges alcançaram idades tão avançadas. Sua ascese não era uma ascese de negação da vida, mas, pelo contrário, uma ascese que fomentava e promovia a vida. A dietética, isto é, a arte uma vida saudável, tarefa mais importante da antiga medicina, também foi incorporada pelos monges em sua vida espiritual. Eles compreenderam que o caminho espiritual consiste na arte de uma vida saudável. E não há vida espiritual saudável sem que haja também um estilo de vida saudável. [...] e é a partir dela que puderam recomendar uma saudável alternância entre oração e trabalho, entre vigília e sono, entre refeição e jejum, entre solidão e convivência, como norma de vida saudável. Pois é através da ordem exterior que o homem entra em ordem também interiormente. (GRÜN. Alselm, págs. 106-107). [...].

Link para a continuação do post: O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje

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