quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: OS DONS DO ESPÍRITO SANTO

1. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

As virtudes infusas, apesar de serem estritamente sobrenaturais, como já explicamos, não bastam para nos fazer viver em toda sua perfeição e grandeza a vida divina, própria do cristianismo na graça. Precisamente por se tratar de uma vida verdadeiramente divina – portanto, infinitamente superior à vida puramente natural ou humana – qualquer elemento humano que se mescle a ela apaga de alguma forma seu brilho e esplendor. Sem dúvida alguma, as virtudes infusas podem atuar e atuam sobrenaturalmente, fazendo-nos viver a vida divina própria da graça, embora não em toda sua força e perfeição. Para isso, necessitam da ajuda e da colaboração dos dons do Espírito Santo pela razão que explicaremos imediatamente.
As virtudes infusas, de fato, movem-se e governam pelo próprio cristianismo na graça, seguindo o ditame da razão iluminada pela fé. Enquanto iluminada pela fé, a razão natural está mil vezes acima de si mesma, abandonada a suas próprias luzes naturais. Nesse sentido, as virtudes infusas se encontram muito acima das naturais ou adquiridas, que são governadas pelas luzes sobrenaturais da fé. Por isso as virtudes infusas são muito mais finas e exigentes do que as adquiridas – “fiam mais fino”, como diria Santa Teresa – porque a fé mostra à alma maravilhas que rebaixam, e muito, as luzes da razão natural. Assim, por exemplo, o amor natural ao próximo não vai tão longe ao ponto de darmos a própria vida por ele, como por vezes exige a caridade sobrenatural em imitação ao Senhor Jesus Cristo; a virtude natural da temperança evita tudo o que pode prejudicar a saúde do corpo ou a reputação perante os demais, mas nada sabe de mortificações ou imolações voluntárias pelo bem espiritual próprio ou alheio, em imitação ao divino Crucificado, etc., etc. As virtudes infusas são, evidentemente, muito mais finas e perfeitas do que suas correspondentes virtudes naturais ou adquiridas.
Contudo, nas virtudes infusas, em seu mecanismo e funcionamento, se mistura inevitavelmente um elemento humano: a própria razão natural, ainda que iluminada pela fé. É ela, como dissemos, quem rege e governa as virtudes infusas, embora sempre sob a influência e impulso da graça atual, sem a qual a razão humana, mesmo informada pela fé, não pode fazer absolutamente nada na ordem sobrenatural. A razão iluminada pela fé ao reger e governar por si mesma as virtudes infusas sob o impulso de uma graça atual, imprime, forçosa e inevitavelmente, uma modalidade humana, posto que essa modalidade é própria e característica da razão natural, mesmo iluminada pela fé: não há outra. Essa atmosfera e modalidade humana procedente da razão natural é um elemento estranho e enormemente desproporcionado em relação à natureza sobrenatural ou divina das virtudes infusas, sobretudo das teologais. Estas reclamam, por sua própria natureza, uma atmosfera ou modalidade divina para desvelar em tudo seu esplendor suas maravilhosas virtualidades divinas. Por isso, enquanto estiverem submetidas à modalidade humana que lhes imprime a razão natural, as virtudes infusas não respiram a plenos pulmões, por assim dizer, e é impossível que nessas condições alcancem seu perfeito desenvolvimento. Poderão crescer e se desenvolver até certo ponto, mas sempre de forma precária, incompleta e imperfeita. Impossível chegar ao ápice de seu desenvolvimento e perfeição enquanto uma atmosfera ou modalidade plenamente divina não venha a lhes dar o oxigênio puro que reclamam e exigem, por sua própria natureza de virtudes sobrenaturais ou divinas.
Esse é o papel dos dons do Espírito Santo e sua razão de ser. Também eles são hábitos naturais ou infusos – e neste sentido coincidem genericamente com as virtudes infusas que sempre acompanham –, mas seu mecanismo e funcionamento é completamente distinto. Não é a razão humana iluminada pela fé que os governa e regula, senão o próprio Espírito Santo, utilizando-o como seus instrumentos direitos e indiretos. Ele é quem os move diretamente e não a razão humana. O Espírito Santo, ao utilizar os dons diretamente, por si mesmo lhes imprime sua modalidade divina, que é própria e específica do mesmo Espírito Santo, como é evidente. Assim, o ato sobrenatural procedente dos dons do Espírito Santo, não somente é sobrenatural quanto à sua essência – também o é das virtudes infusas – senão quanto ao modo. Nesse sentido supera imensamente em qualidade e perfeição o ato das virtudes infusas submetidas ao governo da simples razão natural pela fé.
Poderíamos comparar as virtudes infusas a uma harpa sobrenatural com mais de cinquenta cordas, que Deus entrega à alma em estado de graça para que a toque e tire dela harmonias divinas (os atos sobrenaturais); mas como o artista que maneja a harpa – a própria razão humana – é muito torpe e míope, mesmo sob as luzes da fé, resulta numa melodia desafinada e imperfeita (se pratica a virtude “até certo ponto”, “contanto que não me exija me exija demais”, etc.). Até que chega um momento em que o próprio Espírito Santo toca por si mesmo a harpa das virtudes infusas através de seus próprios dons, e então sai da alma uma melodia bela, absolutamente divina, que não é outra coisa senão os atos de virtude perfeita e heroica dos verdadeiros santos. Então, é quando o cristão começa a viver em toda a plenitude sua filiação divina adotiva, como disse explicitamente o apóstolo São Paulo na sua carta aos Romanos: “Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8,14). Págs. 123-127.



0 Comentários:

Postar um comentário

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *