terça-feira, 18 de dezembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: OS DONS DO ESPÍRITO SANTO (ÚLTIMA PARTE)

2. NÚMEROS DOS DONS

É clássico o texto de Isaías (11,1-3):

Um broto vai surgir do tronco seco de Jessé, das velhas raízes, um ramo brotará.
Sobre ele há de pousar o espírito do SENHOR, espírito de sabedoria e compreensão, espírito de prudência e valentia, espírito de conhecimento e temor do SENHOR.
No temor do SENHOR estará sua inspiração.


Esse texto é claramente messiânico e fala propriamente só do Messias. Mas, não obstante, os Santos Padres e a própria Igreja estende-o também aos fiéis de Cristo, em virtude do princípio universal da economia da graça enunciado por São Paulo quando disse: “Pois aos que ele conheceu desde sempre, também os predestinou a se configurarem com a imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos” (Rm 8,29). De onde se infere que tudo quanto há de perfeição em Cristo, nossa Cabeça, se é comunicável, se encontra também em seus membros unidos a Ele pela graça. E é evidente que os dons do Espírito Santo pertencem às perfeições comunicáveis, tendo em conta, ademais, a necessidade que temos deles para nossa santificação.
Os dons do Espírito Santo são sete: Sabedoria, Entendimento, Ciência, Conselho, Piedade, Fortaleza e Temor de Deus. No texto massorético
1 de Isaías falta o dom de Piedade e repete duas vezes o de Temor; mas isto se deve à tradução, já que a mesma expressão hebraica pode ser aplicada a ambos os dons indistintos.

3. FUNÇÃO ESPECÍFICA DE CADA UM DOS DONS

Vejamos agora muito brevemente a função especifica de cada um dos sete dons. Santo Tomás as precisou admiravelmente.
2 Cada um dos dons têm por missão direta e específica a perfeição de alguma das sete virtudes fundamentais (as três teologais e as quatro cardeais), e através delas repercutem em todas as demais virtudes infusas derivadas daqueles e sobre o conjunto total da vida cristã.
Eis aqui, muito brevemente, a missão especial e característica fundamental de cada um dos dons em ordem descendente de excelência e perfeição.
3
a) O dom de sabedoria aperfeiçoa maravilhosamente a virtude da caridade, dando-lhe a respirar o ar ou modalidade divina que reclama e exige por sua própria condição de virtude teologal perfeita. Por sua divina influência, as almas amam a Deus com amor intenso, por certa conaturalidade com as coisas divinas, que as funde, por assim dizer, nas profundidades insondáveis do mistério trinitário. Vêm tudo através de Deus e julgam tudo por razões divinas, com senso de eternidade, como se houvessem ultrapassado as fronteiras do mais além. Perderam por completo o instinto do humano e se movem unicamente por certo instinto sobrenatural e divino. Nada nem ninguém pode perturbar a paz inefável de que gozam no íntimo de sua alma: as desgraças, enfermidades, perseguições e calúnias, etc., as deixam completamente “imóveis e tranquilas, como se estivessem na eternidade” (Ir. Elisabete da Trindade). Não lhes importa nem afeta nada de quanto ocorra neste mundo, a não ser que esteja relacionado com a glória de Deus, que é seu único anelo e preocupação. Já começaram sua vida na eternidade. Algo disto queria dizer São Paulo quando escreveu em sua carta aos Filipenses: Nós, porém, somos cidadãos dos céus... (Fl 3,20).
b) O dom do entendimento aperfeiçoa a virtude da fé, dando-lhe uma penetração profunda dos grandes mistérios sobrenaturais: a inabitação trinitária, o mistério da redenção, de nossa incorporação a Cristo, a santidade de Maria, o valor infinito da santa missa e outros mistérios semelhantes adquirem, sob a iluminação do dom de entendimento, uma força e eficácia santificadoras verdadeiramente extraordinárias. Estas almas vivem obcecadas pelas coisas de Deus, que sentem e vivem com a máxima intensidade que pode dar de si uma alma peregrina ainda sobre a terra.
c) O dom da ciência aperfeiçoa, em outro aspecto, a mesma vida de virtude da fé, ensinando-a a julgar retamente as coisas criadas, vendo em todas elas a marca ou vestígio de Deus, que manifesta sua beleza e sua bondade inefáveis. A alma de São Francisco de Assis, iluminada pelas claridades divinas desse dom, via inclusive nos seres irracionais ou inanimados: o irmão lobo, a irmã flor, a irmã morte... O mundo tem por insensatez e loucura o que é sublime sabedoria perante Deus. É a “ciência dos santos”, que será sempre estulta ante a incrível estultícia e insensatez do mundo (cf. 1Cor 3,19).
d) O dom do conselho presta magníficos serviços à virtude da prudência, não só nas grandes determinações que marcam a orientação de toda uma vida (vocação, eleição de estado), mas até nos mais pequenos detalhes de uma vida em aparência monótona e sem transcendência alguma. São palpites, golpes de vista intuitivos, cujo acerto e oportunidade se encarregam mais tarde de averiguar os acontecimentos. Para o governo de nossos próprios atos e o reto desempenho de cargos diretivos e de responsabilidade, o dom do conselho é de um preço e valor incalculáveis.
e) O dom da piedade aperfeiçoa a virtude da justiça, uma de cujas virtudes derivadas é precisamente a piedade. Tem por objetivo exercitar na vontade, por instinto do Espírito Santo, um afeto filial para com Deus considerado como Pai amantíssimo, e um profundo sentimento de fraternidade universal para com todos os homens enquanto nossos irmãos e filhos do mesmo Pai que está nos céus. As almas dominadas pelo dom da piedade experimentam uma ternura imensa ao sentirem-se filhos de Deus, e sua prece favorita é o Pai-nosso que estais nos céus (Santa Teresinha). Vivem inteiramente abandonadas a seu amor e sentem também uma ternura especial para com a Virgem Maria, sua doce mãe; ao Papa, “o doce Cristo na Terra” (Santa Catarina de Siena), e a todas as pessoas nas quais brilha uma luz da divina paternidade: o superior, o sacerdote...
f) O dom da fortaleza reforça incrivelmente a virtude de mesmo nome, fazendo-a chegar ao heroísmo mais perfeito em seus dois aspectos fundamentais: resistência e persistência frente a toda classe de ataques e perigos, e acometida viril do cumprimento do dever apesar de todas as dificuldades. O dom de fortaleza brilha em frente dos mártires, dos grandes heróis cristãos e na prática calada e heroica das virtudes da vida cristã ordinária, que constituem o “heroísmo de pequeno” e uma espécie de “martírio às alfinetadas”,
4 com frequência mais penoso que o grande heroísmo e o martírio entre os dentes das feras.
g) O dom do temor, por fim, aperfeiçoa duas virtudes: primariamente, a virtude teologal da esperança, arrancando a raiz do pecado da presunção, que se opõe diretamente a ela por excesso, e nos faz apoiar unicamente no auxílio onipotente de Deus Pai, que é o motivo formal da esperança. Secundariamente, aperfeiçoa também a virtude cardeal da temperança, já que não há nada tão eficaz para frear o apetite desordenado dos prazeres como o temor dos castigos divinos. Os santos tremiam ante a possibilidade do menor pecado, porque o dom do temor lhes fazia ver com clareza a grandeza e majestade de Deus, por um lado, e a vileza e degradação do pecado, por outro. A Santa Teresa de Jesus lhe “arrepiavam os cabelos” quanto pensava na grandeza e majestade de Deus, ofendidas por nossos pecados. 

4. OS FRUTOS E AS BEM-AVENTURANÇAS

Quando a alma corresponde fielmente à moção divina dos dons do Espírito Santo, produz atos de virtude sobrenatural tão sazonados e perfeitos, que se chamam frutos do Espírito Santo. Os mais sublimes e extraordinários correspondem às bem-aventuranças evangélicas, que marcam o ponto culminante e o coroamento definitivo, aqui na Terra, de toda a vida cristã e são já como o começo e prelúdio da bem-aventurança eterna. 
São Paulo enumera alguns dos principais frutos do Espírito Santo quando escreve aos Gálatas: Os “frutos” do Espírito são: caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei (Gl 5,22-23). Mas sem dúvida alguma, não teve a intenção de enumerar todos. São, repetimos, os atos procedentes dos dons do Espírito Santo que têm caráter de especial qualidade e perfeição.
Diga-se o mesmo das bem-aventuranças evangélicas. No sermão da Montanha, Cristo assinalou oito: pobreza de espírito, mansidão, lágrimas, fome e sede de justiça, misericórdia, pureza de coração, paz e perseguição por causa da justiça. Mas também podemos dizer que se trata de um número simbólico que não reconhece limites. São as obras heroicas dos santos, que os faz experimentar um gosto e uma antecipação da bem-aventurança eterna do Céu. Págs. 127-134


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1 O Texto Massorético foi preservado pelos massoretas em meados do século VI, um grupo de escribas Judeus de renome que tinham como objetivo preservar fielmente os textos que eles consideravam ser divinamente inspirados. Esse texto foi usado para compor a Bíblia Hebraica e posteriormente como fonte de tradução para outros idiomas, inclusive para o português, realizada pelos católicos e também pelos protestantes, inclusive para as traduções de João Ferreira de Almeida.
No século XV, ao ser inventada a imprensa, Daniel Bomberg, um cristão veneziano de Antuérpia, Bélgica, realizou uma impressão do Texto Massorético em 1524 e foi usado também por Martinho Lutero ao traduzir o Antigo Testamento para o Alemão.
O Texto Massorético também é a base universal para o que podemos chamar de uma “Bíblia” Judaica, se referindo claramente aos livros canônicos judaicos, chamados Tanakh, que contém os 24 livros sagrados dos judeus que compõem os mesmos 39 livros do Antigo Testamento, porém em ordem diferente. Biblioteca Teológica: http://bibliateca.com.br/site/a-biblia-manuscrita/o-texto-massoretico - NT.
2 Nós mesmos as expusemos amplamente em nossa Teologia de la Perfección Cristiana, n.117-139, para onde remetemos o leitor que queira maior informação.
3 Cf. Nossa obra somos hijos de Dios, p.38-41.
4 A expressão deriva da frase de Santa Teresa de Lisieux “Antes de morrer pela espada, morramos às alfinetadas...”, (cf. Obras completas – Teresa do menino Jesus e da Sagrada Face. São Paulo: Ed. Loyola, 1995, p. 399) – NT.

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