segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: O PORQUÊ DE TANTOS FRACASSOS (ÚLTIMA PARTE)

3. A FALTA DE DIREÇÃO ESPIRITUAL OU DEFICIÊNCIA DA MESMA

Outra das razões que explicam com maior clareza o rotundo fracasso de tantos aspirantes à perfeição ou santidade cristã, diz respeito à direção espiritual, seja porque careceram totalmente dela ou porque a receberam de maneira equivocada ou deficiente. Vamos expô-las com a maior precisão possível.


a) Em que consiste a direção espiritual
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A direção espiritual consiste ou tem por objeto assinalar às almas o verdadeiro caminho que devem percorrer progressivamente, desde o começo da vida espiritual até os cumes mais elevados da união íntima com Deus. Quem dever percorrer o caminho é a alma – indubitavelmente –, mas cabe ao diretor traçar-lhe a rota a ser seguida em cada momento da vida espiritual. Não se trata de empurrar a alma, mas de conduzi-la suavemente adiante, respeitando sempre a liberdade e particular idiossincrasia da alma dirigida.
O caminho deve ser firme, sem rodeios e desvios, porém sem saltos nem precipitações imprudentes. O diretor deve conduzir a alma gradual e progressivamente, sem exigir-lhe, a cada momento, mais do que a alma pode dar de si conforme as graças que Deus via derramando sobre ela (cf. Mt 23,4; Jo 16,12-13).
A direção deve começar imediatamente quando a alma, sob o impulso da graça divina, se decide a empreender o caminho da perfeição cristã. Em todas as etapas desse caminho há uma infinidade de obstáculos e dificuldades que não poderão ser superados sem a vigilância e ajuda de um experiente diretor espiritual, segundo a providência ordinária de Deus.
O ideal de santidade a ser aspirado pela alma não pode conhecer limites nem fronteiras. O diretor deve orientar todas as energias da alma em direção à plena e íntima união com Deus, ou seja, para o ápice da santidade. Um diretor “meio letrado e assustadiço” – como diria Santa Teresa
7 – que contente em manter as almas em uma vulgar mediocridade e não as estimule sem descanso a buscar uma perfeição cada vez maior, fará grande dano às almas e incorrerá em uma grave responsabilidade perante Deus.8 Se só as ensina a andar arrastando-se rente ao solo como sapos, jamais poderão retomar o voo para os mais altos cumes, como as águias reais. 

b) Importância e necessidade
Segundo o testemunho da Tradição, a direção espiritual é moralmente necessária para alcançar a perfeição cristã. São Vicente Ferrer não vacilou em escrever no seu famoso “Tratado da vida espiritual” as seguintes categóricas palavras: “Nunca o Senhor Jesus Cristo outorgará sua graça – sem a qual nada podemos fazer – a quem, tendo à disposição um varão capaz de instruir-lhe e dirigir-lhe, despreza essa ajuda, persuadido de que se bastará a si mesmo e de que encontrará por si só tudo o que é útil para sua salvação.9
A necessidade moral da direção espiritual pode ser comprovada pelo testemunho da Sagrada Escritura, pela prática universal da igreja e pela própria psicologia humana.
i) Pela Sagrada Escritura – não há nela nenhum texto claro e definitivo que aluda diretamente a esta questão, mas o insinua suficientemente em inúmeros textos. Vejam por exemplo os seguintes:
“Segue o conselho dos prudentes e não desprezes nenhum bom conselho” (Tb 4,18).
“Se um vem a cair, o outro o levanta. Mas ai do homem solitário: se ele cair não há ninguém para o levantar” (Ecl 4,10).
“Filho, nada faças sem reflexão, e não virás a arrepender-te depois” (Eclo 32,24).
“Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza, e quem me despreza, despreza aquele que me enviou” (Lc 10,16).
“Sendo assim, em nome de Cristo exercemos a função de embaixadores e por nosso intermédio é Deus mesmo que vos exorta” (2Cor 5,20).
Pode-se citar ainda os exemplos de Cornélio, enviado a São Pedro (At 10,5), e o de São Paulo a Ananías (At 9,6).
ii) Pela prática universal da Igreja – de fato, a prática da direção espiritual aparece na Igreja desde os tempos apostólicos. É certo que se citam exemplos de santidade alcançadas sem direção espiritual – o que comprova que a direção não é absolutamente necessária –; mas a regra geral mostra que, ao lado das almas mais perfeitas se encontra um sábio diretor, que se inicia e governa até leva-las à santidade. Algumas vezes se estabelece uma corrente de mútua influência sobrenatural entre ambos. Recordem-se dos exemplos de São Jerônimo e Santa Paula, do Beato Raimundo de Cápua e Santa Catarina de Sena, de São João da Cruz e Santa Teresa, de São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal, de São Vicente de Paula e Santa Luisa de Marrilac, etc.
iii) Pela própria psicologia humana – em geral, ninguém é bom juiz de si mesmo, ainda que pressuposta a máxima sinceridade e boa fé. Compreendemos muito melhor os estados da alma alheia – quando se expõem a nós com clareza – do que os de nossa própria alma. Uma mesma situação, clara e fácil quando se trata dos demais, resulta-nos obscura e complicada quando se trata de nós mesmos. Isso ocorre porque não podemos prescindir de uma série de fatores sensíveis, de imaginação, de egoísmo, de interesse, de gostos e afeições, ou de escrúpulos e preocupações excessivas, que vêm a enturvar a claridade da visão e a entorpecer o ditame da razão prática.
Não obstante, como já dissemos, a necessidade de um diretor espiritual não é absoluta ou indispensável para todos. Às vezes, as condições nas quais vive uma alma impedem-na de ter uma direção espiritual conveniente (por exemplo, aldeões que nem sequer dispõem de um pároco, ou monjas de clausura submetidas a um só confessor não de todo competente para uma direção espiritual séria, etc.). Nesses casos, Deus suprirá com suas inspirações internas a falta involuntária de um guia idôneo. Mas a direção se faz indispensável – segundo a providência ordinária de Deus – para todo aquele que possa facilmente obtê-la. Nada mais oposto ao espírito do cristianismo e à natureza mesma da Igreja – na qual o ensinamento e o governo se realizam por meio da autoridade – do que buscar a regra de vida em si mesmo. Tal foi o erro dos protestantes, que abriram a porta aos excessos do livre exame e do mais desenfreado iluminismo. Págs. 51-56.


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6 Estudamos longamente tudo relativo à direção espiritual na Teologia de la Perfección Cristiana, n. 671-705, para onde remetemos o leitor que queira maiores informações sobre este importantíssimo assunto. Aqui oferecemos somente o resumo do mais importante.
7 Cf. SANTA TERESA, VIDA5,3; 13,14-16, ETC.
8 Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ, LLAMA CAN.3 N. 56.
9 SÃO VICENTE FERRER, TRATADO DE LA VIDA ES´PIRITUAL, P.2.A C.1 (VALENCIA 1950) 43-44.

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