quinta-feira, 4 de julho de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: AS VIRTUDES DERIVADAS OU ANEXAS (ÚLTIMA PARTE)

A HUMILDADE 

1. NATUREZA 
A humildade é “uma virtude derivada da temperança, que nos inclina a coibir ou moderar o desordenado apetite da própria excelência, dando-nos o justo conhecimento de nossa pequenez e miséria principalmente com relação a Deus”. Expliquemos um pouco a definição: 

Uma virtude, porque nos inclina a algo bom e excelente.
Derivada da temperança, através da modéstia, da qual é uma subdivisão.
Que nos inclina a coibir ou moderar, como todas as virtudes derivadas da temperança.
O desordenado apetite da própria excelência. Esta é, precisamente, a definição da soberba, o vício radicalmente oposto à humildade.
Dando-nos o justo conhecimento de nossa pequenez e miséria. Note que se trata do justo conhecimento, ou seja, da autentica realidade das coisas. Por isso dizia Santa Tereza: “a humildade é andar na verdade; e é uma grande verdade que de nós nunca vêm boas coisas, a não ser a miséria e insignificância; e quem não compreende isso anda na mentira”.
5 
Principalmente com relação a Deus. Esta é a verdadeira raiz da humildade e seu verdadeiro enfoque. Se estabelecemos a comparação com os demais homens, não há homem tão mau que não se possa imaginar outro pior; mas, se compararmos nosso ser e boas qualidades com a excelsa grandeza de Deus, não há santo tão elevado – até mesmo a Virgem Maria, Mãe de Deus – que não tenha de se afundar em uma abismo de humildade, como fez a Virgem ante o anuncio do anjo: “Eis aqui a serva do Senhor” (Lc 1,38) e ante sua prima Santa Isabel: “porque ele olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1,48). Ante Deus ninguém é nem representa nada.
Por isso os verdadeiros humildes podem, sem faltar com a verdade, colocar-se aos pés de todos. Porque, como a humildade se refere propriamente e em todos os casos à reverência que o homem deve a Deus, qualquer homem pode submeter o mal que tem de si próprio – pecados, misérias, imperfeições – ao bem que Deus quis colocar num próximo qualquer – todas suas boas qualidades –; nesse sentido, pode-se considerar como mais indigno que ele. Em última instância, sempre podemos pensar que se o maior pecador do mundo tivesse recebido o cúmulo das graças e bênçãos recebidos por nós, haveria correspondido à graça mil vezes melhor do que nós. Logo, sempre e em todas as partes, qualquer homem tem motivos de sobra para se humilhar ante qualquer outro, sem deixar de “caminhar na verdade”, que é própria e característica da humildade.
A humildade, por conseguinte, se funda em duas coisas principais: na verdade e na justiça. A verdade nos dá o conhecimento cabal de nós mesmos: não possuímos nada de bom, a não ser aquilo que recebemos de Deus: “Pois quem é que te faz diferente? Que tens que não tenhas recebido? Mas, se recebestes tudo que tens, por que, então, te glorias, como se não tivesses recebido?” (1 Cor 4,7). E a justiça exige de nós dar a Deus toda honra e glória que pertencem exclusivamente a ele (1 Tm 1,7). A verdade nos autoriza ver e admirar os bens naturais e sobrenaturais que Deus quis depositar em nós; mas a justiça nos obriga a glorificar não a beleza de uma paisagem contemplada em uma pintura, e sim o Artista divino que a pintou. 

2. EXCELÊNCIA DA HUMILDADE 

A humildade não é a maior das virtudes. Acima dela estão as virtudes teologais, a prudência e a justiça (principalmente a legal). Mas, em certo sentido, a humildade é, com a fé, uma das duas virtudes fundamentais de todo o edifício sobrenatural. A fé é o fundamento positivo, algo como o esqueleto de ferro que sustenta todo o edifício que, sem ela, desmoronaria por completo. A humildade é o fundamento negativo, como o cimento do edifício, sem o qual também ruiria necessariamente. A fé estabelece o primeiro contato com Deus (fundamento positivo de todos os demais), e a humildade atua removendo os obstáculos (ut removens prohibens) para receber a influência da graça, sem a qual seria impossível, já que a Sagrada Escritura explicitamente nos diz: “Deus resiste aos soberbos, mas concede sua graça aos humildes” (Tg 4,6). Neste sentido, consequentemente, a fé e a humildade são as duas virtudes fundamentais que constituem todo o edifício sobrenatural: a fé como fundamento positivo e a humildade como fundamento negativo.6 

[...] 

4. A PRÁTICA DA HUMILDADE 

O reconhecimento teórico de nosso nada diante de Deus é algo simples e fácil. Em função de nossos inumeráveis pecados, não temos direito algum de presumir de nós mesmos em nosso interior, ou diante de nossos semelhantes. No entanto, o reconhecimento prático dessas verdades e as derivações lógicas que delas se desprendem em relação à nossa conduta ante Deus, ante nós mesmos e ante o próximo, é uma das coisas mais árduas e difíceis propostas pela vida cristã. E é justamente neste ponto que naufragam o maior número de almas. Com frequência se dá o fato curioso de uma alma recém decidida a ser “humilde de coração” ou “aceitar com agrado qualquer tipo de humilhação”, logo em seguida clamar aos céus quando alguém comete a imprudência de lhe ocasionar uma pequena moléstia ou uma involuntária e insignificante humilhação.
Três são, nos parece, os principais meios para se chegar à verdadeira e autêntica humildade de coração: 

Pedi-la incessantemente a Deus 

“Todo dom precioso e todo dádiva perfeita vêm descendo do Pai das luzes”, diz o apóstolo São Tiago (1,17). A humildade perfeita é um grande dom de Deus, que apenas ele pode conceder aos que pedem com profunda e incessante oração. É uma das petições que deveria brotar com maior frequência de nossos lábios e de nosso coração. 

Pôr os olhos em Jesus Cristo, modelo incomparável de humildade. 

Os exemplos sublimes de humildade deixados pelo divino Mestre são eficazes para nos impulsionar a praticar essa grande virtude, apesar de todas as resistências de nosso amor próprio desordenado. O próprio Cristo nos convidou a pôr os olhos n’Ele, quando nos disse com tanta suavidade e doçura: “sede discípulos meus, porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). Págs. 274 - 278; 279 - 280.

[...].


_____________ 

5 SANTA TERESA, MORADAS SEXTAS 10,7.
6 Cf. Santo Tomás, II-II, 161, 5C e ad 2.

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