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terça-feira, 19 de março de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: VIRTUDES CARDEAIS

VIRTUDES CARDEAIS

1. NOÇÃO

Como dissemos anteriormente, o nome de “cardeais” deriva do latim cardo, cardinis, a dobradiça ou gonzo da porta; porque, em efeito, sobre elas, como sobre as dobradiças, gira e descansa toda a vida moral humana e cristã.


2. NÚMERO

As virtudes são quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança. A prudência dirige o entendimento prático em suas determinações; a justiça aperfeiçoa a vontade de dar a cada um o que lhe corresponde; a fortaleza reforça o apetite irascível para tolerar o desagradável e enfrentar o que se deve fazer, apesar das dificuldades; e a temperança põe em ordem o reto uso das coisas aprazíveis e agradáveis.
O conjunto total das virtudes infusas teologais e morais poderia ser representado graficamente com uma imagem astronômica formada do seguinte modo:
a) Três grandes estrelas ou sóis com luz própria; fé, esperança e caridade.
b) Quatro grandes planetas com luz recebida do sol: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
c) Muitas virtudes satélites relacionadas com seus respectivos planetas, como derivadas ou anexas.
Estudadas as três virtudes estrelas ou sóis, vamos abordar agora o estudo dos quatro planetas, ou seja, das quatro virtudes cardeais, que, por sua vez, nos permitirão estudar seus correspondentes satélites ou virtudes derivadas, que se relacionam em algum com sua virtude cardeal correspondente.

I. A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA
1. NOÇÃO

A prudência é uma grande virtude que tem por objetivo ditar o que devemos fazer em cada caso particular. Como virtude natural ou adquirida foi definida por Aristóteles como: “A reta razão no agir”. Como virtude sobrenatural infusa pode ser definida como:
Uma virtude especial infundida por Deus no entendimento prático para o reto governo de nossas ações particulares ordenadas a um fim sobrenatural.
Expliquemos um pouco os termos da definição.
a) Uma virtude especial, distinta de todas as demais.
b) Infundida por Deus no entendimento prático. Como se sabe, a razão (ratio) ou entendimento, é uma das potências ou faculdades da alma (como a memória e a vontade). No entanto, o entendimento se subdivide em especulativo e prático. O especulativo se dedica à formulação teórica dos princípios nos quais se apoia a prudência, enquanto que o prático recai sobre os atos particulares ou concretos que deve realizar. A prudência, como virtude, recai precisamente sobre esses atos concretos que hão de se realizar: logo, reside no entendimento prático, não no especulativo.
c) Para o reto governo de nossas ações particulares. O ato próprio da virtude da prudência é ditar (em sentido perfeito, ou seja, intimado ou imperando) o que se deve fazer concretamente em um momento determinado hic et nunc, levando em conta todas as circunstâncias, depois de uma madura deliberação e conselho.
d) Ordenadas para um fim sobrenatural. É o objeto formal ou motivo próximo, que a distingue radicalmente da prudência natural ou adquirida, que só se dirige às coisas deste mundo.

2. IMPORTÂNCIA

É a mais importante de todas as virtudes morais depois da virtude da religião, como veremos em seu devido lugar. Sua influência se estende a todas as demais virtudes, assinalando-lhes o justo meio em que consistem todas elas, para que não se desviem por excesso ou por defeito em direção aos seus extremos desordenados. Também as próprias virtudes teologais necessitam do controle da prudência, não porque consistam no meio – como as morais –, mas por causa do sujeito e do modo de seu exercício, isto é, no seu devido tempo e tendo em conta todas as circunstâncias. Seria uma ilusão imprudente vagar o dia todo a exercitar as virtudes teologais, descuidando do cumprimento dos deveres de estado. Por isso se chama a prudência de auriga virtutum, porque dirige e governa as demais virtudes como um cocheiro que controla as rédeas de uma carruagem puxada por cavalos.
A importância e necessidade da prudência está manifesta em inúmeras passagens da Sagrada Escritura. O próprio Senhor Jesus Cristo nos adverte: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas”. (Mt 10,16). Sem a prudência, nenhuma virtude pode ser perfeita. Ademais, é útil para evitar o pecado, dando-nos a conhecer – por experiência – as causas e ocasiões do mesmo, mostrando-nos os remédios oportunos. Quantos pecados cometeríamos sem ela e quantos cometeremos se não seguirmos seus ditames!

[...].

II. VIRTUDE DA JUSTIÇA
1. NOÇÃO


Com frequência se emprega a palavra justiça na Sagrada Escritura como sinônimo de santidade: os justos são os santos. E assim disse Nosso Senhor Jesus Cristo no Sermão da Montanha: “Bem aventurados os que têm sede de justiça” (Mt 5,6), ou seja, de santidade. Mas em sentido estrito, como virtude especial, a justiça pode ser definida assim:
“A vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe corresponde estritamente”.
Expliquemos um pouco os termos da definição para conhecê-la melhor:
a) A vontade, entendendo por tal não a potência ou faculdade mesma (onde reside o hábito da justiça) mas seu ato, ou seja, a determinação da vontade de dar a cada um o que lhe corresponde.
b) Constante e perpétua, porque, como explica Santo Tomás, “isto o reclama a ideia de justiça, para a qual não basta queremos observá-la por algum tempo, num certo negócio; pois, é difícil encontrar quem queira agir sempre injustamente; mas, é preciso que tenhamos a vontade perpétua de observar sempre a justiça”
1. A palavra constante designa a perseverança firme no propósito; e a expressão perpétua, a intenção de guardá-la sempre.
c) De dar a cada um, ou seja, ao nosso próximo. A justiça requer sempre a alteridade, já que ninguém pode propriamente cometer injustiças contra si mesmo.
d) De dar o que corresponde, ou seja, o que se deve. Não se trata de uma esmola ou presente, mas do devido ao próximo, porque ele tem direito a isso.
e) Estritamente, ou seja, nem mais nem menos do que se deve. Se ficamos abaixo do devido estritamente (p. ex. pagando só dez reais a quem devemos doze) cometemos uma injustiça. Mas se ultrapassamos o devido (p. ex. dando vinte a que devemos apenas dez) não violamos o princípio da justiça (porque pagamos a mais) mas praticamos, em realidade, a liberalidade ou a esmola e não a justiça em sentido estrito.

[...].

3. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A justiça é uma das quatro grandes virtudes morais que ostentam o estatuto de cardeais, porque ao redor delas – como deve ser a dobradiça da porta – gira toda a vida moral.
Depois da prudência, a justiça é a mais excelente das virtudes cardeais, mesmo sendo inferior às virtudes teologais e algumas de suas derivadas, como a religião por exemplo, que tem um objetivo imediato mais nobre: o culto a Deus. Isto a aproxima das virtudes teologais ocupando o quarto lugar no conjunto total das virtudes infusas.
A justiça tem uma grande importância e é de absoluta necessidade, tanto na ordem individual como na social. Aperfeiçoa e ordena nossas relações com Deus e com o próximo; faz com que respeitemos mutuamente nossos direitos; proíbe a fraude e o engano; pratica a simplicidade, veracidade e gratidão mútua (virtudes satélites da justiça); regula as relações dos indivíduos particulares entre si, as de cada um com a sociedade e da sociedade com o indivíduo (justiça social). Ao ordenar todas as coisas, traz consigo a paz e o bem estar de todos, já que a paz não é outra coisa senão “a tranquilidade da ordem” segundo a magnífica definição de Santo Agostinho. Por isso, diz a Sagrada Escritura que a paz é obra da justiça: opus iustitiae, pax (Is 32,17); se bem que, como explica Santo Tomás, a paz é obra da justiça indiretamente, ou seja, enquanto remove os obstáculos opostos a ela (ut removens prohibens), mas a paz provém própria e diretamente da caridade, que é a virtude realizadora por excelência da união de todos os corações.
2
Em seu devido lugar, examinaremos brevemente o magnífico conjunto das partes potenciais ou virtudes derivadas, ou satélites da justiça, o que aumentará nossa estima por esta grande virtude cardeal.

[...].

III – A VIRTUDE DA FORTALEZA
1. NOÇÃO

A palavra fortaleza pode ser tomada em dois sentidos principais:
a) Enquanto significa, em geral, certa firmeza de ânimo ou energia de caráter. Nesse sentido não é virtude especial, mas uma condição geral que acompanha toda virtude, que, para ser verdadeiramente tal, deve ser praticada com firmeza e energia.
b) Para designar a terceira das virtudes cardeais. Nesse sentido pode ser definida como:
Uma virtude cardeal, infundida com a graça santificante, que enaltece o apetite irascível e a vontade para que não desistam de conseguir o bem árduo ou difícil, nem sequer diante do máximo perigo de vida corporal.
Expliquemos um pouco a definição:
i) Uma virtude cardeal... posto que vindica para si, de forma especial, uma das condições comuns a todas as demais virtudes, que é a firmeza em agir.
ii) infundida com a graça santificante... para distingui-la da fortaleza natural ou adquirida.
c) Que enaltece o apetite irascível e a vontade... A fortaleza reside, como em seu próprio sujeito, no apetite irascível, porque se exercita sobre o temor e a audácia que nele residem. Mas influencia também, por redundância, sobre a vontade para que possa escolher o bem árduo e difícil sem que lhe coloquem obstáculos às suas paixões.
iii) Para que não desistam de conseguir o bem árduo ou difícil... Como se sabe, o bem árduo é o objeto do apetite irascível. Ora, a fortaleza tem por objeto robustecer o apetite irascível, para que não desista de conseguir o bem difícil, por maiores que sejam as dificuldades e os perigos que se apresentem.
iv) Nem sequer frente o máximo perigo de vida corporal... Acima de todos os bens corporais, deve-se buscar sempre o bem da razão e da virtude, que é imensamente superior ao corporal; mas como entre os perigos e temores corporais o mais terrível de todos é a morte, a fortaleza robustece principalmente contra esses temores, como é evidente na vida dos mártires que não vacilaram em dar sua vida para conservar ou confessar a fé ou outra virtude sobrenatural. Por isso o martírio é o ato principal da virtude da fortaleza.

[...]

3. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A fortaleza é uma virtude muito importante e excelente, mesmo não sendo a máxima entre todas as virtudes cardeais. Porque o bem da razão – que é o objeto de toda virtude – pertence essencialmente à prudência; de maneira efetiva, à justiça; e só conservativamente (ou seja, removendo os impedimentos) à fortaleza e à temperança. E entre estas duas últimas prevalece a fortaleza, porque é mais difícil no caminho do bem superar os perigos da morte, do que os perigos procedentes das deleitações do tato, por sua vez regulados pela temperança. Conclui-se então que a ordem de perfeição entre as virtudes cardeais é a seguinte: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
Na vida espiritual e no caminho para a perfeição, a fortaleza, em seu duplo ato de atacar e resistir, é muito importante e necessária. Há no caminho da virtude grande número de obstáculos e dificuldades que é preciso superar com valentia e queremos chegar até os cumes da santidade. Para isso, é mister muita decisão em empreender o caminho da perfeição custe o que custar, muito valor para não se assustar ante a presença do inimigo; muita coragem para o atacar e vencer, e muita constância e paciência para levar o esforço até o fim, sem abandonar as armas em meio ao combate. Toda esta firmeza e energia deve ser proporcionada pela virtude da fortaleza, robustecida, por sua vez, pelo dom do Espírito Santo de mesmo nome: o dom da fortaleza, do qual falamos brevemente em outro ponto desta obra.

[...].

IV – A VIRTUDE DA TEMPERANÇA
1. NOÇÃO

A palavra temperança pode ser empregada em dois sentidos:
a) Para significar a moderação que impõe à razão em toda ação e paixão (sentido lato), em cujo caso não se trata de uma virtude especial e sim de uma condição geral, que deve acompanhar todas as virtudes morais.
b) Para designar uma virtude especial que constitui uma das quatro virtudes morais principais, chamadas cardeais (sentido estrito). Neste sentido pode ser definida:
Uma virtude sobrenatural que modera a inclinação aos prazeres sensíveis, especialmente do tato e do gosto, contendo-a dentro dos limites da razão iluminada pela fé.
Expliquemos um pouco a definição:
i) Uma virtude sobrenatural... (infusa), para distingui-la da temperança natural ou adquirida.
ii) Que modera a inclinação aos prazeres sensíveis... O próprio da temperança é refrear os movimentos do apetite concupiscível – onde reside –, diferente da fortaleza, que tem por missão excitar o apetite irascível na busca do bem honesto.
iii) Especialmente do tato e do gosto... Mesmo que a temperança deva moderar os prazeres sensíveis aos quais nos inclinam o apetite concupiscível, recai de maneira especial sobre os pecados próprios do tato e do gosto (luxúria e gula principalmente) que levam consigo a máxima deleitação – como necessários para a conservação da espécie ou do indivíduo – e são, por essa razão, mais aptos para arrastar o apetite caso não seja refreado por uma virtude especial que é a temperança estritamente dita. Principalmente recai sobre os deleites do tato, e secundariamente sobre os demais sentidos.
iv) Contendo-a dentro dos limites da razão iluminada pela fé. A temperança natural ou adquirida é regida unicamente pelas luzes da razão natural, e contém o apetite concupiscível dentro de seus limites racionais e humanos; a temperança sobrenatural ou infusa vai muito mais longe, posto que às luzes da simples razão natural são acrescentadas as luzes da fé, que têm exigências mais finas e delicadas.

2. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

A temperança é uma virtude cardeal que possui várias outras derivadas ou satélites, e neste sentido é uma virtude excelente; mas, por ter como objeto a moderação dos atos do próprio indivíduo, sem nenhuma relação com os demais, ocupa o último lugar entre as virtudes cardeais.
Sem embargo, por ser a última das virtudes cardeais, a temperança é uma das virtudes mais importantes e necessárias na vida do cristão. A razão disso é a de que a temperança deve moderar, sustentando-os dentro da razão e da fé, dois dos instintos mais fortes e veementes da natureza humana, que facilmente se extraviariam sem uma virtude moderativa dos mesmos. A Divina Providência quis unir um deleite ou prazer àquelas operações naturais necessárias para conservação do indivíduo e da espécie; daí a veemente inclinação do homem aos prazeres do gosto e da geração, que possuem aquela finalidade alta, querida e pretendida pelo próprio Autor da natureza. Mas por brotar com veemência da própria natureza humana, tendem com grande facilidade a desgarrar-se fora dos limites do justo e do razoável – o que seja necessário para a conservação do indivíduo e da espécie, na forma e circunstâncias assinaladas por Deus e nada além disso –, arrastando consigo o homem para a zona do ilícito e do pecaminoso. Esta é a razão da necessidade de uma virtude infusa moderativa dos apetites naturais e da singular importância dessa virtude na vida cristã ou simplesmente humana.
Tal é o papel da temperança infusa. É ela que nos faz usar do prazer para um honesto e sobrenatural, na forma assinalada por Deus a cada um segundo seu estado e condição. E como o prazer é em si mesmo sedutor e nos arrasta facilmente para mais além dos limites justos, a temperança infusa inclina à mortificação inclusive de muitas coisas lícitas, para nos manter afastados do pecado e ter perfeitamente controlada e submetida a vida passional. Págs. 227-230; 234-238; 239-240,242; 243-246.

[...].


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1 SANTO TOMÁS, SUMA TEOLÓGICA II-II, 58,1 AD3. CF. AD 4.
2 SANTO TOMÁS, II-II, 29,3 AD 3.




quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: A EUCARISTIA (ÚLTIMA PARTE)

II. A EUCARISTIA COMO SACRIFÍCIO


[...].

1. NOÇÕES PRÉVIAS

Recordemos em primeiro lugar algumas noções dogmáticas em torno da santa Missa como sacrifício eucarístico.
1ª. A santa Missa é substancialmente o mesmo sacrifício da cruz, com todo seu valor infinito: a mesma Vítima, a mesma oblação e o mesmo Sacerdote principal. Entre a Missa e o sacrifício do Calvário não há mais do que uma diferença acidental: o modo de se realizar (cruento na cruz, incruento no altar). Assim o declarou a Igreja dogmaticamente no concílio de Trento.
1
2ª. A santa Missa, como verdadeiro sacrifício que é, realiza propriamente as quatro finalidades do mesmo: adoração, reparação, petição e ação de graças (D 948 e 950/ DH 1752 e 1753).
3ª. O valor da Missa é, em si mesmo, rigorosamente infinito, como também é o do Calvário que nela se faz presente. Mas seus efeitos, enquanto dependem de nós, se aplicam apenas na medida de nossas disposições interiores.
4ª. Cristo faz na santa Missa o triplo ofício de Sacerdote, Vítima e Altar.

2. FINS E EFEITOS DA SANTA MISSA

A santa Missa, como reprodução do sacrifício redentor, tem os mesmos fins e produz os mesmos efeitos que o sacrifício da cruz. São os mesmos fins e efeitos do sacrifício em geral, como ato mais importante da virtude da religião, porém em grau incomparavelmente superior. São os seguintes:
i) Adoração. O sacrifício da Missa rende a Deus uma adoração absolutamente digna d’Ele, rigorosamente infinita. Esse efeito se produz sempre, infalivelmente, ex opere operato, mesmo que a Missa seja celebrada por um sacerdote indigno e em pecado mortal. A razão é porque o valor latrêutico
2 ou de adoração depende da dignidade infinita do Sacerdote principal que o oferece e do valor da Vítima oferecida.
Recordem da ânsia atormentadora de glorificar a Deus experimentada pelos santos. Com uma só Missa poderiam aplacar para sempre sua sede. Com ela damos a Deus toda a glória e toda a honra que se deve a Ele em reconhecimento de sua soberana grandeza e supremo domínio; e isso do modo mais perfeito possível, em grau rigorosamente infinito. Por causa do Sacerdote principal e da Vítima oferecida, uma só Missa glorifica mais a Deus do que o glorificam no Céu, por toda a eternidade, todos os anjos, santos e bem-aventurados juntos incluindo a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus.
A razão é muito simples e evidente: a glória que proporcionarão a Deus durante toda a eternidade por todas as criaturas juntas será enorme, mas não infinita, porque não o pode ser: as criaturas não podem produzir nada de infinito. Obviamente, disso não se pode inferir que a Missa, para glorificar a Deus, valha mais do que o Céu, porque no Céu está também o próprio Cristo que agrega o seu valor infinito ao valor finito das criaturas.
A missa glorifica infinitamente a Deus, tanto como o Céu eterno! Em retorno a essa incomparável glorificação, Deus se inclina amorosamente às suas criaturas. Daí procede o imenso valor de santificação que encerra para nós o santo sacrifício da Missa.
· Consequência. Que tesouro é o da santa Missa! E pensar que muitos cristãos – a maior parte pessoas devotas – não se dão conta disso e preferem suas práticas rotineiras de devoção à sua incorporação a este sublime sacrifício, que constitui o ato principal da religião e culto da verdadeira Igreja de Jesus Cristo!
ii) Reparação. Depois da adoração, não há outro dever mais prioritário para com o Criador do que reparar as ofensas recebidas de nós. E também nesse sentido, o valor da santa Missa é absolutamente incomparável, já que com ela oferecemos ao Pai a reparação infinita de Cristo com toda sua eficácia redentora.
Durante o dia, está a Terra inundada pelo pecado; a impiedade e a imoralidade não perdoam coisa alguma. Por que não nos castiga Deus? Porque cada dia, cada hora, o Filho de Deus, imolado no altar, aplaca a ira de Seu Pai e desarma seu braço pronto para castigar.
Inúmeras são as fagulhas produzidas pelas chaminés dos navios; contudo, não causam incêndios, porque caem no mar e são apagadas pela água. Incontáveis são os crimes que diariamente sobem da Terra e clamam vingança ante o trono de Deus; não obstante isso, graças à virtude reconciliadora da Missa, se afogam no mar da misericórdia divina.
3
· Claro que esse efeito não se aplica a nós em toda sua plenitude infinita (bastaria uma só Missa para reparar, com grande superabundância, todos os pecados do mundo e liberar de suas penas a todas as almas do Purgatório), mas em grau limitado e finito segundo nossas disposições.

No entanto:
a) Alcança-nos – por si mesma, ex opere operato se não lhe colocamos obstáculos – a graça atual necessária para nos arrependermos de nossos pecados. Assim ensina expressamente o Concílio de Trento: “Aplacado por esta oblação, o Senhor, concedendo a graça e o dom da penitência, perdoa os crimes e os pecados, por grande que sejam” (D 940/D.H. 1743).
· Consequência. Nada pode fazer-se mais eficaz para obter de Deus a conversão de um pecador do que oferecer por essa intenção o santo sacrifício da Missa, rogando ao mesmo tempo ao Senhor que retire do coração do pecador os obstáculos para a obtenção infalível dessa graça.
b) Perdoa sempre, infalivelmente, se não houver obstáculo, ao menos parte da pena temporal a ser paga pelos pecados neste mundo ou no Purgatório. Daí que a santa Missa é o melhor sufrágio que se pode oferecer pelas almas do Purgatório (D 940 e 950/ DH 1743 e 1753). O grau e medida dessa remissão depende de nossas disposições, ao menos em relação aos nossos pecados próprios, porque no que se refere aos pecados alheios depende unicamente da vontade de Deus, ainda que também ajude muito a devoção de que diz a Missa ou a de quem a encomendou.
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· Consequência. Nenhum sufrágio as almas do Purgatório aproveitam tão eficazmente como a aplicação do santo sacrifício da Missa. Nenhuma outra penitência sacramental os confessores podem impor a seus penitentes cujo valor satisfatório possa ser comparado ao de uma só Missa oferecida a Deus. Que doce Purgatório pode ser para a alma a santa Missa!
iii) Petição. Nossas necessidades são imensas em todas as ordens da vida, mas todas elas podem encontrar sua solução ao incorporar nossa indigente petição à oração onipotente de Jesus Cristo “sempre vivo para interceder por nós” (Hb 7,25). Cristo se oferece na santa Missa ao Pai para obtermos, pelo mérito infinito de sua oblação, todas as graças da vida divina que necessitamos. Ao incorporá-la à santa Missa, nossa oração não somente entra no caudaloso rio de nossas orações litúrgicas – que já lhe daria uma dignidade e eficácia especial ex opere operantes Ecclesiae –, mas também se confunde com a oração infinita de Cristo. O Pai O escuta sempre: “Eu sei que sempre me escutas” (Jo 11,42), e em atenção a Ele está disposto a nos conceder tudo quanto peçamos ou necessitemos.
E tenha-se em conta que o sacrifício da Missa, por ser de eficácia infinita, não se esgota nem diminui, por muitos que sejam os que participem dele a cada vez. O sol ilumina igualmente a uma ou a mil pessoas que se encontram em uma praça. Cada um daqueles que participam de uma Missa recebe por inteiro toda a sua eficácia, tendo por limitação apenas o grau de suas disposições pessoais, sem que a presença dos outros mil participantes lhe roube ou prejudique o mais minimamente: cada um dos participantes se aproveita da Missa inteira, como se só para ele a tivesse celebrado o Sacerdote. Por onde se vê o quão equivocados estão aqueles que exigem do sacerdote que aplique a Missa exclusivamente para eles ou seus próprios defuntos com exclusão de todos os demais.
· Consequência. Não há novena nem tríduo que se possa comparar à eficácia impetratória de uma só Missa. Quanta ignorância e desorientação entre os fiéis em torno do valor objetivo das coisas! Aquilo que não obtemos com a Missa, jamais obteremos por qualquer outro procedimento. É muito louvável o emprego de outros procedimentos abençoados e aprovados pela Igreja; é inquestionável que Deus conceda muitas graças através deles, mas coloquemos cada coisa em seu devido lugar. A Missa acima de tudo.
iv) Ação de Graças. Os imensos benefícios de ordem natural e sobrenatural recebidos por nós de Deus nos fizeram contrair perante Ele uma dívida infinita de gratidão. A eternidade inteira resultaria impotente para saldar essa dívida se não contássemos com outros meios além dos quais por nossa conta pudéssemos lhe oferecer. Mas está à nossa disposição um procedimento para liquidá-la totalmente com infinito saldo a nosso favor: o santo sacrifício da Missa. Por ela oferecemos ao Pai um sacrifício eucarístico, ou de ação de graças, que supera nossa dívida rebaixando-a infinitamente, porque é o próprio Cristo quem se imola por nós e em nosso lugar dá graças a Deus por seus imensos benefícios. E, ao mesmo tempo, é fonte de novas graças, porque o benfeitor gosta de ser correspondido.
Esse efeito eucarístico ou “de ação de graças” – pois esse é o significado da palavra eucarística – é produzido pela santa Missa por si mesma: sempre, infalivelmente, ex opere operato, independentemente de nossas disposições.
Tais são, em linhas gerais, as riquezas infinitas encerradas na santa Missa. Por isso os santos, iluminados por Deus, a tinham em grande apreço. Era o centro de sua vida, a fonte de sua espiritualidade, o sol resplandecente ao redor do qual giravam todas as suas atividades. O santo Cura d’Ars, São João Maria Vienney, falava com tal fervor e convicção da excelência da santa Missa, que chegou a conseguir que todos seus paroquianos a ouvissem diariamente participando ativamente dela.
Mas para obter de sua celebração ou participação o máximo rendimento santificador, é preciso insistir nas disposições necessárias por parte do sacerdote que a celebra e do simples fiel que a segue em companhia de toda a assembleia.

3. DISPOSIÇÕES PARA O SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA

Alguém disse que para celebrar ou participar dignamente em uma só Missa fariam falta três eternidades: uma para se preparar, outra para celebrá-la ou participar dela, e outra para dar graças. Sem chegar a tanto, é certo dizer que toda preparação será pouca por mais diligente e fervorosa que seja.
As principais disposições são de duas classes: externas e internas.
a) Externas. Para o sacerdote consistirão em perfeito cumprimento das rubricas e cerimônias que a Igreja lhe assinala.
5 Para o simples fiel, no respeito, modéstia e atenção com que deve participar ativamente da cerimônia.
b) Internas. A melhor é identificar-se com Jesus Cristo imolado no altar. Oferecer ao Pai a Jesus e oferecer-se a si mesmo n’Ele, com Ele e por Ele. Esta é a hora de pedir-lhe que nos converta em pão, para ser comido por nossos irmãos com nossa entrega total pela caridade. União íntima com Maria ao pé da Cruz; com São João, o discípulo amado; com o sacerdote celebrante, novo Cristo na terra (“Cristo outra vez”, como gostava de dizer uma alma iluminada por Deus). União a todas as Missas que se celebrem no mundo inteiro. Não peçamos nunca nada a Deus sem acrescentar, como preço infinito da graça que anelamos: “Senhor, pelo sangue adorável de Jesus, que neste momento está elevando em seu cálice um sacerdote católico, em algum canto do mundo”.
A santa Missa celebrada ou participada com essas disposições é um instrumento de santificação de primeira categoria, sem dúvida alguma o mais importante de todos. Págs. 170-178.


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1 “Com efeito, uma só e mesma é a Vítima, pois quem agora se oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que então se ofereceu na cruz; só o modo de oferecer é diferente”. (cruento ou incruento) (D 940/DH 1743).
2 De adoração, de louvor. Adoração do Santíssimo Sacramento, dos Católicos.
3 ARAMI, VIVE TU VIDA C.21.
4 Cf. SANTO TOMÁS, SUMA TEOLÓGICA, III,79,5; SUPPL.71,9.
5 Na sacristia de uma igreja se lê esta excelente recomendação ao sacerdote que se está revestindo com os ornamentos sacerdotais: “Procura celebrar esta missa como se fora a primeira, a última e a única de vida”.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: A EUCARISTIA

A EUCARISTIA É O MAIS EXCELENTE e sublime de todos os sacramentos, o fim para o qual se ordenam todos eles, o centro da vida cristã, o meio mais eficaz e poderoso para remontarmos à mais alta santidade nos cumes mais elevados da união transformadora com Deus.
Como se sabe, a eucaristia oferece dois aspectos que se complementam mutuamente. Pode-se considerá-la como sacramento (a segunda comunhão) e como sacrifício (a santa Missa). Vamos examinar separadamente esses dois aspectos igualmente santificadores.


I. A EUCARISTIA COMO SACRAMENTO

Examinaremos sua eficácia santificadora, as disposições para comungar, a ação de graças, a comunhão espiritual e a visita ao Santíssimo.

1. EFICÁCIA SANTIFICADORA DA EUCARISTIA

Entre todos os exercícios e práticas de piedade, não há nenhum cuja eficácia santificadora possa se comparar à digna recepção do sacramento da eucaristia. Nela recebemos não somente a graça, mas também o Manancial e a Fonte mesma de onde brota. Ela deve ser, em seu duplo aspecto de sacramento e de sacrifício, o centro de convergência de toda a vida cristã. Toda ela deve girar em torno da eucaristia.
Omitimos aqui – por não permitir outra coisa o escopo desta obra – uma multidão de questões dogmáticas e morais relativas à eucaristia. Recordemos, não obstante, em forma de breves pontos, algumas ideias fundamentais que convêm ter sempre muito presentes.
1ª. A Santidade consiste em participar de maneira cada vez mais plena e perfeita da vida divina que nos é comunicada pela graça.
2ª. Essa graça brota – como de sua Fonte única para o homem – do Coração de Cristo, no qual reside a plenitude da divindade e da graça.
3ª. Cristo se dá a nós na eucaristia como alimento para nossas almas. Mas, diferente do alimento material, não somos nós quem assimilamos a Cristo, mas é Cristo quem nos diviniza e nos transforma em si mesmo. Na eucaristia o cristão alcança sua máxima cristificação, que consiste na santidade segundo a sublime fórmula de São Paulo.
4ª. A comunhão, ao dar a nós Cristo inteiramente, coloca à nossa disposição todos os tesouros de santidade, de sabedoria e de ciência encerrados n’Ele. Com ela, pois, a alma recebe um tesouro rigorosa e absolutamente infinito, que se lhe entrega em propriedade.
5ª. Juntamente com o Verbo Encarnado – com seu corpo, alma e divindade – nos são dadas na eucaristia as outras duas pessoas da Santíssima Trindade, Pai e o Espírito Santo, em virtude do infalível mistério da circuminsessão, que as faz inseparáveis, posto que as três possuem uma só e mesma essência e natureza. Nunca tão perfeitamente como depois de comungar, o cristão se converte em templo e sacrário da divindade. Em virtude desse divino e inefável contato com a Santíssima Trindade, a alma – e, por redundância, o próprio corpo do cristão – se faz mais sagrada que o ostensório, o cibório e mais ainda do que as próprias espécies sacramentais, que contêm a Cristo – certamente –, mas sem lhe tocar e nem receber d’Ele nenhuma influência santificadora.
6ª. A união eucarística nos associa de uma maneira misteriosa, porém real, à vida íntima da Santíssima Trindade. Na alma de quem acaba de comungar, o Pai engendra seu Filho unigênito, e de ambos procede essa corrente de amor, verdadeira torrente de chamas, que é o Espírito Santo. O cristão, depois de comungar, deveria cair em êxtase de adoração e de amor, limitando-se unicamente a desejar ser levado pelo Pai ao Filho e pelo Filho ao Pai na mesma unidade do Espírito Santo. Nada de devocionários, nem cânticos, nem fórmulas rotineiras de ação de graças; um simples movimento de amor abrasador e de íntima e entranhável adoração, que poderia se traduzir na simples fórmula do Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto...
7ª. Dessa forma, a união eucarística já é o Céu começado, o “cara a cara em meio às trevas”
(Santa Elisabete da Trindade). No Céu não faremos outra coisa, ou essa, pelo menos, será fundamental.
Essas ideias são fundamentais, e elas por si só, bem assimiladas, bastariam para nos dar o tom e a norma de toda a nossa vida cristã, a qual deve ser essencialmente eucarística. Para um maior aproveitamento, precisemos um pouco mais sobre a preparação e ação de graças, cuja importância é capital para obter da eucaristia o máximo rendimento santificador.

2. DISPOSIÇÕES PARA COMUNGAR

Contra os exageros e rigores jansenistas, que exigiam disposições quase inexequíveis para se atrever a comungar, o grande pontífice São Pio X, no decreto Sacra Tridentina Symodus de 20 de dezembro de 1905, dirimiu para sempre a controvérsia ao determinar que para receber a comunhão frequente e até mesmo diária se requer unicamente estar na graça de Deus e ter retidão de intenção (ou seja, que não se comungue por vaidade ou rotina e sim para agradar a Deus). Se recomenda também estar limpo de pecados veniais, mas não é absolutamente necessário porque a comunhão ajudará a vencê-los. É conveniente também contar com o conselho do confessor, uma diligente e fervorosa participação e ação de graças. Nada mais.

[...].

3. PREPARAÇÃO PRÓXIMA PARA COMUNGAR

Quatro são as disposições próximas que devem exercitar em si a alma fervorosa, implorando-as de Deus com humildade e perseverante insistência:
a) Fé viva. Cristo exigia sempre como condição indispensável antes de conceder uma graça, mesmo do tipo material (milagre). A eucaristia é, por antonomásia
2, o mysterium fidei, já que nada nela é perceptível pela razão natural e nem pelos sentidos. Santo Tomás recorda em sua bela oração Adoro te devote que “na cruz se ocultou unicamente a divindade, mas no altar desaparece inclusive a humanidade santa: Latet simul et humanitas”. Isso exige de nós uma fé viva impregnada de adoração.
Não só neste sentido – de assentimento vivo ao mistério eucarístico – a fé é absolutamente indispensável, mas também em função da virtude vivificante do contato com Jesus. Temos de considerar em nossas almas a lepra do pecado e repetir com a fé via do leproso no Evangelho: “Senhor, se queres, tens o poder de purificar-me” (Mt 8,2); ou como o cego de Jericó – menos desafortunado com a privação da luz material do que nós, com a cegueira de nossa alma: “Senhor, que eu veja!” (Lc 18,41).
b) Humildade profunda. Jesus Cristo lavou os pés de seus apóstolos antes de instituir a Eucaristia para dar-lhes exemplo (Jo 13, 15). Se a Santíssima Virgem se preparou para receber em suas entranhas virginais o Verbo de Deus com aquela profunda humildade que a fez exclamar: “Eis aqui a serva do Senhor” (Lc 1,38), o que devemos fazer em semelhante conjuntura? Não importa que tenhamos nos arrependido perfeitamente de nossos pecados e nos encontremos atualmente em estado de graça. A culpa foi perdoada, o reparo da pena também (caso tenhamos feito a devida penitência), mas o fato histórico de ter cometido aquele pecado não desaparecerá jamais. Não esqueçamos que, independente do grau de santidade possuído por nós, se alguma vez cometemos em nossa vida só um pecado mortal, quer dizer que já fomos resgatados do inferno e somos ex-presidiários de Satanás. O cristão que tenha cometido na vida passado algum pecado mortal deveria estar sempre aterrado em humildade. Pelo menos, ao nos aproximarmos da comunhão, repitamos por três vezes, com sentimento de profunda humildade e vivo arrependimento, a fórmula sublime do centurião “Domine, nom sum dignus ut intres sub tectum meum” (Mt 8,8).
c) Confiança ilimitada. É preciso que a recordação de nossos pecados nos leve à humildade, mas não ao abatimento, que seria uma forma disfarçada de orgulho. Jesus Cristo é grande em sua misericórdia e sempre perdoa; ele acolheu com infinita ternura a todos os pecadores que se aproximaram e pediram perdão. Jamais alterou a condição: é o mesmo Evangelho. Aproximemo-nos d’Ele com humildade e reverência, mas também com imensa confiança em sua bondade e misericórdia. É o Pai, o Pastor, o Médico, o amigo divino, que quer nos aproximar de seu Coração palpitante de amor. A confiança o rende e vence: não pode resistir a ela, pois lhe rouba o Coração...
d) Fome e sede de comungar. Essa é a disposição que mais diretamente afeta a eficácia santificadora da Eucaristia. Essa fome e sede de receber Jesus sacramentado, que procede do amor e quase se identifica com ele, dilata a capacidade da alma e a dispõe a receber a graça sacramental em grandes proporções. A quantidade de água colhida de uma fonte depende em cada caso do tamanho do copo que se leva. Se nos preocupássemos em pedir ardorosamente ao Senhor essa fome e sede da Eucaristia e procurássemos fomentá-la com todos os meios ao alcance, muito rapidamente nos tornaríamos santos. Santa Catarina de Siena, Santa de Tereza de Jesus, Santa Micaela do Santíssimo Sacramento e outras muitas almas santas tinham uma fome e sede de comungar tão devoradoras, que teriam se exposto aos maiores sofrimentos e perigos em troca de não perder um só dia divino alimento que as sustentava. Devemos observar nessas disposições não somente um efeito, mas também uma das mais eficazes causas de sua excelsa santidade. A eucaristia recebida com tão ardoroso desejo aumentava a graça em suas almas em grau incalculável, fazendo-as avançar a passos largos pelos caminhos da santidade.
Em realidade, casa uma de nossas comunhões deveria ser mais fervorosa que a anterior, aumentando nossa própria fome e sede. Porque cada nova comunhão aumenta caudal de nossa graça santificante – a um maior capital, a maiores interesses –, e nos dispõe, em consequência, a receber o Senhor no dia seguinte com um amor, não só igual, senão muito maior que o da véspera. Aqui, como em todo processo de vida espiritual, a alma deve avançar com movimento uniformemente acelerado, algo como uma pedra que cai com maior rapidez à medida que se aproxima do solo.
3

4. A AÇÃO DE GRAÇAS

Para o grau de graça que o sacramento por si mesmo (ex opere operato) nos há de aumentar, é mais importante a preparação para receber a eucaristia do que a ação de graças após tê-la recebido. Esse efeito ex operato é produzido pelo sacramento somente uma vez no momento mesmo de recebê-lo. Por essa razão, o efeito está diretamente relacionado com as disposições atuais da alma de quem se aproxima da comunhão e não pelas disposições que se possam obter depois.
4
De qualquer forma, a ação de graças também é importante, ainda que o aumento da graça não se produza então ex opere operato, mas em virtude das novas disposições de quem comunga (ex opere operantes), podendo se repetir muitas vezes durante a própria ação de graças. Com razão dizia Santa Tereza a suas monjas: “não percais tão boa ocasião de tratar vossos interesses, como é o momento depois da Comunhão”.5 Cristo está presente em nosso coração e nada Ele deseja tanto como encher-nos de bendições.

[...].

5. COMUNHÃO ESPIRITUAL

Um grande complemento da comunhão sacramental que prolonga sua influência e assegura sua eficácia é a chamada “comunhão espiritual”. Consiste essencialmente em um ato de fervoroso desejo de receber a eucaristia e dar no Senhor um abraço apertado, como se realmente tivesse acabado de entrar em nosso coração. Essa prática piedosa, bendita e fomentada pela Igreja, é de grande eficácia santificadora e tem a vantagem, ademais, de se poder repetir muitas vezes ao dia (algumas pessoas se associam à oração da Ave-Maria ao dar a hora no relógio). Nunca se exaltará o suficiente essa excelsa prática, mas que se evite cuidadosamente a rotina e a pressa, que poriam tudo a perder. 

6. A VISITA AO SANTÍSSIMO

É outra excelente prática que não omitirão um só dia as pessoas desejosas de se santificar. Consiste em passar um tempinho – repetido várias vezes ao dia, se for possível – aos pés do Mestre encerrado no Sacrário. Se se pratica uma só vez ao dia, a hora mais oportuna é o entardecer, quando a lampadinha do Santíssimo começa a prevalecer sobre a luz da tarde que se esvai. Nessa hora misteriosa, tudo convida ao recolhimento e ao silêncio, que são excelentes disposições para ouvir a voz do Senhor no mais íntimo da alma. O melhor procedimento para realizar a visita é deixar expandir livremente o coração em fervoroso colóquio com Jesus. Não faz falta ser eloquente e letrada para isso, mas unicamente amar muito ao Senhor e ter n’Ele a confiança de uma criança em seu amantíssimo pai. Os livros – como excelente de Santo Alfonso de Ligório – podem ajudar um pouco a certas almas que se distraem facilmente, mas de nenhum modo poderão suplantar a espontaneidade e o ardor de uma alma que abre amplamente seu coração aos eflúvios de amor que emanam de Jesus Cristo sacramentado. Págs. 155-164; 167-169.



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1 Jogo de palavras do autor deriva possivelmente do trecho da carta n. 177 escrita por Ir. Elisabete da Trindade: “... Siento tanto amor en mi alma, es como un océano en el cual me sumerjo, me pierdo; es mi visión de la tierra, esperando la luz cara a cara” (L. 177). O autor, ao utilizar o termo “trevas” se refere à nossa condição atual sobre a Terra, na qual esperamos as luzes celestiais provenientes da visão beatifica de Deus. Cf. SOR ISABEL DE LA TRINIDADE, OBRAS COMPLETAS. Trad. Manuel Ordóñez Villarroel, Monte Carmelo, Burgos 2004 – NT.
2 Substantivo Feminino. ESTILÍSTICA/RETÓRICA. Variedade de metonímia que consiste em substituir um nome de objeto, entidade, pessoa etc. por outra denominação, que pode ser um nome comum (ou uma perífrase), um gentílico, um adjetivo etc., que seja sugestivo, explicativo, laudatório, eufêmico, irônico ou pejorativo e que caracterize uma qualidade universal ou conhecida do possuidor ( Aleijadinho por 'Antônio Francisco Lisboa'; a Rainha Santa por 'Isabel, rainha de Portugal, esposa de D. Dinis'; o Salvador por 'Jesus Cristo'; o príncipe da romana eloquência, por 'Cícero'; o mantuano por 'Vergílio'; um borgonha, por 'um vinho da Borgonha' etc.), ou vice-versa ( um romeu por 'um homem apaixonado'; tartufo por 'hipócrita' etc.).
3 Recorda-nos lindamente Santo Tomás: “O movimento natural (p. ex. o de uma pedra ao cair) é mais acelerado quanto mais se aproxima do término. O contrário ocorre com o movimento violento (p. ex. o de uma pedra lançada para cima). Ora, graça inclina ao modo da natureza. Logo os que estão em graça, quanto mais se aproximam do fim, tanto mais devem crescer”(In epist. Ad Heb. 1,25).
4 Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, SUMA TEOLÓGICA III, 80,8 , AD 6.
5 SANTA TEREZA, CAMINO, 34,10.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: OS DONS DO ESPÍRITO SANTO (ÚLTIMA PARTE)

2. NÚMEROS DOS DONS

É clássico o texto de Isaías (11,1-3):

Um broto vai surgir do tronco seco de Jessé, das velhas raízes, um ramo brotará.
Sobre ele há de pousar o espírito do SENHOR, espírito de sabedoria e compreensão, espírito de prudência e valentia, espírito de conhecimento e temor do SENHOR.
No temor do SENHOR estará sua inspiração.


Esse texto é claramente messiânico e fala propriamente só do Messias. Mas, não obstante, os Santos Padres e a própria Igreja estende-o também aos fiéis de Cristo, em virtude do princípio universal da economia da graça enunciado por São Paulo quando disse: “Pois aos que ele conheceu desde sempre, também os predestinou a se configurarem com a imagem de seu Filho, para que este seja o primogênito numa multidão de irmãos” (Rm 8,29). De onde se infere que tudo quanto há de perfeição em Cristo, nossa Cabeça, se é comunicável, se encontra também em seus membros unidos a Ele pela graça. E é evidente que os dons do Espírito Santo pertencem às perfeições comunicáveis, tendo em conta, ademais, a necessidade que temos deles para nossa santificação.
Os dons do Espírito Santo são sete: Sabedoria, Entendimento, Ciência, Conselho, Piedade, Fortaleza e Temor de Deus. No texto massorético
1 de Isaías falta o dom de Piedade e repete duas vezes o de Temor; mas isto se deve à tradução, já que a mesma expressão hebraica pode ser aplicada a ambos os dons indistintos.

3. FUNÇÃO ESPECÍFICA DE CADA UM DOS DONS

Vejamos agora muito brevemente a função especifica de cada um dos sete dons. Santo Tomás as precisou admiravelmente.
2 Cada um dos dons têm por missão direta e específica a perfeição de alguma das sete virtudes fundamentais (as três teologais e as quatro cardeais), e através delas repercutem em todas as demais virtudes infusas derivadas daqueles e sobre o conjunto total da vida cristã.
Eis aqui, muito brevemente, a missão especial e característica fundamental de cada um dos dons em ordem descendente de excelência e perfeição.
3
a) O dom de sabedoria aperfeiçoa maravilhosamente a virtude da caridade, dando-lhe a respirar o ar ou modalidade divina que reclama e exige por sua própria condição de virtude teologal perfeita. Por sua divina influência, as almas amam a Deus com amor intenso, por certa conaturalidade com as coisas divinas, que as funde, por assim dizer, nas profundidades insondáveis do mistério trinitário. Vêm tudo através de Deus e julgam tudo por razões divinas, com senso de eternidade, como se houvessem ultrapassado as fronteiras do mais além. Perderam por completo o instinto do humano e se movem unicamente por certo instinto sobrenatural e divino. Nada nem ninguém pode perturbar a paz inefável de que gozam no íntimo de sua alma: as desgraças, enfermidades, perseguições e calúnias, etc., as deixam completamente “imóveis e tranquilas, como se estivessem na eternidade” (Ir. Elisabete da Trindade). Não lhes importa nem afeta nada de quanto ocorra neste mundo, a não ser que esteja relacionado com a glória de Deus, que é seu único anelo e preocupação. Já começaram sua vida na eternidade. Algo disto queria dizer São Paulo quando escreveu em sua carta aos Filipenses: Nós, porém, somos cidadãos dos céus... (Fl 3,20).
b) O dom do entendimento aperfeiçoa a virtude da fé, dando-lhe uma penetração profunda dos grandes mistérios sobrenaturais: a inabitação trinitária, o mistério da redenção, de nossa incorporação a Cristo, a santidade de Maria, o valor infinito da santa missa e outros mistérios semelhantes adquirem, sob a iluminação do dom de entendimento, uma força e eficácia santificadoras verdadeiramente extraordinárias. Estas almas vivem obcecadas pelas coisas de Deus, que sentem e vivem com a máxima intensidade que pode dar de si uma alma peregrina ainda sobre a terra.
c) O dom da ciência aperfeiçoa, em outro aspecto, a mesma vida de virtude da fé, ensinando-a a julgar retamente as coisas criadas, vendo em todas elas a marca ou vestígio de Deus, que manifesta sua beleza e sua bondade inefáveis. A alma de São Francisco de Assis, iluminada pelas claridades divinas desse dom, via inclusive nos seres irracionais ou inanimados: o irmão lobo, a irmã flor, a irmã morte... O mundo tem por insensatez e loucura o que é sublime sabedoria perante Deus. É a “ciência dos santos”, que será sempre estulta ante a incrível estultícia e insensatez do mundo (cf. 1Cor 3,19).
d) O dom do conselho presta magníficos serviços à virtude da prudência, não só nas grandes determinações que marcam a orientação de toda uma vida (vocação, eleição de estado), mas até nos mais pequenos detalhes de uma vida em aparência monótona e sem transcendência alguma. São palpites, golpes de vista intuitivos, cujo acerto e oportunidade se encarregam mais tarde de averiguar os acontecimentos. Para o governo de nossos próprios atos e o reto desempenho de cargos diretivos e de responsabilidade, o dom do conselho é de um preço e valor incalculáveis.
e) O dom da piedade aperfeiçoa a virtude da justiça, uma de cujas virtudes derivadas é precisamente a piedade. Tem por objetivo exercitar na vontade, por instinto do Espírito Santo, um afeto filial para com Deus considerado como Pai amantíssimo, e um profundo sentimento de fraternidade universal para com todos os homens enquanto nossos irmãos e filhos do mesmo Pai que está nos céus. As almas dominadas pelo dom da piedade experimentam uma ternura imensa ao sentirem-se filhos de Deus, e sua prece favorita é o Pai-nosso que estais nos céus (Santa Teresinha). Vivem inteiramente abandonadas a seu amor e sentem também uma ternura especial para com a Virgem Maria, sua doce mãe; ao Papa, “o doce Cristo na Terra” (Santa Catarina de Siena), e a todas as pessoas nas quais brilha uma luz da divina paternidade: o superior, o sacerdote...
f) O dom da fortaleza reforça incrivelmente a virtude de mesmo nome, fazendo-a chegar ao heroísmo mais perfeito em seus dois aspectos fundamentais: resistência e persistência frente a toda classe de ataques e perigos, e acometida viril do cumprimento do dever apesar de todas as dificuldades. O dom de fortaleza brilha em frente dos mártires, dos grandes heróis cristãos e na prática calada e heroica das virtudes da vida cristã ordinária, que constituem o “heroísmo de pequeno” e uma espécie de “martírio às alfinetadas”,
4 com frequência mais penoso que o grande heroísmo e o martírio entre os dentes das feras.
g) O dom do temor, por fim, aperfeiçoa duas virtudes: primariamente, a virtude teologal da esperança, arrancando a raiz do pecado da presunção, que se opõe diretamente a ela por excesso, e nos faz apoiar unicamente no auxílio onipotente de Deus Pai, que é o motivo formal da esperança. Secundariamente, aperfeiçoa também a virtude cardeal da temperança, já que não há nada tão eficaz para frear o apetite desordenado dos prazeres como o temor dos castigos divinos. Os santos tremiam ante a possibilidade do menor pecado, porque o dom do temor lhes fazia ver com clareza a grandeza e majestade de Deus, por um lado, e a vileza e degradação do pecado, por outro. A Santa Teresa de Jesus lhe “arrepiavam os cabelos” quanto pensava na grandeza e majestade de Deus, ofendidas por nossos pecados. 

4. OS FRUTOS E AS BEM-AVENTURANÇAS

Quando a alma corresponde fielmente à moção divina dos dons do Espírito Santo, produz atos de virtude sobrenatural tão sazonados e perfeitos, que se chamam frutos do Espírito Santo. Os mais sublimes e extraordinários correspondem às bem-aventuranças evangélicas, que marcam o ponto culminante e o coroamento definitivo, aqui na Terra, de toda a vida cristã e são já como o começo e prelúdio da bem-aventurança eterna. 
São Paulo enumera alguns dos principais frutos do Espírito Santo quando escreve aos Gálatas: Os “frutos” do Espírito são: caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe lei (Gl 5,22-23). Mas sem dúvida alguma, não teve a intenção de enumerar todos. São, repetimos, os atos procedentes dos dons do Espírito Santo que têm caráter de especial qualidade e perfeição.
Diga-se o mesmo das bem-aventuranças evangélicas. No sermão da Montanha, Cristo assinalou oito: pobreza de espírito, mansidão, lágrimas, fome e sede de justiça, misericórdia, pureza de coração, paz e perseguição por causa da justiça. Mas também podemos dizer que se trata de um número simbólico que não reconhece limites. São as obras heroicas dos santos, que os faz experimentar um gosto e uma antecipação da bem-aventurança eterna do Céu. Págs. 127-134


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1 O Texto Massorético foi preservado pelos massoretas em meados do século VI, um grupo de escribas Judeus de renome que tinham como objetivo preservar fielmente os textos que eles consideravam ser divinamente inspirados. Esse texto foi usado para compor a Bíblia Hebraica e posteriormente como fonte de tradução para outros idiomas, inclusive para o português, realizada pelos católicos e também pelos protestantes, inclusive para as traduções de João Ferreira de Almeida.
No século XV, ao ser inventada a imprensa, Daniel Bomberg, um cristão veneziano de Antuérpia, Bélgica, realizou uma impressão do Texto Massorético em 1524 e foi usado também por Martinho Lutero ao traduzir o Antigo Testamento para o Alemão.
O Texto Massorético também é a base universal para o que podemos chamar de uma “Bíblia” Judaica, se referindo claramente aos livros canônicos judaicos, chamados Tanakh, que contém os 24 livros sagrados dos judeus que compõem os mesmos 39 livros do Antigo Testamento, porém em ordem diferente. Biblioteca Teológica: http://bibliateca.com.br/site/a-biblia-manuscrita/o-texto-massoretico - NT.
2 Nós mesmos as expusemos amplamente em nossa Teologia de la Perfección Cristiana, n.117-139, para onde remetemos o leitor que queira maior informação.
3 Cf. Nossa obra somos hijos de Dios, p.38-41.
4 A expressão deriva da frase de Santa Teresa de Lisieux “Antes de morrer pela espada, morramos às alfinetadas...”, (cf. Obras completas – Teresa do menino Jesus e da Sagrada Face. São Paulo: Ed. Loyola, 1995, p. 399) – NT.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: OS DONS DO ESPÍRITO SANTO

1. IMPORTÂNCIA E NECESSIDADE

As virtudes infusas, apesar de serem estritamente sobrenaturais, como já explicamos, não bastam para nos fazer viver em toda sua perfeição e grandeza a vida divina, própria do cristianismo na graça. Precisamente por se tratar de uma vida verdadeiramente divina – portanto, infinitamente superior à vida puramente natural ou humana – qualquer elemento humano que se mescle a ela apaga de alguma forma seu brilho e esplendor. Sem dúvida alguma, as virtudes infusas podem atuar e atuam sobrenaturalmente, fazendo-nos viver a vida divina própria da graça, embora não em toda sua força e perfeição. Para isso, necessitam da ajuda e da colaboração dos dons do Espírito Santo pela razão que explicaremos imediatamente.
As virtudes infusas, de fato, movem-se e governam pelo próprio cristianismo na graça, seguindo o ditame da razão iluminada pela fé. Enquanto iluminada pela fé, a razão natural está mil vezes acima de si mesma, abandonada a suas próprias luzes naturais. Nesse sentido, as virtudes infusas se encontram muito acima das naturais ou adquiridas, que são governadas pelas luzes sobrenaturais da fé. Por isso as virtudes infusas são muito mais finas e exigentes do que as adquiridas – “fiam mais fino”, como diria Santa Teresa – porque a fé mostra à alma maravilhas que rebaixam, e muito, as luzes da razão natural. Assim, por exemplo, o amor natural ao próximo não vai tão longe ao ponto de darmos a própria vida por ele, como por vezes exige a caridade sobrenatural em imitação ao Senhor Jesus Cristo; a virtude natural da temperança evita tudo o que pode prejudicar a saúde do corpo ou a reputação perante os demais, mas nada sabe de mortificações ou imolações voluntárias pelo bem espiritual próprio ou alheio, em imitação ao divino Crucificado, etc., etc. As virtudes infusas são, evidentemente, muito mais finas e perfeitas do que suas correspondentes virtudes naturais ou adquiridas.
Contudo, nas virtudes infusas, em seu mecanismo e funcionamento, se mistura inevitavelmente um elemento humano: a própria razão natural, ainda que iluminada pela fé. É ela, como dissemos, quem rege e governa as virtudes infusas, embora sempre sob a influência e impulso da graça atual, sem a qual a razão humana, mesmo informada pela fé, não pode fazer absolutamente nada na ordem sobrenatural. A razão iluminada pela fé ao reger e governar por si mesma as virtudes infusas sob o impulso de uma graça atual, imprime, forçosa e inevitavelmente, uma modalidade humana, posto que essa modalidade é própria e característica da razão natural, mesmo iluminada pela fé: não há outra. Essa atmosfera e modalidade humana procedente da razão natural é um elemento estranho e enormemente desproporcionado em relação à natureza sobrenatural ou divina das virtudes infusas, sobretudo das teologais. Estas reclamam, por sua própria natureza, uma atmosfera ou modalidade divina para desvelar em tudo seu esplendor suas maravilhosas virtualidades divinas. Por isso, enquanto estiverem submetidas à modalidade humana que lhes imprime a razão natural, as virtudes infusas não respiram a plenos pulmões, por assim dizer, e é impossível que nessas condições alcancem seu perfeito desenvolvimento. Poderão crescer e se desenvolver até certo ponto, mas sempre de forma precária, incompleta e imperfeita. Impossível chegar ao ápice de seu desenvolvimento e perfeição enquanto uma atmosfera ou modalidade plenamente divina não venha a lhes dar o oxigênio puro que reclamam e exigem, por sua própria natureza de virtudes sobrenaturais ou divinas.
Esse é o papel dos dons do Espírito Santo e sua razão de ser. Também eles são hábitos naturais ou infusos – e neste sentido coincidem genericamente com as virtudes infusas que sempre acompanham –, mas seu mecanismo e funcionamento é completamente distinto. Não é a razão humana iluminada pela fé que os governa e regula, senão o próprio Espírito Santo, utilizando-o como seus instrumentos direitos e indiretos. Ele é quem os move diretamente e não a razão humana. O Espírito Santo, ao utilizar os dons diretamente, por si mesmo lhes imprime sua modalidade divina, que é própria e específica do mesmo Espírito Santo, como é evidente. Assim, o ato sobrenatural procedente dos dons do Espírito Santo, não somente é sobrenatural quanto à sua essência – também o é das virtudes infusas – senão quanto ao modo. Nesse sentido supera imensamente em qualidade e perfeição o ato das virtudes infusas submetidas ao governo da simples razão natural pela fé.
Poderíamos comparar as virtudes infusas a uma harpa sobrenatural com mais de cinquenta cordas, que Deus entrega à alma em estado de graça para que a toque e tire dela harmonias divinas (os atos sobrenaturais); mas como o artista que maneja a harpa – a própria razão humana – é muito torpe e míope, mesmo sob as luzes da fé, resulta numa melodia desafinada e imperfeita (se pratica a virtude “até certo ponto”, “contanto que não me exija me exija demais”, etc.). Até que chega um momento em que o próprio Espírito Santo toca por si mesmo a harpa das virtudes infusas através de seus próprios dons, e então sai da alma uma melodia bela, absolutamente divina, que não é outra coisa senão os atos de virtude perfeita e heroica dos verdadeiros santos. Então, é quando o cristão começa a viver em toda a plenitude sua filiação divina adotiva, como disse explicitamente o apóstolo São Paulo na sua carta aos Romanos: “Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8,14). Págs. 123-127.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: O PORQUÊ DE TANTOS FRACASSOS (ÚLTIMA PARTE)

3. A FALTA DE DIREÇÃO ESPIRITUAL OU DEFICIÊNCIA DA MESMA

Outra das razões que explicam com maior clareza o rotundo fracasso de tantos aspirantes à perfeição ou santidade cristã, diz respeito à direção espiritual, seja porque careceram totalmente dela ou porque a receberam de maneira equivocada ou deficiente. Vamos expô-las com a maior precisão possível.


a) Em que consiste a direção espiritual
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A direção espiritual consiste ou tem por objeto assinalar às almas o verdadeiro caminho que devem percorrer progressivamente, desde o começo da vida espiritual até os cumes mais elevados da união íntima com Deus. Quem dever percorrer o caminho é a alma – indubitavelmente –, mas cabe ao diretor traçar-lhe a rota a ser seguida em cada momento da vida espiritual. Não se trata de empurrar a alma, mas de conduzi-la suavemente adiante, respeitando sempre a liberdade e particular idiossincrasia da alma dirigida.
O caminho deve ser firme, sem rodeios e desvios, porém sem saltos nem precipitações imprudentes. O diretor deve conduzir a alma gradual e progressivamente, sem exigir-lhe, a cada momento, mais do que a alma pode dar de si conforme as graças que Deus via derramando sobre ela (cf. Mt 23,4; Jo 16,12-13).
A direção deve começar imediatamente quando a alma, sob o impulso da graça divina, se decide a empreender o caminho da perfeição cristã. Em todas as etapas desse caminho há uma infinidade de obstáculos e dificuldades que não poderão ser superados sem a vigilância e ajuda de um experiente diretor espiritual, segundo a providência ordinária de Deus.
O ideal de santidade a ser aspirado pela alma não pode conhecer limites nem fronteiras. O diretor deve orientar todas as energias da alma em direção à plena e íntima união com Deus, ou seja, para o ápice da santidade. Um diretor “meio letrado e assustadiço” – como diria Santa Teresa
7 – que contente em manter as almas em uma vulgar mediocridade e não as estimule sem descanso a buscar uma perfeição cada vez maior, fará grande dano às almas e incorrerá em uma grave responsabilidade perante Deus.8 Se só as ensina a andar arrastando-se rente ao solo como sapos, jamais poderão retomar o voo para os mais altos cumes, como as águias reais. 

b) Importância e necessidade
Segundo o testemunho da Tradição, a direção espiritual é moralmente necessária para alcançar a perfeição cristã. São Vicente Ferrer não vacilou em escrever no seu famoso “Tratado da vida espiritual” as seguintes categóricas palavras: “Nunca o Senhor Jesus Cristo outorgará sua graça – sem a qual nada podemos fazer – a quem, tendo à disposição um varão capaz de instruir-lhe e dirigir-lhe, despreza essa ajuda, persuadido de que se bastará a si mesmo e de que encontrará por si só tudo o que é útil para sua salvação.9
A necessidade moral da direção espiritual pode ser comprovada pelo testemunho da Sagrada Escritura, pela prática universal da igreja e pela própria psicologia humana.
i) Pela Sagrada Escritura – não há nela nenhum texto claro e definitivo que aluda diretamente a esta questão, mas o insinua suficientemente em inúmeros textos. Vejam por exemplo os seguintes:
“Segue o conselho dos prudentes e não desprezes nenhum bom conselho” (Tb 4,18).
“Se um vem a cair, o outro o levanta. Mas ai do homem solitário: se ele cair não há ninguém para o levantar” (Ecl 4,10).
“Filho, nada faças sem reflexão, e não virás a arrepender-te depois” (Eclo 32,24).
“Quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim despreza, e quem me despreza, despreza aquele que me enviou” (Lc 10,16).
“Sendo assim, em nome de Cristo exercemos a função de embaixadores e por nosso intermédio é Deus mesmo que vos exorta” (2Cor 5,20).
Pode-se citar ainda os exemplos de Cornélio, enviado a São Pedro (At 10,5), e o de São Paulo a Ananías (At 9,6).
ii) Pela prática universal da Igreja – de fato, a prática da direção espiritual aparece na Igreja desde os tempos apostólicos. É certo que se citam exemplos de santidade alcançadas sem direção espiritual – o que comprova que a direção não é absolutamente necessária –; mas a regra geral mostra que, ao lado das almas mais perfeitas se encontra um sábio diretor, que se inicia e governa até leva-las à santidade. Algumas vezes se estabelece uma corrente de mútua influência sobrenatural entre ambos. Recordem-se dos exemplos de São Jerônimo e Santa Paula, do Beato Raimundo de Cápua e Santa Catarina de Sena, de São João da Cruz e Santa Teresa, de São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal, de São Vicente de Paula e Santa Luisa de Marrilac, etc.
iii) Pela própria psicologia humana – em geral, ninguém é bom juiz de si mesmo, ainda que pressuposta a máxima sinceridade e boa fé. Compreendemos muito melhor os estados da alma alheia – quando se expõem a nós com clareza – do que os de nossa própria alma. Uma mesma situação, clara e fácil quando se trata dos demais, resulta-nos obscura e complicada quando se trata de nós mesmos. Isso ocorre porque não podemos prescindir de uma série de fatores sensíveis, de imaginação, de egoísmo, de interesse, de gostos e afeições, ou de escrúpulos e preocupações excessivas, que vêm a enturvar a claridade da visão e a entorpecer o ditame da razão prática.
Não obstante, como já dissemos, a necessidade de um diretor espiritual não é absoluta ou indispensável para todos. Às vezes, as condições nas quais vive uma alma impedem-na de ter uma direção espiritual conveniente (por exemplo, aldeões que nem sequer dispõem de um pároco, ou monjas de clausura submetidas a um só confessor não de todo competente para uma direção espiritual séria, etc.). Nesses casos, Deus suprirá com suas inspirações internas a falta involuntária de um guia idôneo. Mas a direção se faz indispensável – segundo a providência ordinária de Deus – para todo aquele que possa facilmente obtê-la. Nada mais oposto ao espírito do cristianismo e à natureza mesma da Igreja – na qual o ensinamento e o governo se realizam por meio da autoridade – do que buscar a regra de vida em si mesmo. Tal foi o erro dos protestantes, que abriram a porta aos excessos do livre exame e do mais desenfreado iluminismo. Págs. 51-56.


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6 Estudamos longamente tudo relativo à direção espiritual na Teologia de la Perfección Cristiana, n. 671-705, para onde remetemos o leitor que queira maiores informações sobre este importantíssimo assunto. Aqui oferecemos somente o resumo do mais importante.
7 Cf. SANTA TERESA, VIDA5,3; 13,14-16, ETC.
8 Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ, LLAMA CAN.3 N. 56.
9 SÃO VICENTE FERRER, TRATADO DE LA VIDA ES´PIRITUAL, P.2.A C.1 (VALENCIA 1950) 43-44.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: O PORQUÊ DE TANTOS FRACASSOS (PARTE 3)

5ª Constante e progressivo. Há muitas almas que sob a influência de algum acontecimento de sua vida (ao sair de uns exercícios espirituais, ao receber as ordens sagradas ou ao entrar na religião, etc.) têm uma grande arrancada. Mas muito prontamente se cansam ao experimentar as primeiras dificuldades e abandonam o caminho da perfeição ou deixam esfriar ao menos o desejo ardente que possuíam. Às vezes se permitem férias e pequenas pausas na vida espiritual, com o pretexto de “respirar um pouco” e recuperar as forças da alma. É um grande equívoco. A alma não só não recupera a força, senão que, pelo contrário, enfraquece e se debilita extraordinariamente. Mais tarde, quando queira recomeçar a marcha, se encontrará destreinada e sonolenta, e deverá fazer um grande esforço para colocá-la outra vez no grau de tensão espiritual que antes havia atingido. Tudo isto poderia ser evitado se o desejo da perfeição se impusesse sempre de maneira constante e progressiva – sem violência nem extremismos, embora sem desfalecimentos nem fraquezas –, impedindo-lhe a alma essas férias espirituais que lhe custarão cara depois.
6ª Prático e eficaz. Não se trata de um quisera, mas de um quero, que há de se traduzir eficazmente na prática, dispondo hic et nunc de todos os meios a nosso alcance para conseguir a perfeição a todo o custo. É muito fácil iludir-se de que se tem o desejo da perfeição por certas veleidades e caprichos que ocorrem à alma durante a oração. Mas o movimento se demonstra caminhando. Desejar a perfeição em teoria, mas “esperar terminar este trabalho”, ou “que se passe tal ou qual data” ou “esperar sarar completamente” ou “ao sair de tal ofício ou cargo exigente”, etc., etc., é viver em perpétua ilusão. De prazo em prazo, de prorrogação a prorrogação, a vida vai passando insensivelmente, e nos expomos a comparecer perante Deus com as mãos um pouco menos que vazias.

b) Como aumentar o desejo de santidade
Insistindo nesse assunto tão transcendental, vamos propor agora os meios mais importantes para avivar em nós o desejo eficaz da perfeição e da mais elevada santidade. São estes:
I. Pedi-lo incessantemente a Deus. Enquanto sobrenatural, só do alto pode nos vir, já que é absolutamente impossível que brote de nossas próprias forças naturais. O meramente natural não produzir jamais nenhum efeito sobrenatural, ao contrário do que afirma a heresia pelagiana expressamente condenada pela Igreja (D 101ss/DH 222ss).
Deus se comprometeu a nos conceder tudo quanto pedimos com a oração revestida das devidas condições. A promessa divina consta explicitamente no evangelho: “Pedi e vos será dado! Procurais e encontrareis! Batei e a porta vos será aberta! Pois todo aquele que pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate, a porta será aberta” (Mt 7,7-8). Estas categóricas palavras foram pronunciadas pelo próprio Cristo no sermão da Montanha, dirigindo-Se a todos os seus discípulos, e não a uma só classe seleta e privilegiada: “Todo aquele que pede, todo aquele que busca, todo aquele que chama...”, sem nenhuma limitação ou restrição.
Pois, se assim o é, como se explica que não tenhamos obtido de Deus o grande dom de desejar eficazmente a perfeição e a santidade cristãs? A explicação pode ser mais simples: porque não a pedimos, ou a pedimos insuficientemente ou sem reunir as devidas condições para que a oração resulte infalivelmente eficaz.
Para que a oração resulte infalivelmente eficaz segundo a promessa evangélica deve reunir as seguintes condições indispensáveis: 
5
i) Há de ser humilde. Quem pede uma esmola não pode exigi-la de modo algum, diferente de um trabalhador que mereceu o salário correspondente.
ii) Confiante, ou seja, esperando-a com toda segurança e certeza da misericórdia de Deus.
iii) Perseverante, repetindo-a mil vezes, sem se cansar nem desfalecer jamais, mesmo quando Deus parece não querer nos escutar. A razão de tardar em nos escutar, apesar de nossa insistência, é que Deus quer provar nossa fé e confiança em sua bondade e misericórdia, e fazer-nos ver, ao mesmo tempo, que por nós mesmos jamais poderíamos alcançar o que esperamos obter confiadamente de sua infinita misericórdia.
Quando reunidas essas três condições principais, a oração de petição resulta infalivelmente eficaz, em virtude da promessa evangélica expressada pelo próprio Jesus Cristo no sermão da Montanha.
II – Renovar com frequência o desejo de santidade, como já dissemos. Diariamente nos momentos mais solenes e importantes (santa Missa, sagrada comunhão, orações privadas). Não é necessário pronunciar fórmula alguma; basta um impulso amoroso do coração, uma breve e simples jaculatória, etc., etc.
III- Meditar com frequência nos motivos para querer a santidade. Eis aqui os principais:
i) Temos a obrigação estrita de aspirar à perfeição em virtude da vocação universal à santidade, segundo vimos amplamente ao expor a magnífica doutrina do Concílio Vaticano II.
ii) É o maior dos bens que podemos alcançar nesta vida. Em comparação a ele, são como “esterco e lixo” todos os bens deste mundo (Fl 3,8).
iii) A perfeita imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos amou até derramar todo o seu sangue por nós, exige a máxima correspondência e o máximo esforço de nossa parte: amor com amor se paga. A visão de Jesus Cristo crucificado deveria ser o incentivo mais nobre e eficaz para nos impulsionar à mais alta santidade. Págs. 47-51.


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5 Cf. SANTO TOMÁS, II-II, 83, 15 AD 2.


Link para a continuação do post: TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: O PORQUÊ DE TANTOS FRACASSOS (ÚLTIMA PARTE)

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

TRECHOS DA OBRA: SER OU NÃO SER SANTO... EIS A QUESTÃO: O PORQUÊ DE TANTOS FRACASSOS (PARTE 2)

2. A FALTA DO VERDADEIRO DESEJO DE SANTIDADE

Em realidade, este segundo obstáculo quase coincide com o anterior, ou tem com ele muitos elementos comuns. Mas, de qualquer forma, oferece alguns matizes muito importantes que convém examinar.
De pronto, tal obstáculo já pertence plenamente à ordem sobrenatural. Ninguém pode possuir um sincero e autêntico desejo de santidade ou perfeição cristã, senão sob a influência da divina graça.
Santo Tomás de Aquino, ao ser questionado por sua irmã sobre o que deveria fazer para chegar à santidade, limitou-se a responder: querer. É de se supor que o Doutor Angélico explicaria depois à irmã o verdadeiro sentido e alcance dessa lacônica resposta.
Poderia repetir aqui, apenas elevando à ordem sobrenatural, tudo quanto já dissemos sobre a energia de caráter. Somente as almas esforçadas e enérgicas, com ajuda da divina graça, conseguem escalar até o cume da montanha do amor.


a) Qualidades do desejo de santidade

Para se obter dele toda sua eficácia santificadora, o desejo da perfeição deve possuir as seguintes qualidades:
3
1ª Deve ser sobrenatural, ou seja, procedente da graça divina e orientado para a maior glória de Deus, fim último e absoluto de nossa própria existência. O verdadeiro desejo da perfeição já é um grande dom de Deus, o qual devemos pedir-Lhe humilde e perseverantemente, até obtê-lo de Sua divina bondade.
2ª Profundamente humilde, quer dizer, sem jamais apoiá-lo sobre nossas próprias forças, que são pura fraqueza e miséria diante de Deus. Nem devemos aspirar à santidade vendo nela um modo de nos engrandecer, mas unicamente como o meio mais excelente para amar e glorificar a Deus com todas as nossas forças.
3ª Sumamente confiado. É o complemento da qualidade anterior. Nada podemos por nós mesmos, mas tudo podemos naquele que nos conforta (Fl 4, 13). O Senhor permite que se coloquem diante de nós verdadeiras montanhas de dificuldades precisamente para provar nossa confiança n’Ele. Quantas almas abandonam a senda da perfeição ao surgirem estas dificuldades, por esse desalento e falta de confiança, pensando que não é para elas uma coisa tão árdua e difícil! Somente os que seguem adiante apesar de tudo, pensando que das mesmas pedras pode Deus suscitar os filhos de Abraão (Mat 3,9), chegarão a coroar-se com os louros da vitória.

A este propósito escreve Santa Teresa:
4
“Ter grande confiança, porque convém muito apoucar os desejos, mas crer em Deus. Pois, se nos esforçarmos pouco a pouco, ainda que não seja logo, poderemos chegar ao que muitos santos, ao Seu favor, chegaram. Porque se eles nunca decidissem a desejá-lo e, pouco a pouco a pôr mãos à obra, não teriam subido a tão alto estado. Ama sua majestade e é amigo de almas cheias de coragem, quando vão com humildade e nenhuma confiança em si. E não vi nenhuma dessas, que fique embaixo no caminho, nem nenhuma alma covarde – com amparo de humildade – que em muitos anos ande o que essas outras em muito poucos. Espanta-me o muito que faz nesse caminho anima-se a grandes coisas”.
4ª Predominante, ou seja, mais intenso que qualquer outro. Nada tem razão de bem senão a glória de Deus, e, como meio para ela, nossa própria perfeição. Todos os demais bens devem subordinados a esse supremo. É a pérola de grande valor do Evangelho, para cuja aquisição o mercador deve vender tudo quanto possui (Mt 13, 46). Ciência, saúde, apostolado, honras..., tudo vale infinitamente menos do que a santidade. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e Sua justiça e todas as coisas lhes serão dadas por acréscimo” (Mat 6,33). O desejo da perfeição não pode ser um entre tantos, posto à margem de muitos outros que disputem com ela a primazia. Tem de ser o desejo fundamental dominante de toda nossa vida. Aquele que quer ser verdadeiramente santo, precisa dedicar-se a isso profissionalmente, deixando de lado tudo o mais e considerando as coisas deste mundo como inteiramente caducas, segundo diz São Paulo: “Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3.3). Por não se decidirem totalmente a isso e andar aos tropeços entre as coisas de Deus e as do mundo, fracassam tantas almas no caminho de sua santificação. Págs. 43-46.


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3 Cf. Teologia de la Perfección Cristiana, n. 623.
4 SANTA TERESA, VIDA 13,12.

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